Cearense Ronaldo Correia de Brito conduz maior espetáculo natalino do País, que ocorre há 20 anos em Recife

Montagem de “Baile do Menino Deus”, assinado pelos cearenses Assis Lima e Ronaldo Correia de Brito, é tradição natalina da capital pernambucana

Escrito por
João Gabriel Tréz e Diego Barbosa verso@svm.com.br
21ª edição do Baile do Menino Deus será realizada em 23, 24 e 25 de dezembro, no Marco Zero de Recife
Legenda: 21ª edição do Baile do Menino Deus será realizada em 23, 24 e 25 de dezembro, no Marco Zero de Recife
Foto: Hans Manteuffel / Divulgação

No Natal defendido pelo “Baile do Menino Deus”, o foco é em Maria, José e o Menino. Também no reisado, na brincadeira popular, na cultura nordestina. É na mensagem que defende a abertura em tempos “de portas fechadas, cercas de arame e muita guerra”.

Quem explica é o cearense Ronaldo Correia de Brito — natural de Saboeiro, mas radicado em Pernambuco —, um dos autores do auto natalino originalmente de 1983. A obra evidencia o espírito da época ao mesclar referências do período com expressões tradicionais do Nordeste. Ele é, também, diretor da montagem do espetáculo que há 20 anos ocupa o Marco Zero de Recife.

Neste ano, o “Baile do Menino Deus” será apresentado de 23 a 25 de dezembro na capital pernambucana com a presença de convidados como a rainha da ciranda Lia de Itamaracá, além do encontro entre os maestros Spok e Forró. Haverá transmissão virtual do espetáculo na quarta (25) pelo YouTube.

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Inspirações iniciais para o Baile

Tudo começou, explica Ronaldo, a partir das referências de infância que ele e o parceiro artístico Assis Lima, também autor do “Baile do Menino Deus”, tinham da cultura popular do Crato.

“Durante anos, realizamos pesquisas sobre brinquedos de tradição popular, como reisado, lapinha, e sobre o universo das narrativas populares. Esse material que nós coletamos durante anos era um complemento ao que havíamos vivido”, partilha em entrevista ao Verso.

Lia de Itamaracá fará participação especial no espetáculo em 2024
Legenda: Lia de Itamaracá fará participação especial no espetáculo em 2024
Foto: Morgana Narjara / Divulgação

A intenção era ressaltar as tradições natalinas brasileiras e nordestinas, em especial o reisado caririense, em resposta às influências estadunidenses e europeias ligadas ao Natal. 

“Nós víamos nelas uma resistência a algo que invadiu o Brasil, junto com a indústria do consumo e o capitalismo a partir do fim da Segunda Guerra, que era o Natal nevado, com trenós, renas, árvores e o consumo de presentes, e presentes, e presentes e presentes — tudo o que você não encontrava nas comunidades rurais, que tradicionalmente celebravam o Natal com brincadeiras”
Ronaldo Correia de Brito
escritor e dramaturgo

Somam-se, então, diversas referências de estados, em especial do Nordeste. “A dramaturgia é inspirada no reisado do Cariri, portanto, o Baile de Menino Deus tem matriz cearense, caririense, que também é alagoana, porque o Cariri foi muito colonizado pelos romeiros do Padre Cícero que chegaram com todas essas brincadeiras a Juazeiro e ao Crato”, ensina.

Nascido em Saboeiro, interior do Ceará, Ronaldo Correia de Brito é um dos responsáveis pelo Baile do Menino Deus
Legenda: Nascido em Saboeiro, interior do Ceará, Ronaldo Correia de Brito é um dos responsáveis pelo Baile do Menino Deus
Foto: J. R. Duran / Divulgação

A partir de expressões diversas como reisados, maracatu rural, Boi de Reis, Folia do Divino, Cavalo-Marinho, Guerreiro e ainda outras, Ronaldo e Assis se juntaram com o compositor Zoca Madureira na criação do que viria a ser o auto.

Para preservar um Natal brasileiro

“Começamos a pensar ‘poxa, nossos filhos não vão viver esse Natal que nós vivemos, vão ter mesmo que cantar 'Jingle Bells', ir para os shoppings, ver as decorações com Geppetto, Mickey, Minnie, Peter Pan e toda essa parafernalha. As figuras principais do Natal haviam sido completamente expulsas do imaginário e da vida das pessoas’”, segue Ronaldo.

“Ninguém celebrava mais Maria, José e o Menino. Se você percorresse um shopping desses, não iria encontrar jamais uma lapinha, um presépio, porque esses personagens não tinham mais força nenhuma. A força era do velho capitalista, que agora percorre o Brasil todo em caminhões da Coca-Cola, Papai Noel”
Ronaldo Correia de Brito
escritor e dramaturgo

A partir dessas motivações, o trio de artistas, munido do texto e de composições musicais que traziam sonoridades tipicamente nordestinas e brasileiras, gravou um disco intitulado “Baile do Menino Deus” e estreou o espetáculo, com direção e concepção de Ronaldo, no Teatro Valdemar de Oliveira em 1983.

Espetáculo mistura referências natalinas com elementos típicos da cultura nordestina
Legenda: Espetáculo mistura referências natalinas com elementos típicos da cultura nordestina
Foto: Paulo Filizola / Divulgação

A obra foi depois editada em formato de livro, tornando-se “muitíssimo popular”. “O Baile ficou sendo ensinado em tudo que era lugar, das formas mais variadas, por pessoas mais variadas”, aponta o cearense, que resume: “O espetáculo popularizou-se. Hoje, podemos dizer sem erro que o Baile do Menino Deus é um dos espetáculos mais encenados desse País”.

Já estabelecido no teatro, na música e na literatura, o Baile alcançou novos patamares em 2004, quando passou a ser encenado ao ar livre, na Praça do Marco Zero, em Recife. “É o espaço central mais cortejado dessa cidade. Só existem três espetáculos permitidos de acontecer lá: o Carnaval, a Paixão de Cristo e o Baile do Menino Deus”, ressalta.

Produção de grande escala — e escola

“Começamos com um palco grande, monumental, mas nunca com a luz ou o som que temos hoje, nunca com essa estrutura de grande espetáculo que pode ocupar qualquer espaço do mundo”, narra o diretor.

Segundo ele, para acontecer, o Baile precisa de “no mínimo 300 pessoas" vinculadas diretamente, da produção à costura, da maquiagem à contrarregragem — isso sem contar os “incontáveis empregos paralelos” citados por Ronaldo. 

Espetáculo é assistido anualmente por mais de 70 mil pessoas de maneira presencial no Marco Zero de Recife
Legenda: Espetáculo é assistido anualmente por mais de 70 mil pessoas de maneira presencial no Marco Zero de Recife
Foto: Hans Manteuffel / Divulgação

Outros números também impressionam: sobem ao palco 70 pessoas; a orquestra tem, em média, 14 membros; são 14 também os bailarinos; há, ainda, coro infantil com 12 crianças e coro adulto de 10 pessoas. 

“É muita, muita gente. É um espetáculo monumental. O som e a luz têm a qualidade de um Rock in Rio, sem sombra de dúvida, digo com conhecimento. Esse profissionalismo tornou o Baile uma escola de técnicos, de crianças que estão se iniciando no palco e no canto. A gente forma e projeta artistas para o cenário brasileiro”, orgulha-se.

Desejo por portas abertas

O que desponta como principal impacto, porém, é mesmo a mensagem de abertura. Na obra, dois brincantes, os Mateus — “que são espécies de palhaços”, explica Ronaldo —, conduzem a história na busca por achar a casa onde nasceu o Menino Deus. Lá, é preciso conseguir superar o desafio de abrir a porta.

Peripécias que misturam “sagrado e profano, épico e burlesco, o pícaro da comédia com o drama” se desvelam até o encontro com José, Maria e o Menino. 

“O desejo em todos de que essa porta se abra é um tema bem contemporâneo e moderno num mundo cheio de fronteiras, barreiras, pessoas morando em rua, em acampamentos de migrantes, banidas de suas terras”, correlaciona Ronaldo.

Baile do Menino Deus: Uma Brincadeira de Natal

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