Programa que traz Lula ao Ceará, Crediamigo faz 25 anos e foi inspirado em modelo de Bangladesh

Criado em 1997, programa de microcrédito produtivo e orientado visa auxiliar microempreendedores individuais (MEI) e microempresas. Crediamigo tem como inspiração iniciativa asiática

Escrito por Ingrid Coelho , ingrid.coelho@svm.com.br
Legenda: Crediamigo, que nasceu inspirado nesse caso, se destina aos negócios com faturamento abaixo dos R$ 360 mil anuais (microempresa) e que possuem dificuldades de acesso ao sistema financeiro tradicional
Foto: Fabiane de Paula

Fundamental para desenvolver economias em que as empresas menores são os principais vetores de emprego, o microcrédito produtivo orientado no Estado - e no Brasil - teve como precursor o Banco do Nordeste (BNB) e completa 25 anos totalizando R$ 34,2 bilhões aplicados no Ceará distribuídos entre 18,7 milhões de operações.

Ao todo, o programa já beneficiou 7,3 milhões de pessoas. A celebração de aniversário da iniciativa, o Crediamigo, será nesta sexta-feira (1º), na sede do Banco do Nordeste, com a presença do presidente Lula.

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O superintendente de Microfinança Urbana e Microempresas do BNB, Helton Chagas Mendes, destaca a importância social do Crediamigo. “Atua na base da pirâmide, um público com muita dificuldade de conseguir acesso ao crédito por não ter garantias ou ter uma contabilidade efetiva”, pontua.

Ele lembra que esses clientes muitas vezes começam com um empréstimo bem pequeno e acabam evoluindo o negócio, gerando mais empregos e divisas para a máquina pública. “Temos mais de dois milhões de clientes ativos, em sua maioria pessoas que desenvolvem atividades como microempreendedores no setor informal, sequer possuem CNPJ, a maioria trabalha como pessoa física”.

O banco apoia essas pessoas para que eles cresçam. O programa é transformador, temos histórias de pessoas que acessaram financiamentos de R$ 100, R$ 200 e hoje passaram para outras operações do BNB porque o negócio cresceu"
Helton Chagas Mendes
Superintendente de Microfinança Urbana e Microempresas do BNB

“Temos o caso de doceiras que a gente financiou e hoje uma dessas clientes deu um depoimento dizendo que a loja é a maior da cidade dela”, acrescenta Chagas.

O setor preponderante na tomada de crédito a partir do programa é o comércio (80%). Outros 10% correspondem à indústria e o restante da carteira é ocupada pelo setor de serviços, a exemplo de borracheiros, costureiras, sapateiros e outros.

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Crediamigo Delas

As mulheres representam a maioria no universo de clientes do Crediamigo. O superintendente de Microfinança Urbana e Microempresas do BNB explica que elas são 69% do público do programa em toda a área de atuação e que o dado é parecido quando olhamos apenas para o Ceará.

“São vendedoras de roupas, boleiras. A organização das mulheres é muito mais forte do que a dos homens”, justifica. “Nas palestras de captação que fazemos, elas, as mulheres, percebem muito mais uma oportunidade de investimento do que os homens”, detalha Chagas.

A preponderância das mulheres no programa culminou na criação de um produto específico para o público feminino: o Crediamigo Delas. “É destinado a grupos solidários formados por mulheres. Em dois anos nós aplicamos R$ 2 bilhões, superando a nossa expectativa de aplicar R$ 1 bilhão”.

Veja alguns números do Crediamigo

  • Cada cliente contrata, em média, R$ 2,8 mil;
  • R$ 6,1 bilhões aplicados em 2023 em toda a área de atuação do BNB;
  • Desses R$ 6,1 bilhões, cerca de 30% foi aplicado no Ceará;
  • 472 unidades do Crediamigo do BNB em toda a área de atuação do banco, sendo 131 no Ceará;
  • O capital de giro solidário responde por 70% das operações do Crediamigo;
  • Comércio responde por quase 80% das operações;
  • 69% dos clientes do Crediamigo são mulheres.

Como nasceu

O economista e superintendente de Finanças e Mercado de Capitais do BNB - com passagem também pela superintendência de Microcrédito da instituição -, Alex Araújo, contextualiza que o microcrédito ganhou destaque mundial a partir de uma iniciativa para oferta de crédito a mulheres em Bangladesh.

“O microcrédito ganhou destaque na década de 90 após essa experiência e o modelo começou a ser reproduzido ao redor do mundo como uma alternativa de financiamento para atividades no limiar da informalidade e para os pequenos, mesmo formais, que ainda tinham dificuldade de acesso ao sistema financeiro tradicional”, detalha Alex Araújo.

Assim, o Crediamigo, que nasceu inspirado nesse caso, se destina aos negócios com faturamento abaixo dos R$ 360 mil anuais (microempresa) e que possuem dificuldades de acesso ao sistema financeiro tradicional. Essa dificuldade, na avaliação de Araújo, se dá pela falta de garantias que esse público tem a oferecer ao sistema financeiro formal e pelo desconhecimento da capacidade de pagamento.

“Todo o alicerce do Crediamigo está na construção do grupo solidário. Como as pessoas com renda mais baixa admitem dar uma garantia para a dívida do outro? Isso só é possível porque se trabalha muito na construção do grupo solidário. Já a lacuna da capacidade de pagamento é mitigada com o trabalho do agente de crédito, que é muito importante”, frisa Araújo.

Ele explica que, para que o agente de crédito consiga ter a percepção assertiva em relação à capacidade de pagamento do cliente, há alguns elementos: comumente essa pessoa é membro da própria comunidade dos clientes atendidos e há uma preparação demorada desse agente para o trabalho, além das visitas ao cliente para identificação sobre a capacidade de pagamento.

“A formação do grupo solidário é muito importante. Quanto maior a unidade desse grupo, maior a possibilidade de sucesso dos negócios”, diz Araújo.

Inadimplência é gargalo

A inadimplência é um dos problemas no escopo do microcrédito e, de acordo com Araújo, o agente de crédito é muito importante para mitigar esse gargalo. Ele frisa que ainda há efeitos nítidos da inadimplência gerada pela pandemia.

“Quando olhamos as estatísticas do microcrédito, houve uma explosão (da inadimplência), não relacionada às bases do programa (confiança), mas pelo ambiente de pandemia que afetou a capacidade de pagamento”, lamenta Araújo.

Chagas revela que, antes da pandemia, a taxa de inadimplência do Crediamigo girava em torno de 2,5%. “Hoje temos 5%, 5,5% no programa, se olharmos para as microfinanças em geral essa taxa é de 21%, então estamos muito abaixo em função da presença do agente de crédito, da nossa metodologia de acompanhamento e de proximidade com o cliente, beneficiando a comunidade assistida”.

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