Programa Desenrola pode deixar de existir se PL não for votado até segunda-feira no Senado; entenda

Iniciativa para proporcionar a quitação de dívidas passa a vigorar com o teto dos juros rotativos do cartão de crédito, ambos pendentes de votação no Congresso

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém contas varejo
Legenda: Contas do varejo, água, luz e telefonia entram em nova fase do Desenrola Brasil
Foto: Thiago Gadelha

A fase de leilões do Desenrola Brasil enfim encerrou nesta quarta-feira (27) com a expectativa de colocar mais de 700 credores para arrematar dívidas de inadimplentes. O programa como um todo, porém, está com a vigência em risco devido ao projeto de lei que o regulamenta.

Criado por meio da Medida Provisória (MP 1176/2023), o Desenrola Brasil está em vigor desde 6 de junho e teria duração inicial de sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta. O Governo estendeu a validade do programa até o dia 3 de outubro, próxima terça-feira, e caso o projeto de lei (PL 2685/2023) que oficializa a iniciativa não seja votado até semana que vem, perde a validade.

Com a MP caducando, o programa, oficialmente denominado Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes — Desenrola Brasil, deixa de existir. Caso seja aprovado no Senado, a validade da iniciativa será até o fim deste ano.

O texto já foi aprovado pela Câmara e está no Senado Federal sob a relatoria de Rodrigo Cunha (Podemos-AL). O projeto tramita em regime de urgência e, na quarta-feira (27), após pressão do Governo Federal, Cunha anuciou que o PL deve ser votado nesta quinta-feira (28) pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). No plenário, a previsão é de que a votação ocorra na próxima segunda-feira (2). Nos dois casos, o documento será apresentado em sessões extraordinárias.

Para além do Desenrola 

Não é apenas o programa de renegociação de dívidas quem está pendente de votação no Senado Federal. No mesmo pacote econômico que visa regulamentar o Desenrola Brasil, encontra-se ainda a limitação dos juros rotativos do cartão de crédito. 

Essa taxação é acionada quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão, e os juros incidem sobre o valor restante. Atualmente, os juros rotativos giram próximos dos 440% ao ano, o que é considerado abusivo por especialistas. 

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Na proposta do Governo Federal, o rotativo seria limitado a 100% ao ano, ou seja, o valor da fatura, somado a juros e encargos, deverá ser, no máximo, ao preço original do débito. 

As emissoras dos cartões de crédito terão 90 dias, após a promulgação da lei, para apresentarem proposta diferente, que deverá ser apreciada e pode ou não ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Caso isso não aconteça, prevalece o texto do Governo Federal. 

Oficialmente, tanto o Desenrola quanto o limite dos juros rotativos do cartão de crédito serão instituídos pelo PL 2685/2023, que institui o Programa Nacional de Renegociação das Dívidas das Famílias (ReFamília). 

No caso específico do programa de renegociação, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgou detalhes sobre os dois primeiros meses de Desenrola Brasil. São eles:

  1. Em 2 meses, bancos renegociaram R$ 13,2 bilhões em dívidas;
  2. 1,9 milhão de dívidas negociadas, beneficiando 1,460 milhão de clientes bancários;
  3. Cerca de 6 milhões de clientes com dívidas de até 100 reais foram desnegativados.

Quem será beneficiado?

Passada a regulamentação, a nova fase do Desenrola é chamada oficialmente de faixa 1. Ela é voltada para pessoas de menor renda, e deve atingir a maior faixa dos inadimplentes no Brasil.

A estimativa do Ministério da Fazenda é de que mais de 30 milhões de brasileiros cumprem os requisitos para estarem inclusos na faixa 1, voltada para pessoas com renda até dois salários mínimos mensais (R$ 2.640) ou inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Nesta fase, os clientes podem renegociar os débitos, de bancos ou não, cujo valor somado dos boletos não ultrapasse R$ 5 mil reais.

Para participar, é necessário inclui o acesso ao portal gov.br, plataforma do Governo Federal. É obrigatória a realização do cadastro no site, e para ter direito à renegociação, os devedores devem ter conta nível Prata ou Ouro. Todos os trâmites para acordos de débitos serão iniciados através do meio virtual.

Para habilitar o nível Prata, é preciso:

  • Validação facial pelo aplicativo gov.br junto à Carteira Nacional de Habilitação (CNH), ou;
  • Validação facial dos dados pessoais via internet banking de banco credenciado. São eles: Agibank, Banco do Brasil, Banrisul, Bradesco, Banco de Brasília, Caixa, Itaú, Mercantil do Brasil, Santander e Sicredi, ou;
  • Validação dos dados com usuário e senha do Sistema de Gestão de Acesso (Sigepe), no caso de servidor público federal.

Já para habilitar o nível Ouro, é necessário:

  • Validação facial pelo aplicativo gov.br para conferência de fato nas bases da Justiça Eleitoral, ou;
  • Validação dos dados com certificado digital que seja compatível com o ICP-Brasil.  

40 milhões
Esse é o número aproximado de pessoas a serem beneficiadas pela nova faixa do Desenrola Brasil

Retorno do nome limpo

Diferente da fase 2 do Desenrola Brasil, voltado para pessoas com renda acima de dois salários mínimos até R$ 20 mil mensais e com débitos, independente do valor, exclusivamente junto a instituições financeiras, a nova etapa do programa visa ampliar o leque para movimentar a base da economia.

Além das dívidas com bancos, poderão ser renegociados os débitos com contas essenciais (tais como água, energia elétrica, gás e telefonia) e junto ao varejo, desde que, somados, os vencimentos não ultrapassem os R$ 5 mil.

Foto que contém dívidas
Legenda: Dívidas poderão ser renegociadas nos próximos dias
Foto: Kid Júnior

“(Essa fase) pretende pegar as pessoas com dívidas essenciais, como água, luz e telefone, e não só dívidas bancárias. O que se espera agora é que se consiga pegar um número maior de pessoas e que você consiga limpar o nome dessas pessoas. O objetivo maior do Desenrola é fazer com que as pessoas tenham o nome limpo e voltem a comprar. Nesse processo de negociação, você tem que colocar no seu orçamento o pagamento da dívida, porque se não pagar, volta à situação anterior. O importante é fazer uma negociação que caiba no orçamento”, pondera Érico Veras, economista e professor do departamento de Contabilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O especialista também enxerga positivamente o ajuste nos juros rotativos do cartão de crédito, mas atenta para o momento econômico brasileiro. Embora os indicadores apontem para melhorias, havendo não são preços menores, e sim mais estáveis, ainda altos, que necessitam de parcimônia.

A gente precisa tomar cuidado porque embora as coisas estejam melhorando, não quer dizer que os preços do passado baixaram. Nós não estamos com deflação, estamos dizendo que os preços não estão subindo. Mas se os preços subiram e o salário não, se continua em uma situação de menor poder aquisitivo.
Érico Veras
Economista e professor de Contabilidade da UFC

Com a regulamentação do Desenrola e o leque de beneficiados aumentando, a expectativa é de empoderar aqueles consumidores assistidos por programas sociais durante a pandemia, que por vezes precisaram priorizar um débito essencial, como alimentação, em detrimento de outro, como água e luz, como explica o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra.

“Potencializa pessoas com dívidas diversas e durante aquele período em que estavam recebendo auxílio do Governo, também fizeram aquele processo de financiamento. Hoje esse índice de pessoas com parcelas em atraso dessas operações é muito grande. Existe essa possibilidade de flexibilização e da capacidade que essas pessoas coloquem a sua situação em dia e voltar a ter capacidade de crédito”, defende.

Aliado ao programa federal, o economista argumenta que é essencial serem criadas ferramentas que estimulem a educação financeira das pessoas inadimplentes, de modo que não haja o retorno à situação anterior.

“O ideal é não só criar um mecanismo de negociação permanente, mas também cursos de capacitação, educação financeira que mostre a importância da organização financeira, a capacidade de organizar como se ganha a renda, mas principalmente como se gasta a renda recebida, como você estrutura as suas despesas diversas”, aponta.

Na ponta do lápis

Para as pessoas conseguirem finalmente sair da inadimplência, Carla Beni, economista e professora de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pontua que é preciso abrir mão de tecnologias ousadas e apelar para o tradicionalismo do papel e caneta.

Sempre o que for mais fácil, rápido, e que a pessoa consiga um resultado. Não adianta falar para baixar aplicativo, usar o computador. A recomendação é pagar papel e caneta, anotar todos os gastos feitos em um prazo de seis meses, por exemplo, e coloca na porta da geladeira. É preciso que todo mundo da casa veja, conversar sobre dívidas, planejamento, porque ninguém quer ficar negativado.
Carla Beni
Economista e professora do MBA da FGV

A especialista parabeniza ainda a criação positiva do mecanismo do Desenrola e da limitação dos juros do crédito rotativo. Segundo Carla Beni, a atual configuração dos encargos acaba criando problemas de endividamento que fazem os débitos se acumularem em esquema de bola de neve.

Foto que contém cartões de crédito
Legenda: Além do Desenrola, limitação do rotativo do cartão de crédito também ajuda a diminuir a inadimplência
Foto: Shutterstock

“A pandemia provocou perda de renda, o processo inflacionário sacrificou o bolso, e as pessoas deixaram de pagar a conta de água e luz para comprar comida. Quanto pior for a situação das pessoas, da família, a renda vai sacrificando. Uma coisa é deixar de comprar roupa e sapato para poder pagar a luz, outra é tirar do supérfluo para pagar uma necessidade, outra coisa é quando você tem duas necessidades. Você tem um tempo para resolver essa questão, então você vai hierarquizando”, salienta.

Com as contas equilibradas, a expectativa é de um fomento ao comércio e serviços pelo retorno de setores da base da economia no consumo. Quem assinala é Wandemberg Almeida, economista e conselheiro do Corecon-CE. Para ele, uma fatia considerável da população endividada passará a ter o nome limpo, com mais possibilidade de acesso ao mercado de crédito.

“Os impactos esperados nessa renegociação são os melhores. A gente vai ver mais de 30% da população que está com essas dívidas indo atrás, renegociar, teremos milhões retornando para as contas das empresas que antes não imaginavam que teriam esse retorno, vamos ter o crédito voltando a circular para poder a população voltar a consumir”, projeta o especialista.

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