Negros na piscina: a exposição que te convida a rever conceitos e a celebrar a vida preta
Em cartaz na Pinacoteca do Ceará, mostra põe em foco populações vulnerabilizadas a partir de obras que rompem o lugar comum e convidam a pensar diferente
O que é a piscina senão o local do divertimento? O que é o divertimento senão aquilo reservado a alguns? É a partir da análise desses conceitos que “Negros na Piscina” se afirma.
Em cartaz até 7 maio de 2023 na Pinacoteca do Ceará, a exposição nos toma pelos sentidos ao apresentar uma paisagem social e afetiva na qual corpos pretos, indígenas e travestis – entre outros vários igualmente negros – também possam ter direito a trabalho e descanso.
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Essa quebra de perspectiva histórica e cotidiana fascina, ao mesmo tempo que espanta. No total, cerca de 60 artistas brasileiros de diferentes linguagens artísticas convidam para outra postura. Mais atenta e urgente, sem dúvidas. No mínimo, imperativa.
“Os trabalhos da mostra têm justamente essa proposta de falar sobre insurgências, futuro, beleza, autonomia, dança, festa, e sobre poder e acesso às piscinas – nesse caso, não apenas de forma literal, mas simbólica, entendendo-as como esses espaços de ingresso à educação, saúde, lazer e autonomia”, situa Fabiana Moraes, uma das curadoras do projeto.
De acordo com a professora, pesquisadora, jornalista e escritora pernambucana, a exposição é resultado de pesquisas diversas realizadas tanto por ela quanto por Moacir dos Anjos – o outro curador da mostra – ao longo dos últimos anos. A relação entre imagens e poder integra o ofício de ambos, seja nas artes, seja na imprensa.
“Recebemos o convite do Fotofestival Solar em junho, e, como já tínhamos desenhado essa proposta expositiva, pensamos em fazer uma mostra que refutasse um pouco dessas imagens de sofrimento – uma vez que elas são geralmente relacionadas a populações vulneráveis. É assim que tudo começa a se materializar”.
Todos dentro do piscinão
Em suma, são apresentadas ao público outros horizontes de Brasil, dimensionando afetos, desejos, hábitos, forças, memórias e coragens. Alguns artistas, inclusive, têm mais de uma obra na exposição, estendendo o raio de alcance da criatividade.
A curadoria priorizou trabalhos que tragam reflexões a respeito da proposta curatorial, contemplando a ideia de piscina tal qual foi apresentada. Também procurou evidenciar nomes experientes e contemporâneos na cena, num diálogo ininterrupto com questões de outrora insistentes no agora.
Há outro detalhe tão importante quanto simbólico: o espaço expositivo, a arquitetura da mostra, remete a um grande piscinão. “E, dentro desse piscinão, há outra piscina. Essa pequena piscina, essa piscina interna, é o Espaço da Vênus, como chamamos não-oficialmente”, explica Fabiana.
“Lá, tem fotografias de Walter Filho; imagens da Vênus feitas por Val Souza; um documentário sobre a beleza da Rosa, líder quilombola do interior de Pernambuco já falecida; e um dos trabalhos que eu acho destaque na exposição: as faixas de miss bordadas por Arthur Bispo do Rosário. São mais de 50 e, se vocês não viram, recomendo. É muito maravilhoso, junto a tantos outros”.
Nesse movimento, conforme a pesquisadora, o maior desejo da curadoria é que a exposição converse com os mais diversos públicos. Sob a lente particular de Fabiana, a vontade é que cada trabalho converse com populações vulneráveis – de negras, trans e travestis até crianças, mulheres, pobres e pessoas que estão vivenciando os desafios do mercado de trabalho.
“Desejo que essas imagens conversem e façam, se for o caso, com que a gente se observe também como gestoras de nossas vidas, como pessoas que têm autonomia e criatividade. E que a nossa história não é somente o sofrer, é também criação e sonho. Quero muito que a cena na qual Val – do filme ‘Que Horas Ela Volta’, presente na primeira sala da exposição – entra na piscina e liga para a filha dizendo que ela entrou no espaço no qual ela e a filha eram proibidas de entrar, se repita. Que as pessoas entrem na piscina e experimentem o poder”.
Serviço
Exposição “Negros na Piscina”
Em cartaz até 7 de maio de 2023 na Pinacoteca do Ceará (Rua 24 de maio, S/N, Praça da Estação, Centro). Funcionamento: de quinta a sábado, das 12h às 20h (último acesso às 19h); aos domingos, de 10h às 18h (último acesso às 17h). Por conta do recesso de Ano Novo, nos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro o equipamento não funcionará. Entrada gratuita. Mais informações pelo perfil do equipamento, no instagram, e pelo site.