Por onde anda a turma emo da Praça Portugal?

Ouvir som, encontrar as amizades e desafiar preconceitos. A juventude que se reunia no espaço localizado na Aldeota chegou a se organizar contra a remoção da praça

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Inicialmente, os jovens se reuniam por conta de encontros virtuais na internet
Legenda: Inicialmente, os jovens se reuniam por conta de encontros e fã clubes na internet. Na imagem, apreciadores da cultura otaku reunidos em 2005
Foto: Neysla Rocha em 09/02/2005

Veio os anos 2000 e a trilha sonora emo ganhou espaço no comportamento de uma outra juventude. O tema era evidência. Até o Fantástico, com direito a Pedro Bial surpreso, fez reportagem apresentando aquela nova “tribo urbana”.  

“O som emo é pesado, rápido, quase punk”, define Bial. “Mas, as letras...”. O tom perplexo referencia o fato destas músicas assumirem temas românticos e sentimentais. Isso seria incomum ao dito "rock pauleira". Em Fortaleza, a preocupação dos emos da Praça Portugal era outra. 

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Existia muita cara feia contra a turma que frequentava o território cravado na Aldeota. “Esses encontros acabaram justamente por causa de ameaças de haters, e acredito que eles faziam por puro preconceito”, relembra Rooh Beviláqua (26).  

streamer conta que sua história com a Praça Portugal começou em 2009, por volta dos 14 anos. A afinidade começou com os amigos do bairro Jóquei Clube. “Gostavam de ir para bater papo e encontrar pessoas do mesmo estilo. Então todos os sábados nos encontrávamos por lá”, descreve. 

Alguns elementos identificavam os fãs do gênero. As mais comuns eram as franjas e piercings, bem como os jeans colados, cintos de rebite e munhequeiras. Adicione esmalte preto e lápis de olho. Nos fones o som de My Chemical Romance, Fall Out Boy, Paramore, Fresno, NX Zero, CPM 22 e por aí vai.   

O gamer Feeh Silva (27) é outro personagem desta era. Começou em 2011, por indicação de uma colega de escola. E quem era a amiga? Era a Rooh Beviláqua. Do João XXIII passou a circular na Praça Jonas Gomes de Freitas (localizada nas proximidades de um shopping no São Gerardo). “Como lá estava rolando arrastão, mudamos para Aldeota”, detalha. 

Rooh Beviláqua e Feeh Silva
Legenda: Rooh Beviláqua e Feeh Silva
Foto: Acervo pessoal

Em sua avaliação, o aspecto visual causava essa antipatia contra sua turma. “Provavelmente pelo jeito de se vestir. Por mais que seja preto, os detalhes chamam atenção. Acho que a única coisa de importante que levo são as amizades sinceras que conheci lá”, reflete Feeh Silva.  

Turma da paz

Rooh descreve o cotidiano dos encontros naquele ponto da capital. A ideia era ouvir músicas. Conversar acerca das bandas do estilo e de filmes em geral. Em 2005, a reportagem “Praça Portugal é ponto de encontro de jovens no sábado” registrou uma destas tardes: 

"Apesar da aparente estranheza no estilo de vestir, geralmente usando roupas pretas ou escuras, esses jovens com idade entre 15 e 21 anos na realidade só querem estar juntos, se divertir e compartilhar o que mais gostam: Internet, revistas e jogos japoneses e literatura, principalmente o Best Seller infanto-juvenil Harry Potter"  

Fontes ouvidas apontam que o movimento na Portugal começou após serem “convidados” a se retirar de um shopping. Além dos emos, o lugar acolhia otakus, metaleiros, indies, fã clubes, cosplayers e apreciadores da cultura pop. Abraçava também a diversidade sexual destes jovens.  

Um registro deste cenário em Fortaleza consta no documentário "Geração Emocore" (2009). O material escuta emos, pessoas da cena e autoridades acadêmicas. O sociólogo Lenildo Gomes foi uma das vozes entrevistadas. 12 anos depois, o que mudou neste cenário? 

Lenildo resgata que boa parte dessa aversão com a turma da Praça Portugal, ente outros fatores, se devia à homofobia. “Ao mesmo tempo, não temos uma situação muito óbvia de compreender o que motivou aquela geração a ocupar aquele espaço, visto que boa parte delas não eram da região, nem de famílias que tinham dinheiro. Vi gente que saia da Vila Manoel Sátiro".

O gestor cultural descreve que a ocupação dos espaços públicos pela juventude tomou outros ares. Perceptível até antes da pandemia, essa reconfiguração acontece entre o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e a “Praia dos Crushs”.  Outra mudança em relação aos anos anteriores é o empoderamento de pessoas e grupos minoritários.

A Praia de Iracema tem acolhimento maior quanto à discussão da diversidade em vários aspectos. Da sexualidade, do corpo e dos comportamentos. Esse olhar para a diversidade talvez seja o diferencial de 2009. 

Defensores 

Em 2014, a história da cidade cruzou o caminho dos emos. Durante a gestão do prefeito Roberto Cláudio, existia o plano de demolir a praça circular e fazer um cruzamento. A estratégia era criticada por historiadores, entre outras vozes da cidade. O Diário do Nordeste acompanhou a polêmica:

“Na tarde de ontem, frequentadores assíduos da praça, como os apreciadores da música emocore e da cultura japonesa, e outros segmentos favoráveis à permanência da praça fizeram um protesto contra as mudanças e chegaram a interromper o trânsito em alguns momentos. Uma outra manifestação está marcada para a tarde de hoje.  

Turma do rock reunida em 2004
Legenda: Turma do rock reunida em 2004
Foto: Neysla Rocha em 15/02/2004

A matéria ainda descreve: “Jovens que se reuniam há sete anos no local dizem preferir frequentar o espaço por oferecer mais segurança”. Esta relação afetiva com a cidade assemelha-se à definição proposta por Rooh Beviláqua. “Emo é ser sensível, sentir tudo o que se passa ao redor", destaca.  

"A importância de tudo isso foi a vivência, só se vive uma vez e a minha experiência lá foi ótima, não trocaria por nada, me ajudou a moldar a pessoa que sou hoje: uma pessoa com histórias para contar, com mente aberta para o novo. Tenho ótimas lembranças com meus amigos de lá. Dividimos e relembramos até hoje". 

Fãs de RPG e Harry Potter
Legenda: Fãs de RPG e Harry Potter
Foto: Neysla Rocha em 09/02/2005

Feeh Silva aponta que muitos dos emos mudaram o visual e de vida. “Arrumaram empregos, casaram. Algumas dessas pessoas ainda frequentam eventos populares como o SANA. Lá, podem se vestir do jeito que se vestiam na praça” 

Na percepção de Lenildo Gomes, fica a reflexão de quem saiu da Praça Portugal e quem fica nela. "Agora, com a retomada da programação, qual será a nossa relação com a cidade. Como vamos reocupar. É um reaprendizado. Não temos com avaliar se os espaços serão os mesmos. Devemos repensar esse fluxo de ocupação, pois no pós-pandemia, esperamos que sim, talvez os espaços não sejam os mesmos, nem as pessoas”, finaliza. 

 

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