Em visita a Fortaleza, Conceição Evaristo deixa rastro de saudade e emoção em comunidade

Autora movimentou afetos para além da XIII Bienal Internacional do Livro, evento do qual participou, visitando projetos como a biblioteca comunitária Livro Livre, no bairro Curió

Escrito por
Diego Barbosa diego.barbosa@verdesmares.com.br
Legenda: Moradores do bairro Curió recebem a escritora, que adentrou em casas e espaços significativos para eles
Foto: Foto: Paula Geórgia

Há exatamente uma semana nossa equipe de reportagem parou para escutar Conceição Evaristo. Ela tinha vivenciado um bocado no dia anterior, último sábado de atividades da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará. “Foi maravilhoso. É verdade que a gente fica exausta, como estou agora. Já não sou mais menina”, diz, aos 72 anos, enquanto dividimos o elevador em direção ao local da entrevista. “Mas é lindo receber o carinho de tanta gente”.

O sentimento, de fato, permeou a passagem da escritora por diferentes espaços de Fortaleza. Pela manhã, realizou visita à Escola de Ensino Fundamental e Médio Aloysio Barros Leal, entre os bairros Jangurussu e Barroso; e à noite, compôs a mesa “Insubmissas memórias”, com Vânia Vasconcelos e mediação de Marília Lovatel. O momento traduziu o apreço do público por ela, aplaudida de pé, com gritos anunciando: “Rainha do Quilombo”.

Legenda: Dona Rita de Cássia fazendo unha de Conceição Evaristo: carinho traduzido em cuidado
Foto: Foto: Paula Geórgia

Eterno

Absorveu, assim, aquilo que fica da Bienal: os encontros. Um, em especial, se deu na casa de Talles Azigon, coordenador do eixo Literatura Juventude Periferia do evento. Foi onde almoçou e foi apresentada à parte dos moradores do bairro Curió, conhecendo um dos projetos da comunidade, a biblioteca comunitária Livro Livre.

Das pessoas ali de pé ao redor dela, dona Rita de Cássia, mãe de Talles, não se segurou. Chorou ao abraçá-la. “Eu nem sabia que ela vinha. Foi o meu presente de aniversário, dia 16”, confessa.

“Gosto dela porque me representa e a conheci quando perdi minha mãe, lendo ‘Olhos D’água’. Ela é uma pessoa maravilhosa... Ah, eu amei receber a visita dela na minha casa”.

A intimidade foi tamanha que ela fez até as unhas de Conceição, no espaço em que mantém livros para que as pessoas levem. Mais tarde, durante entrevista, a escritora relembrou: “Foi um encontro em que eu falei, ‘estou entre os meus iguais’. A atitude de orientar crianças para a leitura é muito boa. Se as pessoas quiserem fazer algo, devem partir mesmo de onde elas vivem”.

Veja vídeo do encontro entre dona Rita de Cássia e Conceição Evaristo:

Saiu de lá, portanto, contornada, recebendo surpresa pouco antes da mesa em que participou, no Centro de Eventos. Stephane e Guilherme, crianças integrantes da Livro Livre, fizeram o cerimonial e bradaram: “As portas de nossa casa estarão sempre abertas para você e as pessoas que eles insistem em querer matar. Nós vamos continuar insistindo em não morrer”.

“Ninguém os segura”, falou Conceição, que, com Talles Azigon e outros, assume a curadoria da próxima Bienal do Livro do Ceará, cujo tema será “Diversidade”. 

>> Leia cerimonial completo lido por Stephane e Guilherme na ocasião da mesa "Insumissas memórias", na XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará:

Stephane:
atrás das letras
mora um país
ainda não construído
com gente com menos fome
com gente com menos ódio
com gente com mais amor

Guilherme: 
atrás das letras de palavras mágicas
que nos levam para Pérsia, Egito, Austrália, África
sem sair de casa
movendo o chão dos sonhos
acendendo a fogueira da imaginação

Stephane: 
atrás das letras, as lutas
das crianças pobres, das mulheres pobres, 
da gente do lado de cá
quem nem sempre come, mesmo assim ama, e acredita acreditando 
que as Letras podem nos levar, e levam
para frente, para o novo mundo!

Guilherme:
Somos as crianças do Curió, as filhas e filhos das mulheres que trabalharam a vida inteira e que nunca tiveram o direito de escrever a sua própria história

Stephane:
As pessoas acham que não temos nada, mas elas se enganam. Nós temos muito, temos uma floresta, temos uma biblioteca, temos uma comunidade. Temos nossa inteligência, nossa força de vida. Temos Conceição Evaristo, em nossas prateleiras e em nossos corações

Guilherme:
E hoje a recebemos, celebramos e a agradecemos, por escrever, por ser escritora, por ser nossa escritora.

Sthepane:
Dona Conceição, as portas de nossa casa estarão sempre abertas para você, para todas escritoras negras para todas as travestis todas pessoas LGBTQI+, para todas as pessoas que eles insistem em querer matar, nós vamos continuar insistindo em não morrer. Seja muito bem-vinda.