Compositores pedem diálogo com deputados sobre impactos da PL 3968/199
Caso a lei seja aprovada, novas composições podem ficar mais caras para cantores brasileiros
O caminho para que a música chegue até o fone de ouvido ou na caixa de som é longo. Muitos profissionais precisam atuar para que a letra, o arranjo e a melodia soem de forma agradável nas rádios e aplicativos de streaming. Em 2020, em plena pandemia do coronavírus, uma parte da arrecadação dos direitos autorais de compositores e intérpretes está sendo ameaçada.
Um projeto de lei quer isentar órgãos públicos e entidades filantrópicas do pagamento de direitos autorais pela execução de músicas. Há articulações na Câmara Federal dos Deputados para incluir os hotéis entre os isentos. A urgência foi pedida pelo deputado Newton Cardoso Jr (MDB-MG) e outros parlamentares. Aprovado, nesta quinta-feira (13), o requerimento de urgência da PL 3968/1997, contou com 350 votos a favor, 19 votos contrários e três abstenções. Isso significa que a matéria terá prioridade na pauta da Casa.
Compositores de todo Brasil tentam fazer com que o prazo de votação seja o maior possível para que a matéria seja discutida amplamente através de audiências públicas com os compositores e outros debates. Caso entre em votação, a categoria tentará retirar os pontos prejudiciais ao setor artístico de modo que sejam rejeitados. Sendo aprovado, o projeto ainda irá para o Senado e sanção do presidente da República.
Deputados da oposição, como Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Fernanda Melchionna (Psol-RS) alegam que não é justo retirar direitos dos artistas, principalmente neste momento em que a classe foi fortemente abalada pela pandemia do novo coronavírus, sem poder fazer shows.
Vale destacar que o PL que isenta o pagamento de direitos autorais pelo uso de obras musicais e litero-musicais está tramitando na Câmara Federal dos Deputados desde 1997.
Ações
O Ceará abriga grandes nomes do atual cenário musical. O cantor e compositor Renno - autor de sucessos de Wesley Safadão, Marília Mendonça, entre outros - diz temer pela renda de diversas famílias.
"O direito autoral é uma receita que advém de várias formas de arrecadação. O Brasil é o único país do mundo que quer regredir no conceito da propriedade intelectual. Estão querendo mudar uma 'cláusula pétrea' da constituição que nos assegura o direito, que demoramos anos históricos para conquistar. O impacto será devastador. Mais de 300 mil compositores serão afetados no país. Uma decisão arbitrária e unilateral", ressalta Renno.
A Constituição Federal assegura, no artigo 5º, que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar".
Outro nome que vive no Ceará, o compositor Jujuba - com letras nas vozes de Gusttavo Lima, Xand Avião e a dupla Matheus & Kauan - analisa o PL como "desonesta" para a classe artística.
"Ninguém pode usar obra de alguém sem pagar por ela. Se eles não querem usar e pagar pela obra que fiquem no silêncio, não executem. Caso isso seja aprovado, consequentemente, poderá haver o aumento dos valores das liberações das músicas aos artistas", avalia o compositor Jujuba.
Outra ação discutida no meio musical, segundo o compositor, é a proibição de futuras letras em eventos públicos. "Vamos proibir em contratos que futuras músicas toquem em hotéis e eventos públicos, por exemplo. Tudo isso vai gerar um constrangimento entre artistas e compositores", avalia.
Caetano Veloso, Diogo Nogueira, Djavan, Paula Fernandes, Rogério Flausino, Gilberto Gil, entre outros nomes, foram alguns dos artistas que encabeçaram uma campanha contra a PL 3.968/1997. "Tenho um conselho para a rede hoteleira. Não quer pagar a música? Não toca a música. Deixa o Hotel no silêncio, se é tão indiferente. Luz paga, água paga. Deixa no silêncio", declarou a carioca Anitta na rede social Instagram.
Defesa
Para o advogado cearense Paulo Henrique Abreu, com atuação há 20 anos em direito autoral no Estado, a grande problemática de quem vota a favor do PL é entender que os cachês dos artistas já suprem todos os gastos vistos dos eventos.
"O público que frequenta apresentações musicais está indo para consumir música. Aquela arrecadação pelo órgão competente, no caso o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), é distribuída para uma série de trabalhadores. Em meio a tudo isso, a classe artística não foi chamada para o diálogo. Quando se mexe em supressão de direito, os menores acabam atingidos", explica.
Como solução, o advogado aponta o diálogo com todas as partes envolvidas para alinhar custos e impactos de cada área articulada no PL.
O Ecad faz a distribuição dos direitos autorais de execução pública musical com base em critérios utilizados internacionalmente e definidos por Assembleia Geral, composta pelas associações de gestão coletiva musical. As associações são responsáveis pela fixação de preços e pela definição de todas as regras de arrecadação e distribuição dos valores.
Das verbas obtidas pela entidade, 85% são repassados para os titulares filiados às sociedades de gestão coletiva musical. Outros 5% são destinados às associações, para cobrir despesas operacionais, enquanto os 10% restantes são destinados ao Ecad para pagamento de despesas administrativas.
Quanto à aprovação de urgência na apreciação do PL 3.968/1997 pelos deputados federais, o Ecad emitiu nota nas redes sociais em defesa da classe artística.
"O requerimento de urgência em si não significa que o projeto foi ou será aprovado, apenas que a Câmara considerou que a matéria é importante e terá prioridade na pauta da Casa. Ainda não há previsão para a realização da votação. A gestão coletiva da música no Brasil, formada pelas associações de música e pelo Ecad, está acompanhando de perto o Projeto de Lei em questão e permanece comprometida e mobilizada para combater qualquer ameaça de prejuízos aos compositores, intérpretes e músicos, elos fundamentais da cadeia produtiva musical".