Transnordestina: o que entregar uma grande obra pode significar para Lula e seus planos eleitorais
Lula volta à cidade onde a obra foi lançada, há quase 20 anos, em meio a uma crise de popularidade
O presidente Lula (PT) prometeu e começou a cumprir: sua agenda de viagens nacionais para “fazer política” ganhou mais volume desde junho, após meses de dedicação à agenda internacional e à resolução de conflitos com o Congresso. O próximo destino é Missão Velha, no Cariri cearense, onde vai vistoriar, nesta sexta-feira (18), trecho já concluído da ferrovia Transnordestina.
Foi naquela cidade que Lula lançou o projeto de infraestrutura – um dos maiores do Brasil e o mais robusto do Nordeste – em 2006, durante o seu primeiro mandato no Planalto. Quase 20 anos, duas interferências do Tribunal de Contas da União (TCU) e três presidentes da República depois, a obra está mais perto da conclusão, e pode iniciar suas operações no fim de 2025.
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O "timing" é um trunfo do terceiro mandato do petista. O Governo Federal trabalha com um prazo de conclusão para a Fase 1 em 2027. Antes disso, no fim deste ano, a operação da ferrovia deve começar em fase de comissionamento.
Os primeiros transportes de cargas sairão do Terminal Intermodal do Piauí até a região centro-sul do Ceará e a algumas regiões de Pernambuco. Um bom reforço para quem, meses depois, pretende se jogar à campanha de reeleição.
Entregas como essa podem lhe beneficiar perante a opinião pública, que chegou a representar 57% de reprovação em maio deste ano, mas oscilou positivamente no último mês.
Os dados da pesquisa Quaest encontram consonância com a avaliação de Claudio André de Souza, cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
“Esse jogo passa a ser jogado de uma forma mais forte no Nordeste porque aqui a gente tem governadores aliados ao presidente e também porque é onde ele tem um viés mais positivo. É uma base eleitoral de Lula, então ele entende que, para se recuperar nesse momento, isso passa por uma prioridade da agenda do governo na região”, aponta.
Lula e a opinião pública
Em agosto de 2023, Lula viu seu mandato iniciar uma tendência ascendente de desaprovação, saindo de 35% para 47% em maio de 2024. No bimestre seguinte, uma leve melhora com a diminuição do índice para 43%. O alívio não durou muito, já que, em outubro, a rejeição voltou a subir, passando de 45% a 57% em maio de 2025.
No levantamento mais recente, divulgado pelo Instituto Quaest nessa quarta-feira (16), o petista chegou a 53% de reprovação, com considerável mérito para um público que não costuma apoiá-lo com tanta fidelidade.
No Sudeste, a diferença entre desaprovação e aprovação caiu pela metade, indo de 32 para 16 pontos percentuais. A distância no recorte de brasileiros com ensino superior completo foi ainda menos, saindo de 31 pontos para 7. Quando analisada a renda familiar, os lares com 2 a 5 salários mínimos diminuíram a reprovação em 10 pontos, de 19 a 9.
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Mesmo com a melhora em termos gerais, voltando ao segmento regional, o Nordeste contribuiu com a piora da avaliação do governo. Os dados são do g1. Veja a seguir:
Fevereiro de 2024
- Aprovação: 68%
- Reprovação: 31%
Julho de 2025
- Aprovação: 53%
- Reprovação: 44%
Os números mostram uma necessidade de fortalecer suas bases mais fiéis, como o eleitorado nordestino, indicam os especialistas ouvidos pelo PontoPoder.
“Diante da polarização, a maior da história da política brasileira desde a redemocratização, me parece que qualquer ponto percentual para a ótica do governo faz diferença”, observa o professor da Unilab.
O contexto atual torna o ambiente mais “favorável” ao avanço da estratégia política de Lula pelos estados brasileiros, como afirma Luciana Santana. Ela é doutora em Ciência Política, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e diretora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
“Ele tem uma temática para apresentar, tem ideias que, de alguma maneira, dialogam com uma maioria da população”, disse, mencionando temas como justiça social, intromissão dos Estados Unidos e aumento no número de deputados federais.
Grandes projetos
Grandes obras de infraestrutura enchem os olhos e se tornam troféus de gestores públicos. É assim no Governo Federal e em instâncias menores da federação. Na metade do seu terceiro mandato, contudo, Lula não tem um projeto inédito nesse sentido, mas conta com ações iniciadas por ele no começo do século.
É o caso de obras como a transposição do Rio São Francisco, ações integrantes do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da própria Transnordestina. O peso de entregas como essas é tão significativo que a paternidade dos avanços do primeiro e do último projeto foi disputada entre Jair Bolsonaro (PL) e o presidente Lula.
Em meio à pré-campanha de 2022, ambos fizeram declarações sobre o assunto. O petista defendeu que ele e Dilma Rousseff (PT), sua sucessora, foram responsáveis por 88% das obras, enquanto “o outro que deu o golpe (Michel Temer, do MDB) fez 7% e o mentiroso (Bolsonaro) fez apenas 5%, e colocou na televisão que era ele que fez a transposição”.
Também em agenda pré-eleitoral, o representante do PL citou o projeto de transposição ao comparar o valor da obra com as cifras desviadas na Petrobras.
“O pessoal reclamava até pouco tempo do preço do combustível. Com razão. Era uma crise e ainda é no mundo todo. Mas a nossa Petrobras, entre 2003 e 2015, se endividou na casa dos R$ 900 bilhões, dinheiro suficiente para fazer 60 vezes a transposição do rio São Francisco”, afirmou.
Bolsonaro, inclusive, esteve no Ceará em 2020 e em 2022 para inaugurar trechos da transposição, passando por Penaforte e Jati. Ele também teve uma “parada não prevista” em Missão Velha, em setembro de 2020.
Na ocasião, gerou aglomeração em caminhada com apoiadores e jogou sinuca em um bar do município – tudo isso sem máscara, no primeiro ano de pandemia da Covid-19.
Recentemente, Lula atualizou a discussão ao dizer, durante cerimônia de entrega do 1º Trecho do Ramal do Apodi, na Paraíba: “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente da República e ia trazer água para cá”.
Quanto à Transnordestina, as suas idas e vindas também envolveram diretamente os adversários. O projeto foi lançado em 2006 com um custo de R$ 4,5 bilhões e uma previsão de entrega até 2010. Tanto o valor do investimento quanto o prazo de conclusão foram grandemente ampliados.
O Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a suspender o repasse de recursos federais em duas ocasiões. Em uma delas, o bloqueio durou cinco anos e só cessou em 2022, durante o Governo Bolsonaro. As obras, então, foram retomadas em outubro daquele ano.
Nesse ínterim, as atividades eram tocadas apenas com dinheiro privado da concessionária Transnordestina Logística SA (TLSA) e caminhavam a passos lentos. Mesmo com a liberação do TCU e a possibilidade de aportes públicos, a TLSA decidiu devolver a concessão da chamada fase 3, referente trecho ferroviário Salgueiro-Suape.
Este ligaria o porto pernambucano a Eliseu Martins, no Piauí, e ao Pecém, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Além dele, existem a fase 2, inteiramente no Piauí, entre as cidades de Paes Landim e Eliseu Martins, e a fase 1, do Porto do Pecém a São Miguel do Fidalgo, também no Piauí.
Mas em 2023, já no “Lula III”, o Planalto anunciou que retomaria o trecho abandonado com recursos inteiramente federais orçados em R$ 4 bilhões, inclusos no Novo PAC. No ano seguinte, assinou um aditivo de R$ 3,6 bilhões via Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e Banco do Nordeste (BNB) para as demais etapas, a cargo da TLSA.
Novamente com o controle da narrativa sobre a obra, o presidente Lula volta onde tudo começou, com previsão de novos investimentos. Segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho, o aporte será de R$ 1,4 bilhão.
“Pensando politicamente – não é o que eu defendo ou não –, são obras de muita visibilidade, que têm um impacto regional extremamente importante, que pode ter melhorias sensíveis, principalmente no campo econômico”, avalia Luciana Santana.
Em paralelo a isso, o governo petista toca projetos menores via Novo PAC, que também devem funcionar como vitrine para a sua campanha. É o caso das escolas de tempo integral, do Minha Casa, Minha Vida, da Linha Leste do Metrô de Fortaleza e outros.
Maratona de viagens
O presidente Lula desembarca no Ceará nesta sexta-feira para visitar obras de infraestrutura no Estado. A informação, anunciada pelo líder do Governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT), foi confirmada pela Secretaria da Comunicação (Secom) da Presidência da República na segunda-feira (14).
A viagem do petista ao Estado é a segunda neste ano — em 19 de março ele esteve no Ceará — e a nona desde que tomou posse para o terceiro mandato à frente do Executivo Nacional.
Em maio, durante evento em Mato Grosso, Lula afirmou que iria reforçar sua estratégia política por meio de viagens pelo Brasil a partir de junho. “O mês que vem eu vou fazer política nesse país. Mês que vem vou começar a andar esse país porque acho que chegou a hora de a gente assumir a responsabilidade e não permitir que a mentira, a canalhice e a fake news ganhe espaço, e que a verdade seja soterrada nesse país”, disse na ocasião.
De acordo com a Secom, Lula deve fazer uma maratona de viagens nesta semana. Na quinta-feira (17), esteve em Goiânia, Goiás, para o 60º Congresso Nacional da UNE. No mesmo dia, ele visitou Juazeiro, na Bahia, para anúncios e entregas na área da Saúde.