Novo marco do saneamento deve atrair investimentos para o setor no CE

De acordo com o presidente da Cagece, Neuri Freitas, a participação da iniciativa privada é essencial para se alcançar a universalização da infraestrutura sanitária. "No Nordeste, será preciso fazer parcerias", disse

Escrito por Bruno Cabral , bruno.cabral@svm.com.br
Esgotamento
Legenda: Ao todo, 23 cidades cearenses nas regiões metropolitanas de Fortaleza e Cariri deverão ser beneficiadas
Foto: Camila Lima

O novo marco legal do saneamento básico, aprovado no Senado, na última quarta-feira (24), além de buscar resolver um gargalo histórico do País, deverá atrair investimentos robustos para o setor, já que a universalização dos serviços de saneamento é uma das exigências previstas para a entrada da iniciativa privada. Além dos impactos diretos no curto prazo, com os investimentos na ampliação da rede, a expectativa é de que, no longo prazo, a melhoria da infraestrutura sanitária facilite a atração de novos empreendimentos. O projeto prevê a universalização até 2033.

"Hoje, ainda se tem um índice muito elevado de municípios com pouco saneamento básico, o que gera uma perspectiva de investimentos significativos da iniciativa privada para universalizar esses serviços, uma vez que o setor público hoje tem baixa capacidade de investimento nesse segmento", diz Ricardo Coimbra, presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE). "O Ceará melhorou de forma significativa ao longo dos últimos anos, mas também necessita de mais recursos para a atuação nesse segmento. E esse marco propicia a atração de novos investimentos externos relacionados à água e esgoto".

Com uma série de novas regras para o setor, o novo marco prevê, por exemplo, a abertura de licitação para serviços de água e esgoto, autorizando a entrada da iniciativa privada nas concessões, e facilita a privatização de estatais de saneamento. De autoria do Governo Federal, o novo marco depende agora apenas da sanção presidencial.

Universalização

Segundo Neuri Freitas, presidente da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (Cagece), a participação da iniciativa privada é essencial para que se alcance a universali-zação do serviço. Ele pondera, no entanto, que o poder público continuará a ter um papel importante sobretudo em regiões com menor potencial de retorno financeiro para empresas privadas.

"A lei abre para o privado e restringe para a empresa pública. O poder público não consegue universalizar sozinho, mas a iniciativa privada também não. No Nordeste, será preciso fazer parcerias", disse o presidente da Cagece durante uma live realizada ontem (25) sobre o novo marco.

Aumento na tarifa

Neuri Freitas afirmou que inicialmente a Cagece tinha como meta atingir a universali-zação do saneamento até 2040, mas, diante da exigência prevista no novo marco de disponibilizar a cobertura universal até 2033, há a possibilidade de aumento tarifário para alcançar essa meta.

"Tivemos uma redução de sete anos (de prazo para a universalização). Isso vai demandar um esforço adicional da Companhia, do poder concedente e da população. Teremos a necessidade de um maior investimento em menor espaço de tempo e isso pode gerar aumento de tarifa".

Segundo Neuri, os preços da conta de água poderão ser impactadas principalmente se houver a necessidade de captar recursos por meio de financiamento ou de acionistas. "O que estamos vendo é que o setor público não terá recursos e vamos ter que buscar outras fontes de financiamento, como o mercado de capitais, bancos oficiais ou fundos internacionais. Teremos que buscar esses recursos para cumprir essa meta".

Já quando a cobertura atingir 100% da população, o presidente da Cagece diz que a tendência é de haja uma redução da tarifa, devido à ampliação da base de consumidores.

Para Hélio Winston Leitão, presidente do Conselho Diretor da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce), o novo marco se destaca pelo estabelecimento de metas definidas para universali-zação dos serviços.

"É aspecto de fundamental importância dessa nova lei, sinalizando para o compromisso de todo o setor de saneamento com a melhoria das condições de vida da população, especialmente, os mais carentes", diz. Se as metas de universalização não forem formalizadas, os contratos atuais poderão ser encerrados.

Produtividade

Além dos impactos econômicos gerados pelas obras de ampliação da rede e de investimentos diretos nas melhorias sanitárias, o economista e professor Allison Martins destaca ganhos de difícil mensuração, como o aumento da produtividade dos trabalhadores, diante de melhores condições de saúde, e da melhoria do ambiente para atração de novos negócios.

"Em um primeiro momento, esses investimentos irão refletir no PIB (Produto Interno Bruto) do Estado pela contratação de mão de obra e nas compras do próprio setor, de máquinas e equipamentos. Mas num segundo momento há efeitos indiretos, que é o ganho de produtividade dos trabalhadores. Há vários estudos que mostram uma correlação direta entre saneamento básico e produtividade, porque as pessoas adoecem menos e faltam menos ao trabalho", diz Martins. "Além disso, uma infraestrutura sanitária disponível aumenta a atratividade de negócios, pois reduz os custos de implantação. Isso pesa na hora em que o empresário avalia um investimento".

Investimentos

Em 2019, a Cagece aplicou R$ 227,9 milhões em obras de implantação ou ampliação de sistemas de água e esgotamento sanitário, investimentos realizados com recursos próprios, financiamentos e recursos não onerosos, em "busca pela universalização de seus serviços e de melhoria operacional", de acordo com o Relatório de Administração de 2019.

"Para 2020, os investimentos previstos serão da ordem de R$ 528 milhões e contemplam desde grandes obras de ampliação de rede de cobertura de esgoto, melhorias operacionais nos sistemas já existentes e ações com foco em redução de perdas".

Para o Brasil, o Governo Federal estima investimentos de R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões para atingir a universalização do saneamento, com a geração de cerca de 1 milhão de empregos nos próximos cinco anos.

Nova legislação reforça planos para abertura de capital

Visto como um instrumento facilitador para abertura de capital de companhias de saneamento básico, o novo marco do saneamento vai ao encontro dos planos da Cagece que vem se preparando para fazer seu IPO (oferta pública inicial, na sigla em inglês). A proposta, que permite a participação da iniciativa privada em licitações do setor de saneamento, torna atrativa a privatização das empresas estatais.

Em dezembro de 2019, a Cagece protocolou prospecto preliminar junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para realizar seu IPO. A oferta será primária e secundária, tendo como acionistas vendedores o Governo do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza.

"Acreditamos ser uma das empresas do setor público de saneamento com um dos maiores potenciais de crescimento nos próximos anos, principalmente com relação aos nossos serviços de esgotamento sanitário", informou a companhia, naquela ocasião, em seu prospecto da oferta, coordenada pelo Bradesco BBI e a XP Investimentos.

No entanto, como os contratos atuais poderão ser renovados por mais 30 anos, desde que uma negociação seja formalizada até março de 2022 e haja metas para universalização dos serviços de água e esgoto para a população, a estimativa é que projetos de privatizações sejam colocados na mesa a partir do próximo ano. Questionada sobre a previsão de data para o IPO e quais serão os próximos passos após a AGE do dia 26, a Cagece informou que "os encaminhamentos relativos às pautas ainda serão deliberados durante a assembleia".

Cumprindo mais uma etapa para o processo de abertura de capital, a Cagece realiza nesta sexta-feira (26) uma assembleia geral extraordinária (AGE) para tratar, dentre outros assuntos, da reestruturação acionária da companhia.

Se aprovada pelo conselho, ações ordinárias (com direito a voto) de titularidade do Estado do Ceará e Município de Fortaleza serão convertidas em ações preferenciais (sem direito a voto) e será criada de uma nova classe de ações preferenciais. O período de conversão é de cinco dias após aprovação na AGE.

 

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