Caetanos de Cima, no litoral cearense, promove ecogastronomia em experiência de luxo natural
Sob a luz da lua, à beira-mar, novas formas de desbravar os sabores do litoral oeste em Amontada
O nome do lugar é Ecocamping Lumiar. Fica em Caetanos de Cima, distrito de Amontada, litoral oeste cearense. Diversos motivos o tornam querido. A chegada de buggy após travessia pela praia; a decoração otimista, repleta de frases espalhadas pelo espaço; as acomodações tão simples quanto confortáveis; e, sobretudo, a experiência gastronômica proporcionada por mãos habilidosas e engajadas. Impossível desgostar.
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Esta é a quinta reportagem da série Ceará, Rotas de Amar, que percorre diferentes lugares da terrinha destacando a importância do turismo baseado nas riquezas do oceano. O especial multimídia integra o projeto “Praia é Vida”, promovido pelo Sistema Verdes Mares, com ênfase na valorização e sustentabilidade desse meio indispensável para todos nós.
Falando da comida do Ecocamping, sintetiza bem o movimento abraçado por toda a comunidade de Caetanos de Cima: o conceito de Ecogastronomia. É praticamente uma filosofia de vida, na qual a preservação da biodiversidade, o respeito ao alimento e ao agricultor, o uso consciente dos recursos naturais e a escolha de ingredientes de qualidade são pilares seguidos à risca e com bastante atenção por todos.
“Desenvolvemos a culinária tradicional da região, na qual os pratos são propriamente de Caetanos de Cima, preparados com ingredientes plantados e colhidos aqui”, explica Graciele Sousa, 26, proprietária do Lumiar junto ao pai e à mãe. Os três, junto a voluntários que chegam de todos os cantos do Brasil e do mundo, tocam o projeto de modo a proporcionar uma vivência completa de hospedagem e alimentação. Vamos conhecer?
Primeiro, o café da manhã, totalmente agroecológico. Sob a sombra das árvores, é possível se deliciar com bolo de macaxeira, suco e salada com frutas da estação, iogurte de coco verde – preparado no próprio local –, ovos caipiras com manjericão e cuscuz de milho verde. Apenas opções vegetarianas e com variações diárias no cardápio.
O almoço, por sua vez – experimentado por nossa equipe – preza por pratos cozidos. Vai da galinha caipira e da peixada à moqueca de lagosta. Nossa maior surpresa foi o mangará (moqueca ao leite de coco feita no fogão à lenha a partir do coração da bananeira), servido diretamente no coco. O sabor leve e macio conquista à primeira mordida, garantindo sensações inigualáveis.
Graciele conta que a receita original da iguaria surgiu a partir de uma chef com passagem pelo camping. Num primeiro momento, era utilizado leite de dendê no cozimento; contudo, Aldenora Matias de Sousa, conhecida como dona Deninha – mãe de Graciele, cozinheira, agricultora e artesã – adaptou a fórmula ao substituir o dendê por leite de coco. De todo modo, o resultado é bastante apetitoso e traduz o rosto da localidade.
Além dessa maravilha, ainda nos fartamos com salada tropical – feita com couve, cenoura, tomate e repolho; galinha caipira, criada no próprio quintal da família; o pirão dela, feito com farinha de mandioca preparado na região; arroz e jerimum. Seu Mardone e Dona Deninha chegam de bandeja na mão e sorriso fácil: “E aí, tava bom?”. Como não?
Sabores da terra e pés no chão
Já o jantar no Ecocamping é uma experiência à parte. Ideal para curtir a dois, é servido de forma personalizada. Graciele e equipe montam uma espécie de cabaninha, ornamentada com varal de luzes entre hastes de madeira e também presente na mesa ao rés do chão, onde são colocados os pratos. Pertinho dali, uma fogueira é acesa, velas são postas entre as peças do jogo americano, e está formado o clima ideal para que o aconchego habite sob a luz da lua.
Peixe e lagosta grelhados, camarão ao leite de coco, purê de macaxeira, baião de coco, arroz, grolado – super típico de Caetanos, espécie de tapioca mexida, bastante macio –, entre outras opções, podem ser degustadas como prato principal. Na entrada, ceviche de coco verde, espetinho e tempura de camarão (camarão com legumes da região e molho cremoso, fritado rapidamente no óleo de coco natural) e demais possibilidades engrandecem o momento.
“Atualmente, minha mãe fica responsável por essa parte da gastronomia. Ela sempre convida mulheres vizinhas para trabalhar junto. Mas tem que ser uma pessoa com tempero parecido com o dela”, gargalha Graciele. “Essas receitas são tradicionais daqui. A gente mesmo vai desenvolvendo e adaptando para utilizar com os ingredientes que temos no local”.
O menu de três passos do jantar fica completo com a sobremesa – geralmente um doce, a exemplo de brigadeiro vegano de coco, feito a partir do leite e da polpa do coco, junto a açúcar demerara. Tudo com apuro imenso e pés na areia. Não deixa de ser um luau, já que o silêncio vira música e o que entra em cena são conversas, observações da paisagem e o céu estrelado, livre da poluição da Capital. Vivência comunitária de encanto.
Todas as mãos juntas
Além da gastronomia, o Ecocamping Lumiar é um charme em vários sentidos. Logo na entrada, uma lojinha colaborativa reúne dezenas de acessórios, peças de vestuário e de decoração feitas por 45 artesãs e artesãos das oito comunidades do entorno. O preço é justo e o catálogo é variado, rico em cores e criatividade.
Um pouco mais à frente, estão mesas e cadeiras para o almoço; pequenas hortas; o espaço para acampamento – com condição de abrigar duas barracas –; a casa central, na qual são preparadas as comidas e há uma suíte para quem deseja se hospedar, além de espaço com redes armadas e outros detalhes.
Mas a maior atração mesmo é a Ecocabana Lumiar, desenhada e realizada de forma praticamente intuitiva e com um aspecto pra lá de aconchegante. Com 25 m² e paredes feitas a partir da palha da carnaúba – o que permite uma agradável sensação térmica, independentemente de como o tempo estará fora – possui cama Queen Size, mosquiteiro, frigobar e ventilador. Uma pequena escada leva a outro cômodo.
A parte do banheiro é triangular – composta de palha de coqueiro – e completa, com sanitário, lavabo e um chuveiro a céu aberto, cuja vista é para as nuvens. “Colocamos várias plantinhas também, para decoração… A cabana foi feita para duas pessoas e o legal é que a gente tem nossos dedetizadores naturais do lado de fora, os calangos”.
A 900 metros da praia, o mar é vital para esse povo. “Não me imagino morando em outro canto”, confessa Graciele. “Embora tomemos pouco banho de mar, ele é muito importante pra gente porque mantém todo esse equilíbrio. É vida: alimenta a região e consegue fazer com que nosso solo e natureza sejam ricos, mantendo a biodiversidade viva”.
A própria origem do nome da localidade de Caetanos é baseada no oceano. Conforme a lenda, há muito tempo um escravo fugido da senzala chegou por aquelas terras e viu que ela era fértil, que no mar havia muito peixe. Percebendo ser um refúgio realmente frutífero, construiu a própria casa com palhas de coqueiro e passou a morar com a esposa – uma indígena que conheceu momentos depois – e os descendentes.
Até então, o nome da praia não tinha nome. Mas os outros pescadores que ficaram amigos do primeiro habitante chegavam a dizer: “Vamos lá na praia do Caetano, lá dá muito peixe”. Foi assim que começou. “Com o tempo, os descendentes, quando perguntados sobre onde moravam, diziam: ‘É lá na praia do Caetano’. Aí foi aumentando e ficou Caetanos, posteriormente dividido em de Baixo e de Cima”, completa Graciele.
“Hoje, um dos nossos principais desafios e objetivos é preservar nosso mar e a pesca artesanal. É onde está nossa história e cultura. Perto da praia, a gente se fortalece tanto fisicamente quanto psicologicamente. Acontece muito de estarmos estressados e, no fim, recorrermos à beira d’água pra caminhar ou dar um mergulho. O vai e vem das ondas alivia, descansa, as coisas começam a fazer sentido”. Promovem o lumiar.