Reajuste salarial: 9 em cada 10 acordos salariais no Ceará não preveem ganho real
Dos acordos e convenções coletivas fechadas entre janeiro e abril deste ano, 95,5% delas tiveram correção igual ou menor que a inflação
A disparada no preço dos produtos e serviços em geral já tem gerado apreensão aos trabalhadores brasileiros nos últimos meses. No entanto, os empregados formais estão enfrentando uma segunda dificuldade: o reajuste salarial sem ganhos reais.
No Ceará, dos 178 acordos e convenções coletivas fechados entre janeiro e abril deste ano, 95,5% deles não previam aumentos reais na remuneração.
Desse total, apenas 8 acordos tiveram correção mediana real acima do índice inflacionário, enquanto 143 foram iguais à inflação, enquanto outras 27 ficaram abaixo.
As informações são do Salariômetro da Fipe, projeto que acompanha os reajustes salariais no País a partir de informações divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência (MTP).
Mesmo entre a menor parcela de acordos que indicam ganho real, a maior mediana observada no Estado foi de 1,84%.
O coordenador do Salariômetro e professor sênior da faculdade de Economia da USP, Hélio Zylberstajn, explica que, ao dividir uma amostra de dados em dois grupos, a mediana é o maior valor entre os menores valores.
Ele esclarece que a escolha da mediana em vez da média ocorre pela primeira ser mais estável, menos influenciada por valores fora da curva, especialmente em grupo de dados pequeno.
"Por exemplo, no caso do Ceará você tem cento e poucas observações, isso é uma amostra pequena. Se você tiver 3 ou 4 empresas que deram um reajuste muito alto, isso vai afetar a média", pontua.
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Inflação e estagnação
A falta de ganho real nos reajustes já concedidos em 2022 não é uma tendência observada apenas no Ceará, mas generalizada no Brasil.
Em todo o País, apenas 1,63% dos acordos e convenções concederam correções acima da inflação.
O professor indica que dois motivos tem causado essa discrepância entre a inflação e os reajustes. O primeiro é o baixo nível de atividade econômica brasileira somado à alta taxa de desocupação, o que retira o poder de negociação dos trabalhadores.
"Os trabalhadores não têm poder de barganha para exigir aumentos reais, porque o dono da empresa mostra o outro lado da porta da rua e tem uma fila de gente querendo trabalhar. Como é que você vai pedir aumento?", questiona.
Já o segundo motivo é o elevado indicador inflacionário registrado nos últimos meses, que alcançou a casa dos dois dígitos.
"Como nós estamos com a economia parada, ou quase parada, se a empresa der um reajuste muito grande ela não consegue repassar no preço esse aumento de custo. Então, ela desiste de dar reajustes grandes", explica Zylberstajn.
Setores
No Ceará, cinco categorias estão entre as que reajustaram o salário dos empregados em percentual maior que a inflação. O segmento de seguros privados concedeu o maior índice: 1,84%.
Além dele, também concederam ganhos reais radiodifusão e televisão, fiação e tecelagem, cemitérios e agências funerárias, e assessoria, consultoria e contabilidade.
Na ponta oposta, a mediana do setor de bares, restaurantes, hotéis, similares e diversão e turismo foi de -6,73%. Isso significa que o salário reajustado dessa compra menos que o salário de um ano atrás.
Confira a mediana de reajuste por categoria:
- Seguros privados 1,84%
- Radiodifusão e televisão 0,80%
- Fiação e tecelagem 0,34%
- Cemitérios e agências funerárias 0,18%
- Assessoria, consultoria e contabilidade 0,02%
- Estacionamentos / Garagens 0%
- Comércio atacadista e varejista 0%
- Telecomunicações, telemarketing, processamento de dados e tecnologia da informação 0%
- Transporte, armazenagem e comunicação 0%
- Construção Civil 0%
- Indústria do vidro 0%
- Gráficas e editoras 0%
- Indústrias de alimentos 0%
- Confecções / Vestuário 0%
- Vigilância e segurança privada 0%
- Agricultura, pecuária, serviços agropecuários e pesca -0,08%
- Limpeza urbana, asseio e conservação -0,10%
- Organizações não governamentais -0,13%
- Condomínios e edifícios -0,74%
- Refeições coletivas -1,16%
- Indústria metalúrgica -1,58%
- Comércio de derivados de petróleo -4,16%
- Bares, restaurantes, hotéis, similares e diversão e turismo -6,73%
Zylberstajn explica que os setores que estão dando reajustes abaixo da inflação são os que estão sofrendo mais com o encolhimento da economia e possivelmente ainda iniciando uma recuperação mais sustentável.
Longo período sem aumento real
O coordenador do Salariômetro lembra que a situação não é nova. A última mediana de reajuste real registrada no País, apesar de irrisória, foi em setembro de 2020, quando o indicador ficou em 0,06%.
"Na verdade, o último um pouco mais expressivo, de 0,45%, foi em dezembro de 2019", afirma.
Do ponto de vista do trabalhador, a combinação de inflação elevada e perda do poder de compra dos salários é preocupante e acaba influenciando no ritmo de recuperação da economia.
"Essa situação tem duas implicações importantes: primeiro, para a família do trabalhador, que está trazendo cada vez menos dinheiro para casa, menos capacidade de consumir. Então, as famílias têm que fazer ginástica para continuar pagando suas contas", elenca.
O outro aspecto é macroeconômico, uma vez que dois terços do PIB brasileiro é referente ao consumo das famílias.
"Se as famílias estão perdendo capacidade de consumo, isso compromete o crescimento do PIB. É muito frustrante, pra não dizer o mínimo, ter um reajuste menor que a inflação, tem gente passando fome. Mas do ponto de vista macroeconômico, tira a possibilidade dessa situação melhorar", alerta.
O cenário não tem perspectiva de melhora no curto-médio prazo. Projeções de instituições financeiras preveem inflação acima de 8% até meados de março de 2023.
Conforme Zylberstajn, isso significa que pelo menos nos próximos 12 meses os trabalhadores não devem receber ganhos reais.