Cearense faz sucesso no TikTok e Instagram com vídeos da produção de cartazes de anúncios

De Quixeramobim, Ana Vitoria, a Ana Cartazista, acumula milhões de visualizações em seus trabalhos com técnicas de lettering

Escrito por Ana Beatriz Caldas , beatriz.caldas@svm.com.br
Ana tem 21 anos e trabalha com cartazes desde 2022
Legenda: Ana tem 21 anos e trabalha com cartazes desde 2022
Foto: Ismael Soares

Geralmente amarelos, com escritos em tinta vermelha e preta, os cartazes que anunciam ofertas do dia, promoções e novidades nos supermercados e lojas são tão presentes no cotidiano do brasileiro que é raro que alguém preste atenção na técnica refinada que ali é utilizada. O que parece impresso em gráfica, com auxílio da tecnologia, é na verdade um trabalho manual, feito com materiais simples e eficazes pelos cartazistas.

Há pouco mais de dois anos, o trabalho que já faz parte do imaginário brasileiro caiu no gosto das redes sociais. Com vídeos curtos em que mostram a feitura dos cartazes, profissionais de todo o País começaram a viralizar em redes como TikTok e Instagram e muitos deles já contam com milhões de visualizações.

É o caso da cearense Ana Vitoria Vieira, 21, que há dois anos faz cartazes profissionalmente. O trabalho chegou por acaso: quando criança, ela dizia que não queria trabalhar com nada relacionado ao desenho. Isso porque desenhar pessoas era seu hobby favorito, e a menina se divertia tanto que não queria transformá-lo em obrigação – queria ser cantora ou cientista, e deixar lápis, pincéis e canetinhas para as horas vagas. 

A caneta pôster é uma das mais usadas para a confecção de cartazes
Legenda: A caneta pôster é uma das mais usadas para a confecção de cartazes
Foto: Ismael Soares

Pouco depois de terminar o Ensino Médio, porém, Ana decidiu se candidatar a uma vaga em um supermercado de Quixeramobim, cidade onde morou por quase toda a vida. Chegando lá, se deparou com uma vaga para a função de cartazista, que pouco conhecia – mas percebeu que a prática artística seria útil à nova fase laboral e decidiu aceitar o desafio. Passou por um treinamento de 15 dias com um profissional mais experiente na área e logo começou a se dedicar aos cartazes em tempo integral.

A ideia de compartilhar cartazes na internet não é nova: há muito tempo, profissionais da área têm postado vídeos de seus trabalhos no YouTube. Os canais de cartazistas, que funcionam como portfólio, também servem de referência para novos profissionais, que costumam se inspirar no trabalho de veteranos para se aperfeiçoar.

Em um dia tranquilo, Ana fazia 10 ou 20 cartazes para dar conta da variação de preços e de novos produtos do supermercado. Nos dias com maior demanda, o número crescia para até 50 cartazes, fora as faixas para exposição externa. Isso sem contar períodos de grandes promoções ou datas comerciais, que tornavam o movimento ainda mais intenso.

“A Black Friday é o dia mais temido do ano para todos os cartazistas. Não nem sei nem dizer o tanto de cartaz que fiz na última”, conta, rindo. Dia das Mães e Natal são outras datas corridas não só para cartazistas fixos, mas também para freelancers, que costumam ser contratados para dar conta da demanda.

Quando começou a trabalhar no supermercado, a jovem artista já tinha dado início à profissionalização dos desenhos. Aceitava encomendas de quadros com ilustrações digitais, especialmente de pessoas, e compartilhava algumas artes originais em um perfil no Instagram

Mas foi quando decidiu começar a postar alguns dos diversos cartazes que fazia para o supermercado, em meados de 2023, que viu o número de seguidores e clientes crescer – hoje, são 100 mil no Instagram e quase 30 mil no TikTok

Sigo vários cartazistas e cada um deles tem um estilo próprio. Vejo a ideia de um, de outro e assim vou formatando o meu estilo. Com cartaz é assim, não tem tanta informação disponível, porque não é uma coisa tão comum. Mas cada cartazista procura valorizar o trabalho do outro, mesmo quem está começando agora.
Ana Vitoria Vieira
cartazista

“Foi a minha chefe no supermercado que me estimulou a postar os trabalhos na internet para conseguir uma renda extra”, lembra. “Quando comecei a postar eu não tinha muita visibilidade, era mais para o pessoal do trabalho e meus amigos. Mas de um dia para o outro explodiu no TikTok, artistas grandes começaram a compartilhar e aí comecei a receber mais clientes de fora”, conta.

Supermercados são os principais clientes dos cartazistas
Legenda: Supermercados são os principais clientes dos cartazistas
Foto: Ismael Soares

De repente, Ana se viu parte de uma comunidade digital com vários “fãs” que se encantavam com o esmero e facilidade com que a artista desenhava. “Reparei que tem muita gente que nem sabe que a profissão existe, e é uma coisa muito antiga. Isso acontece porque a tecnologia tomou conta de tudo. Dificilmente a gente vê uma pessoa fazendo o trabalho à mão, e acho que foi justamente isso que chamou atenção das pessoas”, destaca.

Inventário vernacular e o valor da arte analógica

Letras feitas à mão são forte componente da memória brasileira
Legenda: Letras feitas à mão são forte componente da memória brasileira
Foto: Felipe Galvão

Ana Vitória acredita que o sucesso dos cartazes nas redes sociais e consequente valorização da profissão tem a ver com a humanidade que o trabalho traz. “Quando as pessoas entendem que aquilo é feito à mão, elas ficam impressionadas. Associar aquele traço certinho à quem faz coloca humanidade naquilo, tornando o desenho mais interessante”, comenta.

Entre muitos que conheceram e se encantaram com o trabalho de Ana por meio das redes sociais está o professor, letrista e artista visual Filipe Grimaldi. Especialista nas chamadas “letras populares”, Filipe costuma produzir vídeos reagindo ao trabalho de artistas que trabalham com o chamado inventário vernacular, ou seja, “letras e tipos que representam o Brasil através da memória afetiva”.

“São símbolos que estão no nosso dia a dia e que têm uma estética muito parecida em toda a América Latina”, destaca. Ainda que as escolas de design entendam esse tipo de arte como algo amador, sem treinamento específico, as especificidades do traço feito por mãos humanas transformaram produtos que utilizam essa estética em uma identidade visual extremamente brasileira. 

“Hoje em dia, quando falamos em estilo brasileiro, o que parece o Brasil, falamos dessas pequenas coisas mapeadas com o tempo: carrocerias de caminhão, cartazes de supermercado, comércio informal, letras populares, isso tudo tá na tipografia vernacular”, explica Grimaldi.

Para o especialista, o boom do interesse por esse tipo de arte veio em um momento oportuno, já que profissionais como os cartazistas têm sido substituídos por máquinas. Porém, a visibilidade também traz novos desafios. “[A viralização] ajuda sim os decoradores e letristas, mas ao mesmo tempo faz com que as marcas e agências queiram se aproveitar dessa situação. Isso acontece com tudo que está ganhando um olhar no momento, inclusive os cartazes de supermercado”, pontua. 

Mas destaca que, com os vídeos de reações, têm conseguido direcionar os holofotes par quem de fato merece. “As pessoas ‘reagidas’ nos vídeos ganham encomendas e seguidores. Tem se tornado um canal de arte para fora da bolha da arte”, celebra.

Além de artista e professor, Grimaldi produz
Legenda: Além de artista e professor, Grimaldi produz "reacts" de artistas na internet
Foto: Felipe Galvão

Assim como Ana, ele espera que as milhões de visualizações que cartazistas e pintores de letras têm tido possam trazer uma reflexão mais profunda sobre o valor da arte.

“Acho que com o aparecimento das automatizações e das inteligências artificiais, o ser humano foi percebendo que o trabalho manual, com a participação do ser humano, é mais valoroso. Eu não sei por quanto tempo irá durar esse amor pelo popular ou esse amor pelo que é brasileiro, mas existe uma valorização do analógico que é superior a tudo isso”.

Formações e novos produtos 

A artista se tornou conhecida nas redes ao compartilhar vídeos produzindo cartazes
Legenda: A artista se tornou conhecida nas redes ao compartilhar vídeos produzindo cartazes
Foto: Ismael Soares

Além dos vídeos para varejistas de outros estados, Ana começou a receber um tipo diferente de encomenda: pedidos de vídeos personalizados de cartazes alusivos a datas especiais. “As pessoas começaram a pedir cartazes desejando feliz aniversário, falando de lançamento de produto, de evento. A coisa se expandiu muito”, conta. 

Entre as conquistas após a fama virtual, veio um convite da Kuya - Centro de Design do Ceará para ministrar uma oficina sobre Lettering e Camisetas Decoloniais no fim do ano passado. Foi a primeira vez em que Ana se viu não como aprendiz, mas como instrutora de pessoas que queriam aprender com ela.

“Ter essa oportunidade de passar meu conhecimento para artistas grandiosos me deu um pouco de medo, mas também me fez me sentir muito importante e muito honrada”, destaca. Com a experiência, Ana decidiu buscar um mercado maior e, no mês passado, se mudou para a Capital à procura de novas oportunidades.

Estou fazendo vídeos por encomenda e vendo se encontro clientes pela Cidade. Em todo lugar de Fortaleza tem arte, cartazes, pinturas nos muros. Gosto muito de Quixeramobim, mas senti essa necessidade de crescimento. Ao conhecer artistas daqui, fiquei com vontade de conhecer mais gente e desenvolver mais meu lado artístico.
Ana Vitoria Vieira
cartazista

Mas se engana quem pensa que a mudança deve afetar o trabalho já conhecido da cartazista. Apesar de trabalhar com outros tipos de ilustração, ela conta que deseja continuar focando seu portfólio em trabalhos que utilizam a técnica dos cartazes, inclusive produzindo produtos que destaquem essa estética, como telas, bolsas e camisetas.

“Pretendo atender vários supermercados em Fortaleza, porque me apeguei a isso. E quero ir além dos cartazes, mas utilizando a mesma temática, para que isso não deixe de existir. É um tipo de arte muito importante para a identidade brasileira, e temos que inovar o tempo todo para não deixar que ela morra”. 

Conheça Ana Cartazista

Instagram: @anacartazista

TikTok: @anacartazista

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