Por que os milionários pagam menos Imposto de Renda do que médico, policial e professor no Ceará?
Levantamento da Sindifisco Nacional identificou que os super-ricos brasileiros pagam uma alíquota menor do que assalariados de renda média e alta no Ceará e no Brasil
Os super-ricos brasileiros pagam uma alíquota menor de Imposto de Renda para Pessoa Física (IRPF) do que enfermeiros, médicos, policiais e até professores do Ceará, conforme dados do Sindicato dos Auditores-fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional). Para o levantamento, foram consideradas informações a partir das declarações de 2022 (ano-calendário 2021). A pedido do Diário do Nordeste, a associação incluiu a remuneração média dos profissionais do Estado.
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Assim como em todo o País, essa discrepância no pagamento de tributos entre camadas sociais, observada no recorte regional, ocorre porque grande fatia dos rendimentos dos milionários é proveniente de lucros e dividendos, recursos isentos de tributação desde 1996 no Brasil.
Portanto, a alíquota efetiva — ou seja, o percentual da renda realmente taxado pelo IR — acaba sendo menor para essa parcela da população (1%) que concentra a riqueza do País.
Veja a alíquota por faixa de renda:
Segundo o estudo, os contribuintes que receberam R$ 3,1 milhões no ano de 2021 (240 salários mínimos mensais) pagaram, em média, 5,31% de taxa. Já trabalhadores com ganhos menores desembolsaram mais (ver tabela abaixo).
A alíquota cobrada dos milionários (5,31%) é inferior à descontada nos vencimentos de um médico no Ceará (12,78%), ou de um enfermeiro (8,73%), ou de um policial militar (7,23%). Até o professor (5,54%) banca um pouco mais do que um super-rico.
Como os trabalhadores de rendimentos médio e alto (mas não super-ricos) têm boa parte da remuneração oriunda de salários, eles acabam sendo mais onerados, conforme explica o presidente do Sindifisco Nacional, Isaac Falcão.
“Esse é o caso extravagante da singularidade brasileira. Nós não tributamos lucros e dividendos. Por outro lado, a principal fonte de renda das pessoas mais pobres e da classe média é o salário, e a gente tributa até 27,5%”, compara, lembrando que a tabela atual do IR inclui quatro faixas de renda, com uma alíquota progressiva até o percentual citado.
“Quanto mais importante o salário em relação ao total de rendimento de uma pessoa, mais imposto de renda ela vai pagar”, reforça.
Falcão enfatiza que o sistema tributário brasileiro gera desigualdades por onerar proporcionalmente mais aqueles desprovidos de maior poder aquisitivo, incluindo as mulheres e a população preta. Isso acontece porque a taxação é concentrada no consumo, ocasionando a chamada regressividade (quando se arrecada mais de quem ganha menos).
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Para ele, a correção dessas assimetrias ficou de fora da Reforma Tributária, embora o texto tenha mecanismos como taxas reduzidas para setores e o cashback, cuja ideia é devolver parte do imposto pago para famílias de baixa renda.
“Não podemos depender da formalização de todo o mercado brasileiro. Por exemplo, quando você reduz a alíquota de um tributo, isso não significa que a empresa vai reduzir o preço do produto. Em mercados concentrados, como o de medicamentos, é possível a empresa simplesmente manter o preço e aumentar seu lucro”, sublinha.
Sobre o cashback, Falcão analisa ser necessário aguardar a lei complementar a ser publicada. No entanto, pondera, para viabilizar essa devolução, é preciso levar em conta que grande parte do consumo de famílias mais pobres também ocorre no mercado informal, como mercadinhos de bairros.
As mudanças recentes vão mudar essa realidade?
No último dia 28, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma medida provisória (MP) para cobrar 15% a 20% sobre os fundos exclusivos (investimentos milionários em aplicações como ações ou renda fixo), conhecidos como fundos dos super-ricos. Também foi assinado um projeto de lei sobre a taxação de fundos offshore (quando o dinheiro está fora do Brasil, mas é administrado daqui).
Ambos os mecanismos são usados para driblar os tributos no País. Todavia, essas ações ainda não resolvem a questão dos lucros e dividendos. Há uma expectativa, porém, de que uma segunda parte da Reforma Tributária incluirá o fim dessa isenção e “colocará os ricos no Imposto de Renda”, conforme promessa do presidente Lula.
Para o diretor executivo da Associação dos Auditores Fiscais da Administração Fazendária do Estado do Ceará (Auditece), Juracy Soares, as medidas recentes não “ têm um impacto capaz de igualar a carga àquela suportada pelos contribuintes abaixo da pirâmide”.
“Contudo, é um começo. Trata-se de uma sinalização do Governo Federal, que há disposição para equilibrar essa carga, por meio da redistribuição”, avalia.
“Por exemplo, a elevação da faixa de isenção, que pode chegar ao valor bruto de até R$2.640 mensais, é uma medida que resgata pelo menos uma parte do gap acumulado há anos sem correção desde 2015”, complementa.
A partir de 2024, trabalhadores com essa renda estarão isentos do IR. Outro ponto, acrescenta, são os possíveis impactos regionais.
Soares explica que dos recursos recolhidos com o Imposto de Renda, 50% ficam com a União; 21,5% vão para compor o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE); 25,5% são destinados aos municípios via Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 3% vão para a aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Nesse contexto, observa, se as medidas se efetivarem, será necessário calcular o impacto líquido na arrecadação a ser distribuída aos estados e municípios. Dessa forma, será possível identificar se houve aumento de dinheiro nos cofres públicos ou “se ocorreu uma mera redistribuição da carga tributária dos mais pobres para os mais ricos”.
“Deve-se considerar também que, quanto mais dinheiro sobra no bolso dos mais pobres (via aumento da faixa de isenção), mais consumo pode ser gerado, impactando positivamente (ainda que indiretamente) a arrecadação dos entes subnacionais via aumento de arrecadação que pode ocorrer no consumo”, analisa.
Para ele, “já é possível cravar uma melhoria (pelo menos para rendas de até dois salários mínimos) com um alívio na tributação, que poderá ser intensificado com novas elevações nessa faixa de isenção, caso o governo Lula cumpra a promessa de elevar até R$ 5 mil, conforme prometido em campanha”.