Além do fetiche, prática de pole dance estimula autoestima e fortalecimento do corpo

Disponível tanto para mulheres como homens, prática envolve dança e esporte combinados em contexto de resistência

Escrito por Mylena Gadelha , mylena.gadelha@svm.com.br
Legenda: Pole dance ajuda a desenvolver a consciência corporal
Foto: Kid Junior

Quando entrei em um estúdio de pole dance pela primeira vez, pensava ter tarefa simples: mostrar como a prática, que se divide entre dança e esporte, se tornou escolha de diversas mulheres em Fortaleza na busca pela melhor relação com o corpo, a sensualidade e a força. Qual não foi a surpresa, poucos minutos após participar de uma aula, ao enxergar sinônimo de resistência, personificada entre mulheres que usam o corpo e o suor para escalar barras tão longas, quase semelhantes aos desafios da vida.

Quem me explicou esse tal conceito de “corpo e suor”, por exemplo, foi Goretti Regis. Dona de um estúdio de pole dance na Capital, localizado nas proximidades da Avenida Washington Soares, ela faz olhos brilharem ao definir os dois componentes simples das acrobacias na barra.

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“Impossível aqui é uma palavra que não existe. Se você quiser fazer, você faz”, brincou, aos risos, a poledancer de 54 anos, que também acumula as funções de advogada, empresária e hipnóloga. Na ocasião, havia garantido que eu conseguiria iniciar na prática, mesmo com o medo paralisante de cair, de me machucar.

Para ela, o pole dance surgiu enquanto competia na dança de salão e ainda vivia em temporadas no Brasil, na Argentina e na Espanha. Com o intuito de fortalecer a musculatura, justamente por conta das competições, Goretti chegou a um estúdio de Ioga, sem ainda saber que encontraria uma das maiores paixões da vida.

Legenda: Segundo Goretti, os ingredientes principais para a prática do Pole Dance são o próprio corpo e o suor
Foto: Kid Júnior

“Cheguei nesse local e me informaram que teria uma aula de pole dance. Resolvi fazer e me apaixonei logo de cara, bem rápido mesmo, e já entrei direto em um curso de formação para professor na Argentina”, revela. Desde então, se dedicou à prática como dança e esporte, atenta aos movimentos que exigem do corpo uma consciência própria inimaginável.

Paixão pela barra

Conversar com Goretti, inclusive, é se encantar também pela prática, ainda que momentaneamente. Nas frases dela, não faltam desejos que bradam pela desmistificação do ato de encarar o pole, que pedem também por menos preconceito aos que escolhem praticar, seja entre homens ou mulheres. Nas aulas, que ministra diariamente, deixa claro como os anos serviram não só de aprendizado técnico, mas de princípios.

Há 14 anos, ela ressalta, a prática tem significados profundos. “Para mim, foi muito importante, porquê em 2002 eu tive câncer. Na época, eu saí da minha extrema forma física, já que havia acabado de começar e estava no meu auge de dança e academia, para ficar em uma casa, na cama. Quando retornei, eu retornei para o pole, então ele significou a minha recuperação, a minha superação”, pontua orgulhosa.

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Nessa época, se juntou às amigas, que eram sete, e montou a academia de pole dance, aberta em Fortaleza há quatro anos. Atualmente, somente quatro delas mantém o espaço, recebendo públicos diversos e com objetivos variados. Isso fica claro até mesmo na performance de quem opta pela prática, segundo aponta Goretti, já que é possível escolher entre Pole Glamour, Pole Sport e até mesmo pelo Chair Dance, esse último saindo do âmbito da barra.

Não importa qual deles, o treino e o esforço vão ditar o desempenho. “Tem gente que chega aqui e não consegue subir na barra e, logo depois, as coisas mudam no mês seguinte. Também acontece de chegar aqui e não estar bem algum dia. Eu acho que isso traz uma similaridade muito grande com a vida, o que é muito bonito. Nem todos os dias são espetaculares, tem dias que são apenas dias”, reflete.

Assim, entre uma conversa e outra sobre como fazer e o que fazer, meio como espectadoras de uma das aulas do dia, Goretti me fez colocar os aparatos necessários para tentar alguma das aulas que ensina. Roupa colocada, vendo que eu não conseguiria seguir na turma de Pole Dance pelo medo, me ofereceu a aula de Chair Dance.

Legenda: Como repórter, arrisquei alguns passos no Chair Dance, em meio a coreografia e acrobacias na cadeira
Foto: Kid Júnior

Basicamente, como ela mesma fez questão de explicar, o Chair Dance é uma dança na cadeira, exatamente da forma que o nome sugere, na qual coreografias e acrobacias são utilizadas e combinadas em meio a uma música. Isto posto, me senti um pouco mais à vontade para tentar alguns passos, animada pela possibilidade de me arriscar em algo novo e desafiador.

“Aqui é um lugar onde você pode exercitar a força e a autoestima, fazendo inclusive os dois simultâneamente. É um lugar onde eu percebo que todas as mulheres se ajudam, se incentivam, não competem”, me revelou empolgada, quase como quem torce pelo sucesso de uma amiga. Acredito que não desapontei tanto assim, pelo menos.  

Legenda: No pole, segundo Goretti, é necessário perder o medo aos poucos para subir
Foto: Kid Júnior

Diferenças das aulas

Para os interessados em praticar, Goretti explica que é preciso definir a qual aula aderir. Na Elos PoleSport, por exemplo, as modalidades Glamour e Esporte são oferecidas, com algumas pequenas distinções de estilo.

“O pole sensual, que fazemos com o salto, traz os giros e os movimentos em uma coreografia. A diferença fica também na roupa, que entra como ingrediente dessa modalidade, dissociada do pole esportivo, onde as acrobacias são o fator principal da técnica”, expõe a profissional.

Ainda assim, ela conta que apesar das modalidades, o que se sente diante do espelho é único, reverbera uma sensação potente em quem escolhe continuar. Questionada sobre o que sente quando está no pole, Goretti é enfática: “sinto poder!”

“É um resgate muito grande do que nós temos como mulher. Durante muitos séculos fomos sendo engessadas, tivemos que ir à rua, mas se adequando a um papel, a uma figura para poder competir nessa vida. Nesse processo, acabamos deixando de lado essa sensualidade, que temos um pouco resgatada durante o pole dance, até mesmo de uma forma mais exagerada” 
Goretti Regis
Poledancer, advogada e empresária

Prática esportiva 

Disso a jovem Mariana Moura, de 18 anos, uma das alunas de Goretti, também compartilha sem a menor dúvida no olhar. Adepta recente, ela sorri ao explicar os motivos pelos quais toda semana sai de casa para aprender mais do Pole Dance.

Legenda: Mariana Moura (à esquerda), de 18 anos, é uma das alunas
Foto: Kid Júnior

“Eu vim a convite de uma das instrutoras para conhecer o festival de fim de ano e acabei amando mesmo. Junto de uma amiga minha, que veio comigo, fiz uns giros básicos no pole da primeira aula e me apaixonei de verdade, estou aqui desde então”, pontua sobre a descoberta dos últimos dois anos.

Agora, ela conta, tem intenções maiores com o esporte, já pensando no futuro. “Acho muito lindo quem faz a dança, quem tem coragem de fazer, mas eu mesma engajei no esporte, quero competir, participar de eventos mundiais. Fico muito empolgada só de pensar nisso, de verdade”. 

Mariana também é daquelas que acreditam na divulgação do pole dance como uma forma de apresentar a essência dele à sociedade, mesmo diante das barreiras tão enraizadas de estigmatização. Se pudesse, ela mesma faria questão de espalhar o que aprendeu por aí. 

Para ela, a vontade é de “gritar de alegria” quando o esporte que tanto ama aparece em trabalhos na TV, no cinema ou até nas redes sociais. “As pessoas enxergam a coisa toda de um jeito muito mistificado, como se o único intuito fosse sensualizar, quando, na verdade, não é só isso. Pode ser e sem problemas que seja, é ótimo e super válido, mas também é muito mais”, finaliza.

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