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O que a eleição presidencial no Chile pode indicar para o Brasil em 2026

Eleitores chilenos voltam às urnas em dezembro. O Diário do Nordeste conversou com especialistas para entender paralelos e pontos de diferenciação entre as eleições de países sul-americanos.

Escrito por
Bruno Leite bruno.leite@svm.com.br
Foto com a bandeira chilena em segundo plano e silhueta de um homem em primeiro plano.
Legenda: Essa foi a primeira disputa desde 1990 em que o voto foi obrigatório.
Foto: Marvin Recinos / AFP.

O Chile vai realizar o segundo turno da eleição para a escolha da próxima pessoa a ocupar a cadeira presidencial em 14 de dezembro. De um lado está a candidata comunista Jeanette Jara, do outro está o membro da direita radical José Antonio Kast. Os políticos são totalmente opostos.

Ela foi para a segunda etapa do processo eleitoral com 26,8% e ele obteve 23,9% do eleitorado. A diferença entre os dois postulantes foi de aproximadamente 3%. Atrás deles ficou Franco Parisi, localizado mais ao centro do espectro político, com 19% dos votos.

Oito candidatos disputaram as eleições presidenciais chilenas. Essa foi a primeira desde 1990 em que o voto foi obrigatório — o que produziu uma participação recorde de 85% dos eleitores, superando a abstenção de 53% registrada no último pleito, há quatro anos.

No primeiro turno, promovido em 16 de novembro, os eleitores também tiveram que escolher os parlamentares para renovar toda a Câmara dos Deputados e parte do Senado. Os aliados do republicano conseguiram um avanço considerável nas duas Casas Legislativas, o que pode se reverter em governabilidade caso seja eleito.

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Quem são os candidatos

Jara é apoiada pelo atual presidente do Chile, Gabriel Boric. Ela tem 51 anos, é graduada em Direito e Administração. É integrante do Partido Comunista e concorre como representante da coalizão de esquerda. O início da sua trajetória política se deu por meio da militância estudantil, nos anos 1990.

Como promessas de campanha, a ex-ministra do Trabalho se comprometeu a elevar o salário mínimo, reforçar os direitos trabalhistas, implementar um preço máximo para medicamentos e impulsionar a indústria do lítio. A segurança também é um ponto do seu plano de governo, já que ela quer modernizar a polícia e construir mais prisões no país.

Foto da candidata do Partido Comunista no Chile, Jeanette Jara.
Legenda: Jeanette Jara é aliada de Gabriel Boric.
Foto: Marvin Recinos / AFP.

Kast, por sua vez, tem 59 anos, também é advogado e concorreu com Boric no último pleito para a Presidência do Chile. Ele também concorreu em 2017, mas ficou em quarto lugar com apenas 8% dos votos. José é filho de um ex-soldado do exército nazista e irmão de um ex-ministro do ditador Augusto Pinochet. É membro do Partido Republicano, fundado por ele em 2019.

As propostas do ultradireitista seguem uma lógica contra o crime e imigração — incluindo planos para expulsão de imigrantes indocumentados, a criação de uma força policial especializada e a construção de muros e trincheiras ao longo da divisa norte. Por conta da sua postura, é comparado com a de outros líderes americanos, como Donald Trump (Estados Unidos), Javier Milei (Argentina), Nayib Bukele (El Salvador) e o brasileiro Jair Bolsonaro.

Foto do ultradireitista José Antonio Kast, que concorre à presidência no Chile.
Legenda: José Antonio Kast concorre à Presidência do Chile pela terceira vez.
Foto: Marvin Recinos / AFP.

As eleições presidenciais no Chile acontecem há pouco menos de um ano do pleito presidencial no Brasil, previsto para outubro de 2026. E, segundo especialistas, o cenário desenhado no lado oeste do mapa da América do Sul pode apresentar indicativos para os contornos da disputa por aqui em alguns aspectos, como também apresenta diferenças ou pouca influência em outros.

Contornos eleitorais

Segundo o professor Clayton Mendonça Cunha Filho, doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e professor no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), o que aconteceu na eleição do Chile não deve influenciar em quase nada no cenário brasileiro. 

“O que dá para afirmar, com certeza, é que, claro, se, por acaso, o candidato da extrema-direita no Chile for vitorioso, a extrema-direita brasileira certamente vai tentar capitalizar em cima disso, como já tentou capitalizar em cima da eleição do Milei na Argentina, como tenta capitalizar em cima do discurso do Nayib Bukele em El Salvador”, discorreu. 

Já a doutora em Direito Público e mestre em Direito Internacional pela Aix-Marseille Université (França), Débora Santana, que também é professora da Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), destacou que “a polarização política já é uma tendência do continente americano há, pelo menos, dois ciclos eleitorais”. 

“Ou seja, esse movimento de intensa dualidade entre esquerda e direita, caracterizado pela ascensão da extrema-direita ao poder, pelo aumento do clamor social de pautas mais nacionalistas e pelo enfraquecimento do que se chama de 'terceira via', é uma realidade que se alinha diretamente com a crise das democracias liberais e da legitimidade política, já anunciadas por alguns teóricos”, enfatizou.

Rejeição e candidaturas no Brasil

Eleito em 2021, Boric irá passar a faixa presidencial para um sucessor ou sucessora em 11 de março de 2026. Mas ele enfrenta uma realidade em que índices de aprovação apontam para um patamar negativo. Uma pesquisa divulgada em novembro pelo instituto Plaza Pública Cadem mostrou que, em outubro, cerca de 62% da população desaprovava o desempenho do presidente, contra 33% que o aprovava.

Para Cunha Filho, o Governo Boric “não é visto como tendo sido bem-sucedido” e se mostra como “um governo bastante impopular”, fato que pesa contra Jara, ex-integrante da gestão como auxiliar do presidente. 

Foto do Palácio La Moneda.
Legenda: Eleito ou eleita vai assumir o Palácio La Moneda, sede da Presidência do Chile, em março de 2026.
Foto: Marvin Recinos / AFP.

Mas ele disse não compreender que isso tenha relação com o Brasil em 2026. “A situação no Chile nem abre, nem fecha espaço para candidatos outsider ou antipolítica no Brasil. São duas eleições com muito pouca conexão direta para fazer esse tipo de especulação”, salientou.

Nesse quesito, há uma concordância com a professora Débora Santana. “É importante ressaltar o cenário político e eleitoral brasileiro é um pouco distinto do chileno: a polarização brasileira já é consolidada entre o Partido dos Trabalhadores e o bolsonarismo e o sistema político ainda é dominado pelos partidos tradicionais, o que nos faz concluir que as grandes alianças partidárias é que determinarão os polos contrapostos, não havendo muito espaço para esses candidatos outsiders”, falou.

Violência e imigração como temas

O Chile é vizinho de grandes produtores de drogas, como a Bolívia e o Peru, dois epicentros do tráfico internacional de cocaína. Antes, o território chileno não era visto com atenção pelas organizações criminosas, no entanto, com a imigração em larga escala, ele entrou no radar desses grupos. Um deles é a facção venezuelana Tren de Aragua, que se instalou no país e tem expandido sua atuação localmente.

Dados do Instituto Nacional de Estatística, com base em relatórios da polícia chilena, evidenciam um crescimento no número de vítimas de crimes no Chile desde 2021. O quantitativo saltou de aproximadamente 958 mil registros para 1,3 milhão em 2024.

Nesse aspecto, Filho diz ser possível traçar um paralelo. “De fato, no Chile essa campanha ficou muito marcada por temas de segurança pública e pela questão da imigração”, evidenciou. “Ao contrário do Brasil, em que esse já é um problema de décadas, no Chile esse é um problema relativamente novo. Os índices de insegurança aumentaram muito nos últimos anos, embora seja preciso ressaltar que, se por como comparativo o Brasil, eles ainda são relativamente baixos”, disse. 

Foto de operação policial no Chile, onde a segurança é um dos principais temas da eleição presidencial em 2025.
Legenda: A segurança é um dos temas em evidência no pleito chileno e pode nortear eleição presidencial no Brasil em 2026.
Foto: Polícia de Investigações do Chile / AFP.

“É possível que sim, que na nossa eleição brasileira esse seja um dos temas marcantes. Mas a gente precisa ver. Ainda falta pouco menos de um ano para essas eleições, o cenário pode mudar muita coisa. A preço de hoje se especula que sim, que esse vai ser um tema bastante presente”, situou o docente, salientando que, no Brasil, a questão da imigração não deve ser preponderante, por não ser um tema muito mobilizado historicamente aqui.

Santana lembrou que imigração e segurança, na verdade, já foram pautas levantadas na campanha eleitoral para a Presidência do Brasil em 2018. Para ela, diante da política migratórias dos Estados Unidos, podem ser levantadas juntas em 2026.

“E aqui teremos, nitidamente de um lado, a defesa intransigente de uma segurança pública com uma abordagem mais rígida e repressiva contra o crime, além da restrição das migrações, enquanto de outro, a defesa de medidas sociais e mais progressistas como solução ao aumento da criminalidade”, observou. 

Aspectos econômicos

No âmbito econômico, o Chile apresentou flutuações em seu Produto Interno Bruto (PIB), conforme informações do Banco Mundial. Se em 2020, houve uma queda de 6,1, no ano seguinte aconteceu uma recuperação de 11,3% e, em 2022, um crescimento de 2,2%. No entanto, em 2023, o aumento foi de somente 0,5%, para que em 2024 a alta fosse de 2,6%.

O que fica claro neste segundo turno são as defesas de modelos econômicos distintos pelos candidatos que chegaram na reta final. Jeanette Jara prega uma intervenção estatal, enquanto José Antonio Kast tem uma visão de Estado com características liberais.

Foto do Porto de Santo Antonio, no Chile.
Legenda: Os candidatos que chegaram ao segundo turno no Chile divergem sobre qual tamanho o Estado deve ter.
Foto: Raul Bravo / AFP.

Na visão do professor Clayton Filho, embora exista uma defesa liberal por uma parte do eleitorado, não sinaliza necessariamente que a América Latina está propensa a apoiar esse ideário. 

“A América Latina é uma região muito grande, inclui a América do Sul, a América Central, o México, tem países que têm muitas semelhanças, mas que têm muitas diferenças em termos de cultura política, de história, de sistema partidário, sistema político”, comentou.

Para a professora Débora Santana, “as eleições atuais no Chile podem servir como um termômetro para as eleições subsequentes nos demais Estados latino-americanos, mas não como algo determinante”.

“É importante considerar que o 'eleitorado latino-americano' é uma classe bastante heterogênea, com demandas específicas a depender da jurisdição considerada. Ademais, a estrutura partidária e as experiências econômicas dos países também são diferentes”, finalizou a entrevistada. 

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