Quase metade dos beneficiários do Agroamigo no Ceará é mulher; artesanato e culinária são destaque

Programa de apoio ao agricultor familiar funciona de forma similar ao Crediamigo, voltado para o meio rural

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém artesanato em barro
Legenda: Artesanato é uma dos principais destinos dos recursos do Agroamigo
Foto: Fabiane de Paula

Em 1989, a agricultora Maria do Socorro Nascimento começava a dar os primeiros passos no artesanato em argila em Missão Velha, no Cariri. Mas somente a partir de 2006, com a adesão ao Agroamigo, do Banco do Nordeste (BNB), que ela montou um ateliê para evoluir enquanto artesã. Do total de clientes do programa, 46% são mulheres que se destacam, entre outras atividades, com artesanato e culinária.

"Trabalho com artesanato em argila há 34 anos. A princípio eu fazia jarros, potes, essas peças tradicionais. De 2006 para cá, passei a inovar, criando o mensageiro dos ventos de diversas modalidades, jarros decorativos, vasos grandes e pequenos, acessórios como colares e também produtos religiosos, como terços", elenca.

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Atualmente morando no Sítio da Baixa do Quaresma, uma das localidades do município, Maria do Socorro tem uma produção diversificada no ateliê, entre produtos utilitários, decorativos e religiosos. São quase 800 utensílios entregues mensalmente pela artesã.

Ela declara que ainda mantém as atividades desempenhadas na roça, como agricultora, mas que o artesanato é o seu verdadeiro ofício. Para a artesã, o Agroamigo "mudou a vida profissional", sendo fundamental na montagem do ateliê.

Tem sido sempre o meu companheiro no desenvolvimento da minha atividade artesanal. É um programa que veio para ajudar o pequeno trabalhador rural, dá incentivos e descontos se a gente pagar em dia, até 40% dependendo do contrato. Depois de 17 anos de trabalho, e eu tinha vontade de construir o meu espaço de trabalho e trabalhar por conta própria. Só tinha o sonho e a coragem, e foi quando o Agroamigo chegou na minha história, fazendo a diferença.
Maria do Socorro Nascimento
Artesã e agricultora

INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO RURAL

Os dados até junho de 2023 mostram que a área de abrangência do Agroamigo desembolsou cifras bilionárias. Em 18 anos de existência, o programa já aplicou aproximadamente R$ 30 bilhões em 7,18 milhões de operações contratadas.

No Ceará, os números do BNB indicam que o Agroamigo realizou 960 mil operações desde 2005, com a aplicação de R$ 3,72 bilhões.

No caso da artesã Maria do Socorro, a contratação do programa está longe de ser um caso isolado. De acordo com o superintendente de Agronegócio e Microfinança Rural do BNB, Luiz Sérgio Machado, quase metade de todo o crédito do Agroamigo é destinado às mulheres.

“Quando a gente trabalha a mulher, não trabalhamos a mulher na produção da agricultura. Qual a outra atividade no meio agrícola não rural que ela produz que gere renda? Pode ser fabricação de queijos, doces e artesanato. Apesar de o Agroamigo estar no meio do campo, não precisa ser necessariamente atividades rurais”, pondera Machado.

Foto que contém o artesanato de agricultura familiar
Legenda: Maria do Socorro é uma das agricultoras familiares beneficiadas com o Agroamigo
Foto: Arquivo Pessoal

O superintendente ainda traz dados sobre as atividades não agrícolas ligadas ao meio rural. Segundo o gestor do BNB, cerca de 12% de todo o crédito contratado pelo Agroamigo vai para essas práticas.

O fato de boa parte das mulheres conseguirem êxito nas atividades fez o programa passar pela expansão. Antes, apenas pessoas com renda bruta de até R$ 23 mil anuais poderiam contratar o crédito, mas Luiz Sérgio Machado explica que, com o crédito concedido, a realidade sócio-econômica mudou.

“É do programa possibilitar a inserção do empreendedorismo feminino, que é muito mais complicado no meio rural dada ainda a formação patriarcal”, frisa.

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Com a visita do presidente Lula à sede do BNB, em Fortaleza, Luiz Sérgio Machado revela que serão feitos alguns anúncios importantes, mas que ainda não podem ser adiantados.

Para 2024, no entanto, o superintendente aponta que o programa deve bater o recorde da aplicação de recursos, com R$ 10 bilhões a serem disponibilizados na esteira do Plano Safra.

“Começamos a expandir a parceria do INEC, Instituto Nordeste Cidadania, contratamos mais 300 agentes de crédito para aumentar o programa para crescer as duas modalidades do Agroamigo. No Plano Safra atual, vamos colocar à disposição R$ 8 bilhões e no Plano Safra anterior, R$ 5 bilhões. No Nordeste todo, devemos aplicar em 2024 recursos da ordem de R$ 10 bilhões, 67% a mais em relação aos recursos que vão ser aplicados em 2023”, projeta.

R$ 10 bilhões
Esse é o montante a ser investido pelo Agroamigo em 2024 em todo o Nordeste a partir do Plano Safra

O QUE É O AGROAMIGO?

O Agroamigo entrou em vigor em 2005 na esteira do sucesso do Crediamigo, voltado para os pequenos e médios empreendedores e trabalhadores informais que buscavam créditos a juros mais baixos junto a bancos. 

Os dois programas seguem os mesmos requisitos, sendo que o de Microfinança Rural é focado nas necessidades dos trabalhadores do campo, que desempenhem atividades relacionadas com o meio rural, sejam elas agrícolas ou não.

Com isso, os agentes de microcrédito são enviados até a localidade que deseja contratar empréstimo para o desenvolvimento das atividades, com o objetivo do acompanhamento dos agricultores familiares durante todo o processo de captação de recursos.

O Agroamigo é voltado para agricultores familiares que estejam enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). É preciso ainda que esses trabalhadores tenham o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) do Pronaf válido.

Atualmente, o Agroamigo tem duas modalidades de programa. São eles:

  • Agroamigo Crescer: voltado para agricultores enquadrados no grupo B do Pronaf;
  • Agroamigo Mais: voltado para agricultores enquadrados no grupo variável do Pronaf com renda bruta de até R$ 360 mil anuais.

O grupo B do Pronaf inclui os agricultores familiares de menor renda (até R$ 23 mil anuais). Segundo o Governo Federal, isso diz respeito ao público da agricultura familiar menos estruturado que quer financiamento agropecuário e não agropecuário para atividades desenvolvidas no estabelecimento rural ou nas proximidades.

Já o grupo variável engloba as pessoas que não estão nos grupos B, A e C (agricultores assentados) do programa. No caso específico do Agroamigo, estão incluídos os agricultores familiares com renda bruta de até R$ 360 mil por ano.

Foto que contém agricultura familiar
Legenda: Agricultura familiar mantém boas práticas de sustentabilidade
Foto: Honório Barbosa/Arquivo Diário

SUSTENTABILIDADE

O Agroamigo possibilitou que a agricultura familiar tivesse um programa exclusivo para a captação de crédito de modo a pensar em maior mobilidade sócio-econômica. Para o economista ecológico Aécio Alves, a “descoberta” da agricultura familiar possibilitou que a agricultura de subsistência do semiárido crescesse significativamente.

“As pessoas praticavam sua agricultura para autoconsumo fundamentalmente e era preciso que houvesse uma perspectiva mais ampla para vender o excedente e comercializá-los. Ele terminou sendo enquadrado naquela faixa do Pronaf B para incluir outros setores. Quando incluiu outros setores, o crédito fica pulverizado, as operações foram bastante expressivas”, expõe.

Com as novas práticas de sustentabilidade, sobretudo evitando o uso de fertilizantes químicos para a plantação, Aécio Alves acredita que a expansão do programa deve elevar ainda mais o patamar da agricultura familiar.

“Acho que as perspectivas são melhores em função do grau de conhecimento que se tem das pesquisas que foram feitas junto a agricultura familiar e mais ainda em função das emergências climáticas, que chama a atenção para a necessidade de mudar o modo de produção da agricultura familiar. Espera-se que isso amplie e que seja direcionado para práticas agroecológicas, que possibilitarão a produção de excedentes saudáveis”, avalia.

 

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