Estado do Ceará e Fortaleza ainda não possuem legislação que regulamente piso da enfermagem; entenda
Apesar da garantia de recursos pelo Governo Federal e de declarações públicas de gestores, entes sequer enviaram medidas necessárias para desembolsar o aumento salarial dos profissionais
Embora o Ministério da Saúde tenha estabelecido um prazo de repasse de recursos, mediante portaria publicada na quarta-feira (16), ainda não há leis que regulamentem o cumprimento do piso nacional de parteiras, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e técnicos de enfermagem pelo Estado do Ceará e o Município de Fortaleza.
Conforme a publicação da pasta federal, os dispêndios serão desembolsados pelo Governo Federal a partir da próxima segunda-feira (21) e deverão ser depositados pelos entes públicos para os estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) em até 30 dias.
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O documento que fixou uma data para a adequação dos entes públicos ao que prevê a Lei Federal 14.581/23, foi emitido após acordo com estados, municípios e o Distrito Federal.
Através dele foram estipulados critérios e procedimentos para o repasse da assistência financeira complementar da União destinada à remuneração das categorias contempladas pela legislação federal que estabelece o novo patamar salarial
Compromisso sem lei
Embora não tenha nenhuma lei tramitando no Legislativo municipal, a Prefeitura de Fortaleza tem garantido que pagará os salários com o novo valor. Na sexta-feira (18), ao dar a posse aos 53 novos servidores concursados que irão atuar na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), o prefeito José Sarto (PDT) anunciou que isso já deverá acontecer no próximo mês.
A fala reforça a posição da gestão, que ao Diário do Nordeste afirmou que o cumprimento do piso é um compromisso assumido publicamente pelo gestor municipal em diversas oportunidades. "O diálogo com a categoria já vinha ocorrendo. Várias reuniões que ocorreram foram publicizadas", alegou o Município por meio de nota.
À reportagem, a gestão informou ainda que "neste momento os técnicos estão fazendo os cálculos e as simulações para aplicar na folha de pagamento". Questionada acerca da previsão do envio de projeto de lei que verse sobre o assunto, a Prefeitura de Fortaleza não deu nenhuma devolutiva.
Na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), duas matérias tratam sobre o piso, uma de autoria de Júlio Brizzi (PDT) e outra da vereadora Enfermeira Ana Paula (PDT). Entretanto, ambas pedem apenas a realização de audiências públicas para discutir a temática e não preveem a implementação do parâmetro remuneratório.
O requerimento de Brizzi, protocolado em 5 de junho deste ano, pelo que consta no sistema de acompanhamento disponibilizado pela Casa, aguarda deferimento. O da parlamentar pedetista, apesar de ter sido apresentado em 2 de maio, ainda espera pauta.
No âmbito do Estado, também não há nenhuma iniciativa do Executivo que busque adequar a legislação estadual com o novo salário-base. E, apesar de demandado, através da sua assessoria de imprensa, o Governo Elmano não se manifestou a fim de sanar dúvidas sobre a regulamentação do reajuste na folha de pagamento dos contratados.
Na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), dois projetos de indicação constam nos registros, um de autoria do deputado estadual licenciado Moisés Braz (PT) e outro ingressado pela senadora Augusta Brito (PT), quando ainda integrava o parlamento estadual. As proposições de parlamentares estaduais mencionadas, no entanto, não têm efeito objetivo na implementação do aumento dos proventos dos enfermeiros.
Procurados para falar sobre os iminentes desdobramentos da Lei Federal 14.581/23 em suas respectivas Casas, os líderes governistas na Alece, Romeu Aldigueri (PDT), e na CMFor, Carlos Mesquita (PDT), não retornaram às tentativas de contato feitas pelo DN.
O que diz o sindicato
Consultado, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Ceará (Sindsaúde-CE), através do diretor de assuntos Jurídicos, Quintino Neto, afirmou que, após a publicação da portaria ministerial, irá procurar as prefeituras cearenses para reestabelecer os canais de negociação.
De acordo com a representação sindical, há uma expectativa de que o dinheiro caia nas contas das gestões nos próximos cinco dias, mas que é necessário que os Executivos se organizem a fim de regulamentar a lei.
"É importante destacar que as prefeituras precisam remeter projetos de lei às Câmaras para serem aprovados, publicados e sancionados, para que assim consigamos ter a implantação do piso da enfermagem nos contracheques dos servidores", disse Quintino, informando que a entidade irá atuar junto à Prefeitura de Fortaleza pelo cumprimento da regra.
Do mesmo modo, o Sindsaúde pontuou que cobra do governo de Elmano de Freitas (PT) que envie uma proposição para a Alece, mas que antes dialogue com as entidades de classe antes - seguindo o que acenou a Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa), que se comprometeu a abrir uma mesa de negociações com a categoria.
Já o Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Ceará (Senece) indicou que a mobilização dos membros agora irá se dar pela implementação do salário-base, sem que haja desconfiguração na aplicabilidade.
"O que temos no momento é a expectativa de que aconteça o repasse das verbas pelo Ministério da Saúde. Porém, esse piso tem sofrido vários ataques e inconsistências, o que desconfiguram o que seria um piso digno e real para a enfermagem", disse Plauto Rocha, diretor da associação.
A entidade relatou que, ao longo dos últimos meses, negociações chegaram a ser feitas com a Prefeitura de Fortaleza e com o Estado, mas não avançaram. No caso dos outros municípios do Ceará, que chegaram a anunciar a medida, a legislação federal foi desvirtuada e, segundo o Senece, direitos e garantias ficaram de fora.
Na análise do sindicato, tanto a decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou as operações financeiras do Governo Federal, quanto a portaria recente do Ministério da Saúde, frustraram a categoria, por conta de aspectos como a obrigatoriedade da carga horária de 44 horas semanais e de incompatibilidades com especificidades regionais.
Municípios que se adequaram
Até o mês passado, conforme mostrou um levantamento do PontoPoder, 19 municipalidades do estado já haviam aprovado leis que regulamentavam o ajuste na remuneração dos servidores lotados em unidades de saúde públicas e conveniadas:
- Aquiraz
- Baturité
- Caucaia
- Cedro
- Croatá
- Cruz
- Eusébio
- Hidrolândia
- Itaiçaba
- Itarema
- Jijoca de Jericoacoara
- Marco
- Mombaça
- Monsenhor Tabosa
- Morrinhos
- Pacatuba
- Santana do Acaraú
- Tauá
- Tianguá
Desta listagem, as cidades de Baturité, Caucaia, Cruz, Eusébio, Itaiçaba, Jijoca de Jericoacoara, Marco, Mombaça, Morrinhos, Pacatuba, Santana do Acaraú, Tauá e Tianguá já tinham sancionado os textos e passaram a pagar o piso com recursos próprios.
Repasses e valores
Pelo que diz a portaria do Ministério, dos R$ 7,3 bilhões disponibilizados serão injetados nesse primeiro repasse financeiro cerca de R$ 16,1 milhões no Estado e outros R$ 33,9 milhões nos cofres da Capital. O montante é referente aos meses de maio, junho, julho e agosto de 2023.
Os demais municípios do Ceará - assim como do restante do País - também irão receber quantias para arcar com o custo remuneratório dos trabalhadores do setor que atuam no SUS.
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Ao todo, os empregados no setor público e em estabelecimentos conveniados irão receber nove parcelas este ano, incluindo o 13º salário. Conforme a lei, o valor do piso mínimo dos enfermeiros será de R$ 4.750 e dos técnicos de enfermagem R$ 3.325. Os auxiliares de enfermagem e parteiras, por sua vez, receberão R$ 2.375.
No início de agosto, os servidores vinculados diretamente ao Ministério da Saúde receberam três parcelas da quantia complementar, retroativas aos meses de maio, junho e julho.
Decisão do STF havia travado piso
Em julho, o Supremo Tribunal Federal (STF) fechou o entendimento definitivo sobre a constitucionalidade da Lei 14.581/23. A execução dela havia sido suspensa desde setembro de 2022, em razão de uma liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Na época que o reajuste foi travado, uma das principais pendências era a origem do custeio do novo salário. Após o julgamento final do STF, para o setor público, os novos salários serão pagos pelos estados e municípios na medida dos repasses federais.
Contudo, caso essa ajuda não seja suficiente, a União fica com o dever de providenciar crédito suplementar. A decisão da Corte também condicionou o pagamento previsto a uma carga horária de oito horas diárias ou 44 horas semanais de trabalho. Assim, se a jornada for menor, cairá na conta dos trabalhadores o valor proporcional.
A definição da majoração dos empregados no setor privado, no entanto, ficou condicionada a uma negociação sindical coletiva. Foi dado um prazo de 60 dias - que continua válido -, a contar da publicação da ata do julgamento, para que o acordo fosse firmado e o piso fosse aplicado. Caso não haja um acordo, o pagamento seguirá os termos da lei.