Alagoano Bruno Berle canta o mundo a partir do amor e ganha destaque na música brasileira

"No reino dos afetos 2" dá continuidade a temas e formas caras ao artista, que vão do romance à simplicidade sonora e de letras

Escrito por João Gabriel Tréz , joao.gabriel@svm.com.br
Alagoano, Bruno Berle apresenta novo disco 'No reino dos afetos 2'
Legenda: Alagoano, Bruno Berle apresenta novo disco 'No reino dos afetos 2'
Foto: Marina Zabenzi / Divulgação

“Falo de muitas outras coisas a partir da perspectiva do amor”, define o cantor, compositor e músico alagoano Bruno Berle. Destaque de uma geração da música brasileira que produz sons de mistura quase inclassificável — no caso dele, por exemplo, a distorção da voz pelo autotune e o eletrônico se fundem à instrumentação “orgânica” —, o artista lançou no início deste mês o disco “No reino dos afetos 2”.

Dando sequência a uma “primeira parte” homônima lançada há dois anos, Bruno segue explorando temas e formas caras a ele nas dez faixas do novo trabalho. Em entrevista ao Verso por videochamada na tarde da última segunda (22), o artista compartilhou processos da carreira, das obras e a crença na força que há em falar de amor: “Música romântica é o jeito mais forte e comunicativo de falar e colocar música no mundo”.

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De "Te Amar Eterno" a "Dizer Adeus"

As afirmações de Bruno destacadas até aqui vêm na mesma resposta do artista a uma pergunta que, assim como as canções dele, parece direta, mas é complexa: “O que te motiva a falar de romance?”.

Descrevendo-se como “profissional da música” desde “sempre” — ele começou a tocar violão aos sete anos e, dali, começou a circular se apresentando em festas, rádios e programas de talento —, Bruno lembra de cantar canções de amor já no começo.

Alagoano, Bruno Berle apresenta 'No reino dos afetos 2' dois anos após angariar repercussão nacional e internacional com 'No reino dos afetos'
Legenda: Alagoano, Bruno Berle apresenta 'No reino dos afetos 2' dois anos após angariar repercussão nacional e internacional com 'No reino dos afetos'
Foto: Marina Zabenzi / Divulgação

“Isso é uma tradição da música no mundo todo, mas o Nordeste tem uma coisa diferente. O romance nordestino é mais quente, profundo, rasgado, apaixonado, visceral. Isso tá muito presente na nossa música, no brega, no forró”, elabora.

É, de fato, uma relação romântica que delineia a narrativa proposta por “No reino dos afetos 2”, que vai de “Te Amar Eterno”, canção de abertura, a “Dizer Adeus”, oitava faixa do trabalho.

Na primeira música do disco, o artista canta: “Te amar eterno / Para além de eu respirar / Se não está perto / eu desejo te encontrar”. Já na antepenúltima, assume: “Foi difícil de entender / O momento de dizer adeus / Olhos nos olhos”

“Tem uma história bem direta no disco: uma parte A, que é muito mais dada, sobre estar se comunicando, junto, perto, e uma segunda, que é sobre abrir mão”, aponta. Os dois movimentos foram vivenciados pelo próprio artista, que compartilha ter vivido um "grande amor" em Alagoas até ir buscar outro em São Paulo: a carreira.

“Eu fazia (curso de) Matemática antes, só que me peguei pensando: cara, será que com isso vou conseguir mudar a vida da minha família? Será que é nisso que sou bom mesmo? Percebi que não, que eu era muito melhor com música”, segue. 

Sonoridades

Parceria entre o cantor, compositor e músico Bruno Berle e o produtor e beatmaker batata boy segue no novo disco
Legenda: Parceria entre o cantor, compositor e músico Bruno Berle e o produtor e beatmaker batata boy segue no novo disco
Foto: Reprodução / Instagram

Apostando na ideia, Bruno concretizou “No reino dos afetos” a partir de parceria com o produtor e músico alagoano batata boy, nome artístico de Leonardo Costa Acioli, ainda no estado natal dos dois. Foi o contato deles que motivou a mistura de referências eletrônicas, da cultura de Alagoas e do cancioneiro brasileiro.

“O batata tinha beats, fui fazendo coisas em cima e foi acontecendo. Ele fazia, me mandava e eu dizia ‘vou me jogar’. A gente nunca conversou sobre a influência de um beat e, da mesma forma, as músicas orgânicas não foram pensadas”, contextualiza Bruno.

A parceria dos dois segue no novo álbum. “A gente precisa ter diversidade para viver e sobreviver de música ultimamente, ser artista de várias formas. Ao mesmo tempo, é um desejo nosso ser plural, fazer música de todo jeito”, explica.

Música de "amor bonito e bom"

Apesar de ter “No reino dos afetos” e “No reino dos afetos 2” como os dois primeiros álbuns da carreira — ambos foram lançados pelos selos Coala Recordings (Brasil), Psychic Hotline (EUA) e Far Out (Reino Unido) —, Bruno realizou um trabalho solo anterior há 10 anos

“Arapiraca, Maceió, 2013” (2014), porém, não consta na discografia oficial dele. “Eu ainda estava me formando como artista, não tinha muita leitura de muita coisa”, diz sobre o período em que a obra foi produzida e lançada. 

“As músicas eram muito mais tristes, ritmicamente mais pobres, gringas”, opina. “Do ‘Arapiraca’ ao ‘No reino dos afetos’, tem um desejo meu de fazer música feliz, alegre, de amor bonito e bom. Isso veio para me salvar e me apresentar com autoestima diferente”, avança. 

Bruno identifica que parte desse processo de mudança se deve à busca ativa que fez, já na vida adulta, por acumular mais leituras, referências e conhecimentos. "No meu tempo de escola, além do ensino que não era legal, eu tinha muitos problemas em casa, era um menino do subúrbio", contextualiza.

"Tudo que aprendi de arte, história, foi (a partir de) quando percebi que queria ser compositor, cantor, criador, arranjador, me expressar dessa forma. Então, precisava ter, pra além de música, conhecimento sobre outras histórias"
Bruno Berle
artista

“Só vim pensar e fazer do jeito que eu queria depois. Com a leitura de muita coisa, comecei a entender como usar símbolos de uma maneira mais simples, direta, fácil, explícita”, compreende. “Ele (‘No reino dos afetos’) é ainda um disco de poucas palavras, muito instrumental, (porque) comecei a tomar cuidado com a lírica para aprender qual era o meu caminho”, afirma.

Uma vez finalizado em Alagoas, o primeiro trabalho "oficial" proporcionou a ida de Bruno a São Paulo antes mesmo do lançamento. Já “No reino dos afetos 2” surge diretamente impactado pelas experiências desse novo contexto, no qual teve que lidar com abrir mão do grande amor, se ver em desterro e entender a repercussão nacional e internacional da obra.

'Através do romance, a gente fala de um monte de coisas', defende artista Bruno Berle
Legenda: 'Através do romance, a gente fala de um monte de coisas', defende artista Bruno Berle
Foto: Marina Zabenzi / Divulgação

“Amo a cidade de São Paulo, ela é linda, de oportunidades, de muita gente foda. Sei que é pesado o lugar de sair, sofro com isso, mas tento não ficar pensando muito. É agradecer a Deus e a tudo que existe por ter uma oportunidade nessa existência”, destaca. 

Apesar das questões, o momento atual é de confiança e celebração. “Estou no meu auge como pessoa e como artista, seguro, podendo falar mais e de frente”, reconhece. Tal reconhecimento, inclusive, atesta a força que foi e é escolher ver e falar do mundo a partir da tal “perspectiva do amor”

“Através do romance, a gente fala de um monte de coisas: classe, gênero, raça, e isso tudo também está presente no disco. Todas as músicas são de amor romântico, mas elas vão para muito além”, considera.

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Comentários faixa a faixa

Capa do novo álbum de Bruno Berle é ilustrada pela obra 'Menino com flores [inspirado no ticumbi]' (2019), de Deborah Amoreira
Legenda: Capa do novo álbum de Bruno Berle é ilustrada pela obra 'Menino com flores [inspirado no ticumbi]' (2019), de Deborah Amoreira
Foto: Deborah Amoreira / Divulgação

  1. "Te Amar Eterno é um encontro leve, amoroso e sabido desse grande amor"

  2. "A segunda música (New Hit) já é um convite a dar uma volta na cidade, na noite, encontrar pessoas, encontrar o rolé"

  3. "Margem do céu é uma música sobre sexo, especificamente. A letra é muito sobre isso: quando os amantes fazem amor, transam, todo aquele prazer"

  4. "Sonho é (sobre) quando os amantes dormem juntos e sonham com várias coisas. É uma música muito balançada. Eu quis pensar na trilha sonora de um sonho de duas pessoas pretas que vivem em Maceió. Ela não tem uma rítmica definida — não é um afoxé, um maracatu, nem um coco, ela é sincopada. Alagoas tem dificuldade de reconhecer os seus ritmos porque a gente não conhece a nossa história, a história do povo preto que foi para lá. Quis tentar fazer uma parada onírica, um sonho de duas pessoas  que não sabem de onde vieram"

  5. "É só você chegar é quando a gente acorda leve. Passa o tempo e a gente já fez tudo o que devia fazer, se declara de maneira muito leve e simples"

  6. "Começa a segunda parte do disco, já com distância. Acorda e Vem é uma música muito forte (sobre) buscar, dizer que é possível, que existem algumas possibilidades de sonho e que a gente pode sonhar junto outras coisas"

  7. "Love comes back é (sobre) uma distância do sentimento entre pessoasas estão juntas fisicamente, mas distanciadas no sentimento 

  8. "Dizer Adeus já é distância física" 

  9. "Quando penso" é como se fosse um sonho, também"

  10. "Tirolirole é um fim distante, mas ainda pleno e sereno de que aquele amor ainda é muito forte, bonito, continua vivo e com justiça, com carinho, com respeito"

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