Cearense escreve cordel em homenagem a Juliette e à força do povo nordestino
Ao publicar os versos inspirada na vencedora do BBB 21, Ivonete Morais deseja promover maior valorização à região
Ivonete Morais e Juliette Freire não compartilham apenas a mesma terminologia nominal. Mulheres, nordestinas e com esmerada paixão pela região onde nasceram, elas se sintonizam em vários outros aspectos. As similaridades foram suficientes para que Ivonete – encantada com o jeito de ser da vencedora do Big Brother Brasil 2021 – escrevesse um cordel em homenagem à advogada, suscitando também reflexões acerca da originalidade de nosso povo.
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“Juliette no BBB 21 – A força e a resistência do Nordeste” é um dos mais recentes títulos publicados pela Rouxinol do Rinaré Edições. O cordel, escrito logo após o término desta edição do reality show, foi resultado de uma intensa torcida de Ivonete para que a conterrânea ganhasse a competição. “Juliette foi a minha preferida no jogo, do começo até o final do programa”, conta a cordelista cearense.
O entusiasmo com que relata, em versos, a trajetória da sister na casa comprova a alegria que acompanhou a artista durante os meses em frente à tela, espiando a casa do BBB. Segundo ela, houve inúmeros momentos de identificação com as boas atitudes de Juliette e o jeito de ser dela, “forte e leal com os brothers”.
Reunidos, todos esses detalhes ganharam uma costura tão leve quanto inteligente na arte da poesia popular. “Para compor os 32 versos de forma a homenagear Juliette, foquei nessa bela nordestina sempre comunicativa, que resistiu às más verbalizações das placas que os brothers lhe ofertavam com a finalidade de desmontá-la no jogo”, explica. “No cordel, comparei-a com os cactos, pela sua resistência e reais superações”.
Revelando alguns trechos da criação, Ivonete destaca as estrofes que iniciam a travessia pelas temáticas abordadas. “Foi no maior reality show/ A Juliette se inscreveu/ E durante os 100 dias/ Muita coisa aconteceu/ Os brothers a ignoravam/ E também a isolavam/ Mas tudo ela venceu”, proclama o poema.
Atualidade do cordel
A trovadora também comenta sobre uma interessante característica da arte do cordel: a atualidade dos temas trabalhados. Versáteis, eles conseguem beber tanto de premissas ligadas à cultura popular – de onde provém suas origens – quanto de assuntos ocupantes da ordem do dia, a exemplo do Big Brother Brasil e tantos outros em esfera nacional e mundial.
“Geralmente, nós, cordelistas, estamos sempre ligados com os fatos atuais para escrevermos cordéis. Também fazemos pesquisas com diversos temas culturais e socioeducativos. Eu, de forma pessoal, me identifico com assuntos relacionados à mulher empoderada”, situa.
O modo como traz as questões à tona tornou-se, inclusive, objeto de estudo de pesquisadores. Recentemente, cordéis de Ivonete Morais foram esmiuçados pela professora Liduína Maria do Carmo, do curso de Letras da Universidade Federal da Paraíba. Ela defendeu a dissertação “Literatura de cordel e o empoderamento feminino: uma proposta para o letramento literário em sala de aula”, conquistando o título de Mestra pela instituição.
De acordo com Rouxinol do Rinaré – cordelista e também editor da casa que publicou o mais recente projeto de Ivonete – não é de hoje que o cordel abraça uma multiplicidade de conteúdos. Está na gênese desse gênero literário. “O cordel sempre falou de tudo, desde as histórias de príncipes e princesas às sagas de vaqueiros e cangaceiros – além de estar atento ao cotidiano, aos grandes e pequenos acontecimentos importantes”, sublinha.
Por essas peculiaridades, no passado já foi considerado o “jornal do sertão”. Há quem diga, conforme relata Rouxinol, que muitas pessoas distantes dos grandes centros urbanos só acreditaram na chegada do homem à Lua após ler o fato nos folhetos populares.
“O cordelista sempre está atento aos temas atuais. Aconteceu, virou cordel, a ‘turma’ não perde tempo”, ri. “Quem mergulhar de maneira profunda na pesquisa dessa literatura encontrará suporte para entender melhor nosso País, uma vez que o cordel sempre registrou os principais acontecimentos da História – desde a revolução de Canudos até a morte de Getúlio Vargas (1882-1954), por exemplo”, dimensiona.
Primeiros passos
Para Rouxinol, o cordel sobre Juliette deve despertar no público reflexões sobre o respeito às minorias, ecoando, assim, discussões sobre o preconceito em geral. “Ivonete tem sempre publicado conosco, ela e várias outras mulheres cordelistas atuantes – Nilza Dias, Julie Oliveira, Paola Tôrres, Marta Gama, Vânia Freitas, só pra citar algumas. Ela é uma amiga de longas datas, parceira sempre presente nas Bienais e feiras, onde quer que se abra espaço para nossa literatura de cordel”, contextualiza.
“É sempre um prazer editar nossos colegas. Me sinto feliz com a atuação de nossa Rouxinol do Rinaré Edições que se traduz, sobretudo, em possibilidades para cordelistas novos e veteranos, com opções para todos os ‘bolsos’, uma vez que trabalhamos também com pequenas tiragens – o que não era comum quando comecei a publicar minhas obras, na década de 1990”, recorda.
A própria história de Ivonete Morais também rende uma vastidão de temáticas para um cordel. Descrevendo a si própria como “cordelista dos temas urgentes”, a poeta popular é filha das canções do Rei do Baião. A lembrança, tão viva na dobra do tempo, se conecta à infância, quando ouvia os versos entoados com vigor pelo mestre Luiz Gonzaga (1912-1989).
Movida por um embalo novo, ela ensaiava um passo de dança, uma aventura corporal que fosse, na improvisada pista de casa. “Acredito que tenha sido isso o que me tornou o que sou hoje”, considera. “Tenho 68 anos e uma das coisas que mais me alegra foi eu ter sido mãe, que é o que queria na minha vida. A outra é a literatura de cordel, que fluiu a partir de uma determinada idade. E uma coisa digo pra você: não existe tempo certo pra crescer na vida”.
A artista tem formação em Sociologia e trabalhou durante vários anos numa repartição pública. Mas se orgulha em dizer que sente a real profundidade da existência desde que se tornou cordelista. Tinha 50 anos. À época, numa reunião, conheceu uma poeta popular, Maria Luciene, cujos saberes foram utilizados para escrever um cordel em homenagem ao meio século de vida de Ivonete.
“Ela foi à minha casa e contei a minha história. No meu aniversário, ela leu o texto e todo mundo aplaudiu. Depois, Luciene me convidou para fazer um curso em literatura de cordel porque, segundo ela, eu era cordelista. Tinha visto algumas coisas guardadas minhas e percebeu os versos rimados”, lembra.
Ali iniciava um enlace descrito como eterno.
Superações e reconhecimentos
A formação no gênero literário se deu em 2004, por meio de um curso na Casa do Cantador, localizada no bairro Carlito Pamplona, em Fortaleza. O processo durou um ano, reunindo mais de 30 poetas de vários lugares do Ceará. A artista destaca que os encontros foram muito importantes porque foi a partir deles que ela escreveu o primeiro cordel, “O amor de A a Z”, com o qual venceu um concurso voltado para poetas e funcionários públicos do Estado.
A predisposição para falar de temas relacionados à força da mulher nasceu com as atividades realizadas no ofício público. “Eu trabalhava de segunda a sexta na área social. Além de ministrar oficinas socioeducativas para mães, visitava cada uma delas nas favelas. O cotidiano era pesado e aquilo ficou na minha mente. Por isso que eu valorizo demais as mulheres”, diz.
Outro componente também merece destaque nesse seara. Há quatro anos, Ivonete enfrentou um câncer de mama. Durante o tratamento no Instituto do Câncer do Ceará (ICC), ela fez um cordel com o título “Sou mastectomizada”, uma vez ter perdido a mama esquerda. “São 40 estrofes ao todo, mas eu sempre seleciono apenas sete e as declamo em todo canto”, ressalta.
A criação abriu portas para que se apresentasse em várias feiras, festivais e programas de televisão, sempre com grande presença de público e amplo reconhecimento. Não sem motivo, a cordelista detém o título de Mulher Poesia, pelo Grupo Chocalho; recebeu o certificado de reconhecimento como cordelista, conferido pelo Governo do Estado do Ceará; certificado da Caixa Cultural, pela IV Feira do Cordel Brasileiro, entre outras condecorações.
Possui também um livro publicado, “Beleza Poética em Versos Rimados”, e, antes da pandemia de Covid-19, expunha as criações em espaços como o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Theatro José de Alencar, Praça dos Leões, Caixa Cultural e bienais do livro.
“A literatura de cordel me deu, inclusive, autoestima”, confessa, ao visualizar, na casa em que reside, a cordelteca que montou para si. O espaço teve como inspiração a Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel, mantida pela Universidade de Fortaleza, e foi inaugurado no ano passado. Além de reunir os cordéis de autoria da artista – mais de 60 deles publicados, sendo 16 enaltecendo as mulheres – também congrega peças artesanais, livros de pesquisa e folhetos de colegas.
Ivonete também tem como marca registrada a mala com a qual anda, repleta de cordéis e histórias. “Foi um amigo que a personalizou e, desde então, sempre estou acompanhada dela”, sublinha. “A dificuldade na literatura de cordel é você fazer a métrica. Isso envolve a rima e a história, que nós chamamos de oração. Ou seja, se você fala sobre mãe num texto como esse, tem que continuar falando até o fim. Isso é a oração de um cordel”, explica.
Sonho
Por vezes criando 24 estrofes de cordel por dia, Ivonete celebra esse movimento de criatividade e inspiração. Depois de já ter escrito sobre rapadura, bonecas abayomi, Frida Khalo, entre outros assuntos, ela agora projeta outros temas, sem perder de vista, claro, a cultura na qual foi moldada e os temas sincronizados com o hoje.
Até lá, torce por algo que deseja muito com o novo trabalho: “Quero que o meu cordel chegue até à Juliette”. A depender do alcance das demais produções da cearense, quem sabe o sonho esteja próximo, à espreita, difundindo em alta voz: “Meus Parabéns, Juliette!/ Representou o Nordeste/ do nosso querido Brasil/ Riqueza do vasto agreste/ com sua desenvoltura/ enalteceu a cultura/ com esmero, tu fizeste”.
Juliette no BBB 21 – A força e a resistência do Nordeste
Ivonete Morais
Rouxinol do Rinaré Edições
2021, 8 páginas
R$ 3 (compra diretamente com a autora, por meio do e-mail ivonete.cordelista@gmail.com