Pratos prontos, salames, iogurtes e mais: 'vencidinhos' têm descontos de até 70%
Comerciantes de Fortaleza relatam aumento da procura com a pandemia e alta de preços dos alimentos
Por volta das 17h30 o vendedor Francisco Leal já está com tudo pronto para ir às ruas. A caminhonete está abastecida de produtos como iogurtes e pratos prontos congelados.
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Todos os dias ele visita de 10 a 15 supermercados e atacadistas para comprar os produtos que estão próximos de vencer. E, à noite, ele vai à praça vender os itens com preço promocional.
O vendedor escolhe sempre o período da noite, para que os produtos não descongelem. O carro passa de terça a sábado na Praça da Estação.
Geralmente é assim, a gente bota uma margem de 10%, 12% em cima do que compramos. Em supermercado, eu já trabalhei em supermercado, é de 25%, 30% por cento [de margem]. Aí a gente consegue vender mais barato que o supermercado. Aí você consegue ter uma clientela fiel, e o cliente hoje está procurando isso, produto mais barato".
Francisco conta que trabalhava em uma rede de supermercados, mas consegue hoje ganhar mais de forma independente, se especializando nos fifos. Além do comércio na Praça da Estação, ele entrega produtos em maior quantidade para alguns restaurantes.
Aumento com a pandemia
No bairro Moura Brasil, o mercadinho Estação dos Frios trabalha com foco nos produtos próximos ao vencimento já há 4 anos. Mas, segundo o proprietário da loja, José Milton Leal, a procura cresceu nos últimos anos, sobretudo devido à alta dos alimentos.
A principal forma de divulgação das promoções é por meio de grupos no Whatsapp. Antes da pandemia, eram 4 grupos e hoje já são 7, cada um com 254 membros.
O comércio oferece descontos de 50% a 70% em produtos como pratos prontos, salames, linguiças, lasanhas e iogurtes. É possível encontrar itens faltando mais de um mês ou apenas alguns dias para o consumo.
“Às vezes [supermercado] atacado liga pra gente para ir buscar a mercadoria faltando poucos dias pra se vencer e a gente vai lá, negocia e traz para o cliente. E eles gostam disso, né? Eles gostam de preço, promoção”, conta.
O mercadinho começou com apenas um funcionário e hoje já tem cinco pessoas. José conta que gostaria de ampliar o espaço e só ainda não o fez por falta de disponibilidade nas redondezas. Segundo ele, nunca houve prejuízo.
“Se o produto falta um dia para se vencer, eu vendo até de R$ 1. Se eu não vou conseguir vender e tem dez caixas, aí eu vou no grupo e queimo. E os clientes vêm buscar”, diz.
Concorrência
A sócia do Supermercado Opção, Viviane Santos, conta que o estabelecimento já teve um foco maior na venda de produtos próximos ao vencimento, mas que a seção tem diminuído devido à maior dificuldade de conseguir os itens junto aos fornecedores.
Ela avalia que esse estoque caiu por volta de 60% porque os fifos não chegam a sobrar nas indústrias.
Depois da pandemia, eles fecharam algumas indústrias e a produção acabou diminuindo muito. A gente consegue ainda mortadela, linguiça, salame e empanado. Hoje em dia, os supermercados grandes já compram esse tipo de alimento também".
Uma explicação seria a maior concorrência: com a maior busca por produtos mais baratos, supermercados grandes que antes venderiam o estoque próximo ao vencimento para mercadinhos preferem vender para os próprios consumidores.
Para ela, a concorrência com as grandes redes se torna desleal para os mercadinhos de bairro. Ao mesmo tempo, a demanda faz com que mais negócios do tipo surjam.
“É só torcer para que esses produtos venham com mais constância para que a gente possa atender os clientes. Porque na periferia a gente tem que fazer um trabalho diferenciado para atender o cliente”, espera.
Estratégia para chamar clientela
Viviane destaca que o comércio de produtos próximos ao vencimento ajuda o supermercado a ter uma alta de receita.
“A margem de lucro desse produto é bem baixa, porque ele precisa sair rápido. A gente coloca barato para chamar cliente, que acaba levando também outros produtos, não só o perto do vencimento”, explica.
No bairro Granja Portugal, o Mercadinho Daniel também adotou a estratégia. De acordo com o gerente, Max Morais, as vendas melhoraram nos últimos dois meses, quando o pequeno negócio começou a vender os produtos próximos ao vencimento.
Quando tem oferta diferenciada eles [clientes] gostam, né? Tem a oferta, e esse aí a gente chama de ‘oferta diferenciada’, porque é uma coisa que dá mais de 50% de diferença do preço normal, até mais. Aí a pessoa viria para comprar só um e não compra um, compra mais
Apesar dos bons resultados até o momento, o comércio não pretende aumentar a seção promocional.
“Isso aqui não é muito bom a gente encher, que contamina o cliente, que vê aquela mercadoria no preço cheio. Acontece de a gente ter alguma mercadoria que a gente está vendendo barato, aí depois o cliente não entende, acha que aumentamos demais. ‘Ah, semana passada comprei de 1,50, hoje já é 3,50, por quê?’”, diz.