Legislativo Judiciário Executivo

Piso da enfermagem: categoria busca correções em leis municipais para evitar impasses jurídicos

Há casos de pagamentos apenas para concursados, vinculação do salário-base à jornada, transformação do vencimento em remuneração, entre outros

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
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Legenda: O povo piso da enfermagem prevê salários de R$ 4.750 para enfermeiros; R$ 3.325 para técnicos de enfermagem; e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras.
Foto: Marcos Moura

O piso da enfermagem já foi aprovado em mais de 15 municípios cearenses desde que foi sancionado, em agosto do ano passado. Com anúncio recente de aporte de verbas pelo Governo Federal, ao todo, as prefeituras vão receber, até o fim do ano, mais de R$ 300 milhões para o pagamento do reajuste. Contudo, há queixas de que muitas cidades encaminharam a nova legislação em desarmonia com o que defende a categoria.

Boa parte dos municípios só tem previsão de execução dos novos salários para os profissionais concursados, deixando os contratados (de cooperativas, de organizações sociais, etc) de fora. Em outros casos, houve, ainda, vinculação à jornada, transformação do vencimento-base em remuneração, entre outras questões. 

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Por isso, os sindicatos tentam corrigir esses pontos dissonantes no campo da política, a fim de evitar judicialização. O temor é de que a morosidade da Justiça atrase ainda mais a execução do piso.

“A gente só vai acionar algum órgão judicial depois que não conseguirmos reverter nada na política. A Justiça para gente é o último recurso porque demora demais e é tudo o que o gestor quer”, explica a presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Ceará (Sindisaúde), Marta Brandão.

O entendimento ainda não consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema também impõe um impasse para uma possível judicialização, como avalia Givana Lopes, vice-presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Ceará (Senece).

"Como todo dia sai uma nova decisão dos votos dos ministros, de certa forma, a gente está vendo como vai ficar o piso, porque como eu vou judicializar um município para dizer que não é 44h (de jornada), se o Supremo está dizendo que é?", exemplifica. 

Por isso, a resolução pela via política parece mais adequada para o momento. Dessa forma, diz Marta, foi possível contornar os problemas da lei aprovada anteriormente na cidade de Baturité. O texto inicial trazia o termo "remuneração" em vez de "vencimento", além de atrelar os valores à carga horária. Esses pontos foram corrigidos e a nova lei já está em vigor.

“Foi bom, o grupo de enfermagem tava todo lá, tava o pessoal do sindicato, todos aprovaram e acharam bom. Foi do jeito que eles quiseram”, avalia o presidente da Câmara de Baturité, Luciano Furtado (PL).

O sindicato tenta o mesmo com a gestão de Mauriti, cujo prefeito (João Paulo Furtado, do PT) "se mostrou sensível a reverter (trechos da) lei" aprovada. O Diário do Nordeste procurou a Prefeitura para entender como está a discussão no momento, mas ainda não obteve retorno.

De acordo com as sindicalistas, em municípios como Marco, Baturité, Tianguá e Jijoca de Jericoacoara as leis estão conformidade com o piso ideal. Contudo, segue a lacuna do pagamento dos trabalhadores contratados. 

Esse imbróglio só deve ser resolvido após a devolutiva do Ministério da Saúde sobre a contestação que estados e municípios fazem sobre os recursos recebidos, ainda sem data para acontecer. 

Remuneração ou vencimento?

Uma das críticas mais recorrentes entre a categoria é a vinculação dos novos salários à remuneração. Esta é referente a tudo o que cai na conta dos profissionais, incluindo gratificações, por exemplo. O correto, defendem as entidades trabalhistas, seria usar o termo "vencimento", que define o valor-base a ser recebido. É sobre ele que devem incidir os adicionais salariais.

Além disso, os sindicatos questionam leis que submetem os vencimentos a uma jornada de 200h mensais ou 40h semanais de trabalho. É o que se observa em cidades como Aquiraz.

Ali, os enfermeiros concursados plantonistas tiveram a opção de reduzir a carga horária pela metade, sendo submetidos a um piso de R$ 2.375 mil. Ou seja, a jornada de 40h semanais pode baixar para 20h, se assim preferirem.

Para os efetivos plantonistas que optarem pela carga integral (ou para os profissionais da Saúde da Família, cuja jornada segue inalterada), o vencimento-base continua como previsto no texto sancionado pelo Governo Federal no ano passado: R$ 4.750 para enfermeiros. O referencial também é de R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e de R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras nos setores público e privado.  

Hidrolândia, Morrinhos e Monsenhor Tabosa foram outros municípios que vincularam o piso integral à carga de 40h semanais. Já em Caucaia, além da jornada de 200h mensais (ou seja, 40h semanais), o texto aprovado traz uma revisão no Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações da categoria, fixando um índice menor, neste ano, para a progressão de cargo.

Caso de São Gonçalo

Na maioria das cidades cearenses, a discussão sobre o piso sequer chegou ao Legislativo. É o caso de São Gonçalo do Amarante. O Orçamento executado neste ano já prevê um aporte de R$ 8,5 milhões para o pagamento do piso da enfermagem.

Contudo, a Prefeitura ainda não enviou texto algum para a Câmara sobre isso. O Diário do Nordeste buscou o prefeito, Professor Marcelão, para cobrar uma resposta sobre esse impasse, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Nos demais casos, municípios ainda esperam o complemento federal cair nos seus cofres, enquantos outros aguardam uma resposta do Ministério da Saúde e do Supremo Tribunal Federal (STF).

A pasta deu início a um período de contestação – por parte dos gestores estaduais e municipais – das informações para o cálculo dos repasses extras nesta semana. Ainda não há previsão de quando esse processo será concluído. 

Já na Justiça, a análise sobre o tema foi retomada na sexta-feira (23). No último dia 16, o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, o que atrasou por mais uma semana o julgamento. Antes dele, Gilmar Mendes também pediu mais tempo para a apreciação do texto no fim de maio, o que durou uma semana.

Agora, o processo tem quatro votos (faltam seis): o conjunto de Mendes com Luis Roberto Barroso, o de Edson Fachin e de Toffoli. Este, ao devolver o caso, defendeu uma regionalização do piso.

"A implementação do piso salarial deve ocorrer de forma regionalizada mediante negociação coletiva realizada nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas base, devendo prevalecer o negociado sobre o legislado, tendo em vista a preocupação com eventuais demissões e o caráter essencial do serviço de saúde", entendeu o ministro.

Toffoli ainda defendeu que o piso se refira "à remuneração global, e não ao vencimento-base, correspondendo ao valor mínimo a ser pago em função da jornada de trabalho completa podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente no caso de carga horária inferior a 8 (oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais".

Ainda cabe novo pedido de vista ou destaque, que podem levar a uma nova suspensão. Se isso não ocorrer, o tema será analisado no plenário virtual até às 23h59 de 30 de junho.  

Cidades cearense que já aprovaram o piso

  • Aquiraz
  • Baturité
  • Cedro
  • Cruz
  • Eusébio
  • Hidrolândia
  • Itarema
  • Jijoca de Jericoacoara
  • Marco
  • Monsenhor Tabosa
  • Morrinhos
  • Pacatuba
  • Tauá
  • Tianguá 
  • Caucaia
  • Mombaça
  • Croatá
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