A pouco mais de três meses das eleições, as duas principais lideranças políticas nacionais, o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), já sinalizaram apoio a dois pré-candidatos à Prefeitura de Fortaleza.
Ao mesmo tempo em que aliados da dupla tentam envolver os políticos nacionais e polarizar a disputa local, outras lideranças se articulam para afastar o atual presidente e o ex-chefe do Executivo nacional como uma forma de reduzir a influência deles no pleito da Capital.
O Diário do Nordeste ouviu atores políticos locais e nacionais, além de pesquisadores para entender o que se espera da participação de Lula e Bolsonaro na disputa pela Prefeitura de Fortaleza.
Lula equilibrando pratos
Na quinta-feira (20) em que esteve no Ceará e conversou com a editora de Política do Diário do Nordeste, Jéssica Welma, Lula disse que sua participação na campanha eleitoral 2024 será avaliada com cuidado porque, em algumas cidades, partidos aliados ao Governo estarão competindo.
"Eu tenho uma base de apoio no Congresso Nacional, uma base que me apoia que extrapola meu partido político", pontuou Lula em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste e à Verdinha FM 92,5. Ele disse que pretende participar ativamente da campanha, mas com "cuidado".
Segundo a coordenadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC), Monalisa Soares, historicamente o presidente tem um papel ativo nas campanhas e, no caso da Capital, há um grande interesse do PT em jogo.
“O Lula, como homem de partido, sempre se vinculou muito a essa ideia de que a sua posição, na medida do que é possível, do que é republicano, deve ser transformada em um apoio de ampliação da força do seu partido. Para esta eleição, ele disse que, no que é possível, vai usar a sua imagem, sua projeção, para fazer interferências em lugares — lemos capitais — onde ele considera que há lideranças importantes a serem eleitas”, analisa a pesquisadora.
“O caso do Ceará é muito expressivo porque tem uma liderança de muita projeção, que é o ministro Camilo Santana, e elegeram o governador (...) então imagino que, de fato, Fortaleza vá ser essa capital importante para ganhar, considerando esse acúmulo de forças que a gente tem visto”, completa.
“Ter um nome da legenda na liderança do Executivo municipal conferiria ao partido hegemonia política, maior articulação entre governo, prefeitura, ministérios e presidência, além de consolidar o capital eleitoral para o apoio nas próximas eleições em 2026”
Ainda na entrevista à Verdinha FM 92.5, Lula reforçou que, em cidades em "que o adversário for ideológico, for dos negacionistas (em referência à oposição ligada a Bolsonaro)”, ele irá fazer campanha.
"Vou ficar trabalhando até 18 horas e (depois) eu vou fazer campanha para os candidatos que vão melhorar a vida do povo. Mas com muito cuidado, porque eu não posso ser pego de surpresa e depois ter um revés no Congresso Nacional de descontentamento"
Um desses casos onde ele precisará ter cautela para evitar “surpresas” no Congresso é Fortaleza, onde o PT pretende lançar uma chapa liderada por Evandro Leitão (PT), tendo apoio de siglas como PSB, MDB e PSD. Contudo, o PDT, aliado nacional do PT e adversário municipal do partido, terá uma chapa encabeçada pelo atual prefeito José Sarto (PDT), que buscará a reeleição.
Lula e o PDT em Fortaleza
Lula e Sarto mantêm relação distante desde que o petista assumiu a presidência — período que coincide com o fim da aliança entre PT e PDT no Ceará. Na visita mais recente do petista ao Estado, o prefeito participou do evento. “Na verdade, a relação é institucional, estou como prefeito da cidade que está recebendo o presidente da República e estou aberto ao diálogo sempre”, ressaltou.
Quatro dias depois, na segunda-feira (24), o ministro da Previdência Social do Governo Lula, Carlos Lupi (PDT), presidente licenciado do PDT nacional, disse esperar que o presidente "não vá em palanque" na campanha eleitoral de Fortaleza.
Para os pedetistas, a vitória de Sarto é uma prioridade nacional e o ministro já disse ao Diário do Nordeste que espera uma vitória do correligionário ainda no primeiro turno. "Fortaleza é a mais importante cidade que o PDT administra e vai ser a mais importante que nós vamos apoiar em termos não só de investimentos do Fundo Eleitoral, mas de 'prestigiamento' político", disse no início deste ano.
"Aí, em Fortaleza, no Ceará como um todo, temos uma realidade muito difícil, uma briga interna muito grande entre PT e PDT. Nós vamos ter o atual prefeito Sarto como candidato à reeleição, o PT provavelmente terá o seu candidato, e o que eu espero é que o presidente Lula não vá em um palanque porque significa acirrar mais os ânimos. Aí a luta deve ser local, como deve ser uma luta pela prefeitura"
"O que é mais provável, o que eu estou avaliando em todas as conversas, é que o presidente Lula não vá em palanques divididos, só vá em palanque onde tem a unidade da sua base", acrescentou.
Para Monalisa Soares, atender esse apelo de Lupi é desafiador para o PT.
“É uma costura complexa porque o caso do Ceará envolve aliados e não tão aliados assim, ou, digamos, opositores. Ainda que o prefeito José Sarto seja do PDT, ele é da linha que tem esboçado muitas críticas tanto a nível nacional, se pensarmos no Ciro Gomes, (...) quanto a nível estadual, onde as lideranças não têm feito nenhum esforço de apaziguamento, vide todo o rol de críticas que o Roberto Cláudio e o próprio prefeito têm direcionado à figura do governador”, afirma.
Por outro lado, na avaliação da professora de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mariana Dionísio de Andrade, não há grandes riscos para o presidente em se engajar na campanha de seu correligionário cearense justamente por esses desgastes locais com os pedetistas.
“O presidente é extremamente estratégico e sabe quais são os espaços em que vale a pena manter boas relações. Com o desgaste do PDT local, não há grandes riscos em apoiar abertamente um candidato ou outro, simplesmente porque a situação de desidratação da legenda aqui em Fortaleza é evidente. Com Evandro Leitão como candidato pelo PT, faz sentido que o presidente retome o apoio”, afirma.
Lula, Camilo, Elmano e Evandro
A relação entre Lula e Evandro Leitão tem sido bem mais próxima. Os petistas tiveram encontros nos últimos meses tanto no Ceará quanto em Brasília. Uma das conversas mais recentes entre a dupla ocorreu, em maio, depois que o cearense foi confirmado pelo PT Fortaleza como pré-candidato da sigla.
Contudo, nas duas últimas visitas de Lula ao Estado, imprevistos separaram os correligionários. Em abril, o presidente da Alece não participou da cerimônia com o presidente da República — assim como os outros então pré-candidatos petistas. Na nova viagem do mandatário federal ao Ceará, no último dia 20 de junho, um incêndio atingiu a sede do Legislativo cearense e Evandro foi para o local, levando falta nas duas agendas públicas com Lula.
Naquele dia, à noite, os dois se encontraram reservadamente em um jantar oferecido pelo governador Elmano de Freitas. O pré-candidato petista, no entanto, negou que o encontro tenha tratado de assuntos eleitorais. “Foi mais acompanhando a reunião dos governadores. Fui convidado e participei, mas não tivemos nenhuma conversa ou diálogo sobre a questão eleitoral que se avizinha”, disse em entrevista ao Diário do Nordeste.
A pesquisadora Monalisa Soares destaca que, neste momento de pré-campanha, Evandro tem investido em aproximar sua imagem à de Elmano e Camilo, “que já são as lideranças identificadas com o presidente Lula”.
“No caso do Lula, a expectativa é para a campanha, que é quando a gente vê a transferência acontecer. Nessa prévia, o Evandro está mais no momento de divulgação da imagem dele, de fazer-se mais conhecido, de explorar mais as redes e, na campanha, talvez possamos ver de forma mais intensiva essa associação com o presidente Lula, com o governador e com o ministro”, acrescentou.
Bolsonaro entra em cena
Do outro lado do espectro político, Bolsonaro já tem uma participação bem mais ativa. O ex-presidente esteve em Fortaleza no último dia 11 de abril para lançar a pré-candidatura do PL à Prefeitura.
Ele reforçou o nome do deputado federal André Fernandes (PL) na disputa majoritária pelo comando da Capital e prometeu que o postulante irá “mudar o sistema harmônico” da política cearense.
Na Capital, o mandatário incentivou a polarização da disputa ao lembrar o presidente Lula, a quem fez críticas, mas defendeu “olhar para o futuro”.
“Vamos pensar no futuro e o futuro de Fortaleza está aqui, é o nosso pré-candidato André Fernandes. É um jovem que teve coragem de se lançar para mudar o sistema harmônico que sempre operou por aqui com um jogando para o outro entre famílias, coronéis, amigos… Onde o que menos se interessa é o destino do povo”
A coordenadora do Lepem/UFC, Monalisa Soares, destaca que a candidatura de Fernandes, um “bolsonarista raiz”, tem interesses muito além do pleito deste ano. Segundo ela, essa chapa busca firmar o grupo e ampliar as bases do ex-presidente do Estado.
“Estamos falando de ampliar a sua bancada na Câmara de Fortaleza. Essa é uma candidatura que vai demarcar as posições desse grupo porque, mesmo que não chegue a ganhar o Paço Municipal — e não estou dizendo que não vai ganhar —, isso é uma grande preparação para as eleições de 2026”, aponta.
“Eu penso que na candidatura do André Fernandes já está muito patente que não haverá nenhum constrangimento de mobilizar a imagem do ex-presidente Bolsonaro, algo que o Wagner teve ao longo do tempo, especialmente na eleição de 2020, quando foi candidato. O André Fernandes já fez isso no lançamento da pré-candidatura, quando demarcou o seu lugar”, acrescenta.
Neste mês, o ex-presidente também começou a aparecer ao lado do pré-candidato cearense em inserções eleitorais gratuitas. Presidente do PL Ceará, o deputado estadual Carmelo Neto disse, em entrevista ao Diário do Nordeste, que a expectativa é de que Bolsonaro intensifique o engajamento na disputa local.
“Ele vai ter uma participação fundamental na pré-campanha e na campanha do nosso partido, do nosso pré-candidato, o deputado André Fernandes (...) É uma figura política das mais populares que este país já viu. Já esteve em Fortaleza e arrastou uma multidão e isso não é diferente em outros estados do país”, disse.
“O (ex-)presidente Bolsonaro vai estar presente, vai estar aconselhando, vai estar apoiando presencialmente nos momentos mais decisivos desta pré-campanha e campanha”, acrescentou.
Wagner e Girão
Com a pré-candidatura de Fernandes, os dois outros pré-candidatos da direita irão disputar o pleito sem apoio do ex-presidente. No caso de Capitão Wagner (União), o político recebeu apoio de Bolsonaro em 2020 e em 2022, quando foi candidato ao Governo do Ceará. Contudo, sempre foi visto com cautela pelas alas bolsonaristas mais fiéis no Estado.
No início deste mês, ao lançar sua pré-candidatura, o político novamente fez acenos a eleitores de centro. Segundo Wagner, uma de suas principais apostas será na diversidade do eleitorado.
“A grande diferença dessa campanha, sem dúvida nenhuma, vai ser o discurso maduro, sem radicalismo, sem briga, sem ofensa. Eu acho que isso tem chamado a atenção da população. Hoje, eu tenho eleitores de centro-esquerda, de centro, de direita, de direita radical, e o caminho é esse, a cidade de Fortaleza é muito eclética, não é uma cidade de um campo ideológico, é com esse perfil e com esses discurso que a gente vai ganhar a eleição”, disse.
“O Wagner sempre jogou nesse campo dúbio, com as insígnias do campo bolsonarista, mas sem assumir completamente o bolsonarismo. Foi exatamente isso que ele fez em 2020 e isso foi positivo e negativo, porque ele tentou não assumir completamente o bolsonarismo, mas, ainda assim, grande parte do voto, inclusive no Sarto, foi um voto de rejeição a um provável candidato bolsonarista, porque o Wagner não se assumiu bolsonarista, mas o Bolsonaro fez questão de apontar e dizer: ‘Esse é o meu candidato’”
Outro ponto destacado por Monalisa Soares é que o afastamento de outras siglas significa também menos tempo de propaganda eleitoral gratuita, menos recursos de campanha e menos aliados atraindo eleitores.
“A priori, para um candidato que tem o recall dele é relevante (esse distanciamento do Bolsonaro), mas isso pode esbarrar em uma diversidade de outros elementos de uma campanha que dizem respeito à estrutura, às próprias condições de competitividade”, conclui.
“O Sarto, que é uma candidatura de peso, é um incumbente, tem aliados de peso, como o ex-prefeito Roberto Cláudio, e tem o partido, que vai colocar muito empenho para manter a Capital. O Evandro tem o PT querendo avançar aqui, além de ser o partido do governador, do presidente e do ministro. O André Fernandes, que é estreante, tem um partido que quer crescer muito nessas eleições, tem muitos recursos e tem uma das maiores lideranças da oposição vinculadas a ele. Então o Wagner pode ter todos esses elementos positivos, de não ter que se vincular necessariamente a uma força, mas, às vezes, a força também pode ser uma fraqueza (...) a independência pode, no frigir dos ovos, não ser tanto (positiva)”
Já o senador Eduardo Girão (Podemos), que planeja disputar a Prefeitura da Capital, sempre se apresentou como um candidato independente, mesmo sendo um dos políticos cearenses mais abraçados pelas alas bolsonaristas.
“Para ele, ter uma campanha alinhada aos discursos mais extremados seria uma via arriscada, principalmente pela baixíssima adesão popular aos últimos projetos conservadores que tramitaram no Senado Federal. Mas, em termos práticos, a campanha de Girão deveria se preocupar mais com a desidratação da própria imagem política do candidato em comparação a outros conservadores, do que, propriamente, com sua vinculação a Bolsonaro”, acrescenta Mariana Dionísio.
Lula e Bolsonaro em outras campanhas
Apesar das principais lideranças petistas do Ceará terem reforçado mais de uma vez que Lula estará presente na campanha de Evandro Leitão para a Prefeitura de Fortaleza, historicamente o presidente não participou das campanhas eleitorais na capital cearense enquanto ocupou o Palácio do Planalto.
Em 2004, o PT estava dividido após a então deputada estadual Luizianne Lins ganhar a disputa interna e lançar candidatura à Prefeitura. Na época, o PT nacional — incluindo petistas próximos a Lula — defendia que o partido apoiasse Inácio Arruda (PCdoB). Apesar desta tese ter sido derrotada, muitas lideranças desta ala continuaram a apoiar Arruda durante a campanha para o 1º turno. Com isso, Lula ficou distante de Fortaleza naquele ano, quando Luizianne saiu vitoriosa.
Quatro anos depois, apesar do cenário político ser diferente, a ausência de Lula se manteve. Em 2008, ele — que estava na metade do segundo mandato na Presidência da República — disse que ficaria fora da campanha em cidades onde a sua base de apoio estivesse dividida. Em mais de uma ocasião, Luizianne Lins — que era candidata à reeleição — chegou a cobrar a participação do presidente.
Apesar de ter participado da propaganda eleitoral da então prefeita de Fortaleza, Lula acabou não vindo a Fortaleza participar de atos de campanha. Luizianne foi reeleita ao cargo ainda em 1º turno.
Após sair do Palácio do Planalto, a postura do petista mudou. Tanto em 2012 — quando o candidato do PT em Fortaleza era Elmano de Freitas — como em 2016 — quando Luizianne voltou a ser candidata a prefeita da Capital — ele esteve na capital cearense para participar de atos durante a campanha eleitoral.
Contudo, o PT foi derrotado nas duas ocasiões. Em 2012, Elmano de Freitas chegou ao 2º turno, mas a vitória foi de Roberto Cláudio (PDT). Já em 2016, Luizianne Lins acabou ficando na 3ª colocação — Roberto Cláudio disputou com Capitão Wagner o segundo turno da eleição.
No caso de Bolsonaro, a eleição municipal de 2020, enquanto ele era presidente, foi atípica. Por conta da pandemia de Covid-19, não só a data de votação foi adiada como atos de campanha na rua não eram permitidos. Apesar disso, ele anunciou apoio a Capitão Wagner por meio das 'lives eleitorais' que realizava. A primeira em que falou do apoio foi em outubro de 2020, pouco mais de um mês antes do dia da eleição.
"Em Fortaleza tem um Capitão lá, se Deus quiser vai dar certo. Já está à frente", disse na época. Apesar do apoio, Capitão Wagner preferiu manter uma postura de independência e chegou a citar votações na Câmara dos Deputados em foi contrário ao Governo Bolsonaro.