Mulheres representaram apenas 36% das contratações formais de 2021 no Ceará

Considerando o saldo de empregos, as mulheres representam 42,7% do mercado de trabalho cearense. Disparidade de salários também cresceu na pandemia

Escrito por Heloisa Vasconcelos , heloisa.vasconcelos@svm.com.br
Legenda: O saldo de empregos ficou negativo para as mulheres em 2020
Foto: Kid Júnior

O mercado de trabalho cearense ainda não tem uma divisão entre gêneros igualitária. A pandemia, inclusive, acentuou a disparidade entre gêneros, tanto no que diz respeito à questão salarial como em contratações e demissões. 

De acordo com estudo do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apenas 36% das contratações formais de 2021 foram de mulheres.  

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Ao todo, 179.716 mulheres foram admitidas, ao passo que o sexo masculino acumulou 312.853 admissões. Em contraponto, mulheres foram menos demitidas do que homens em 2021, ficando o saldo de emprego em 34.812 para o sexo feminino (42,7%) e de 46.648 para homens (57,3%).  

Mesmo que ainda seja desigual, a situação do ano passado é melhor que a de 2020, quando o saldo de empregos ficou negativo para o sexo feminino.  

A desigualdade de gênero no mercado de trabalho é estrutural e tem relação com a falta de políticas públicas voltadas para mães, áreas de atuação e o preconceito ainda enraizado na sociedade. 

Setores que mais contratam 

Em quase todos os setores, o saldo de empregos pendeu mais para o sexo masculino do que para o feminino. A área com mais disparidade é a construção: enquanto 7.032 homens foram contratados ou permaneceram no emprego, o número cai para 883 quando se trata de mulheres. 

As mulheres só saem na frente dos homens nos setores de eletricidade e gás; alojamento e alimentação; atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados; saúde humana e serviços sociais; outras atividades de serviços; e serviços domésticos. 

As profissões que mais contrataram mulheres foram assistente administrativo (abertura de 3.315 novos empregos), vendedora de comércio varejista (2.689) e auxiliar de escritório (2.678). 

A auxiliar de escritório Emanuelle Oliveira, de 27 anos, foi uma das contratadas do ano passado. Trabalhando na parte administrativa de uma empreiteira, ela vê de perto a desigualdade.  

Tem somente eu e outra moça de serviços gerais de mulheres. No começo eu me sentia muito desconfortável porque eu estava só, tinha somente eu no escritório. Mas raramente tem situações que me sinto acuada. Quando eu tinha 6 a 7 meses, lá fui passar uma informação para os pedreiros e fui literalmente cercada por eles, cheguei a ser chamada de burra no dia
Emanuelle Oliveira
auxiliar de escritório

A recolocação profissional veio em outubro do ano passado, após a profissional ter escolhido sair de seu emprego anterior após seu filho nascer.  

Desigualdade salarial 

O estudo do IDT também mostra que houve um crescimento da desigualdade de salários entre gêneros na pandemia. Em 2020, o salário médio das mulheres no estado era de R$ 2.324,76, enquanto o dos homens era de R$ 2.448,01, uma diferença de 5%. 

Essa diferença subiu para 6,2% em 2021. Enquanto as mulheres tiveram rendimento médio de R$ 2.492,57, o salário dos homens foi para R$ 2.658,36 

O presidente do IDT, Vladyson Viana, chama atenção que essa situação não é restrita ao Ceará e que a pandemia acentuou diferenças que são estruturais. 

Essa disparidade entre comparação de homens e mulheres é algo estrutural, que vem ao longo dos anos não só no estado do Ceará, mas em todo o país. A pandemia acentuou essa desigualdade. Em 2021, que foi um ano de expansão, mesmo havendo essa retomada de alguns setores, continua evidenciando esse problema estrutural
Vladyson Viana
presidente do IDT

Para a professora de economia da Universidade Federal do Ceará (UFC) Alessandra Benevides, o dado deve ser analisado com cautela.  

“Uma coisa que é muito complicado de se fazer é comparar só o salário por mulher, porque tem uma série de outras variáveis que podem influenciar no salário. A pesquisa não retira o viés de nível educacional, por exemplo. Precisa comparar os comparáveis, tem uma série de variáveis que podem influenciar, inclusive dentro dos próprios setores”, diz, 

 Ela reconhece, contudo, que a diferença salarial existe, mas não há como deferir exatamente o porquê do aumento entre 2020 e 2021. 

Especialista em RH e atualmente desempregada, Ester Sales, de 21 anos, via essa disparidade no local em que trabalhava. 

“Nós tínhamos um padrão, mas já vi homens em cargos de confiança recebendo um pouco mais do que a mulher que estava lá. Infelizmente já ouvi de colega de trabalho, que foi o estopim para ela pedir a demissão, de o supervisor dela dizer que o problema da sala era ter muitas mulheres”, lembra. 

Áreas de atuação 

Alessandra Benevides explica que a desigualdade de gênero no mercado de trabalho tem bastante a ver com a área em que mais mulheres atuam. 

Ela analisa que as demissões prevaleceram entre mulheres durante 2020 muito provavelmente por esse motivo. 

“Por exemplo, o setor da construção civil [mais ocupado por homens] sofreu menos. O setor de serviços, sofreu mais e você tem muitas mulheres trabalhando nesse setor. A pandemia afeta, mas por conta do tipo de setor que ela está afetando mais intensamente”, percebe. 

A escolha das áreas de atuação também tem relação direta com a diferença salarial entre homens e mulheres, quando se considerada uma média. 

Nós mulheres atuamos pouco em áreas ligadas a ciência, tecnologia e matemática. Essa área é a área que é fácil conseguir emprego e tem rendimentos mais altos. As mulheres não são muito próximas de matemática, tem mais homens se dando bem do que mulher. Isso acaba levando a uma escolha de área de formação mais distante
Alessandra Benevides
professora de economia da UFC

A economista considera que, para diminuir essa desigualdade, é preciso haver incentivo ainda nas escolas. "Não só artes e humanas, todas as áreas são áreas para garotas. A primeira atitude é a mudança cultural e educacional, que demora", aponta.

Políticas públicas 

Para conseguir o atual emprego de vendedora do comércio varejista, Bruna Teles, de 33 anos, teve de pagar uma creche para seu filho. Antes de voltar para o mercado formal, ela trabalhava como vendedora autônoma, justamente para conseguir horários mais flexíveis. 

Legenda: Bruna atua na área de calçados com a intenção de empreender no futuro
Foto: Kid Júnior

Geralmente a gente tem que conciliar os horários com filhos, mas antes meu caçula era menor, era mais complicado conseguir alguém para ficar com ele. Tentei muito tempo integral no governo e não consegui vaga, agora tô tendo que pagar para conseguir trabalhar
Bruna Teles
vendedora do comércio varejista

Em seu trabalho atual, ela consegue aliar os horários de entrada e saída para deixar seu filho em uma escola de tempo integral.  

Vladyson Viana destaca que a disponibilidade de escolas de tempo integral é de suma importância para um mercado de trabalho mais igualitário. 

“Creches de tempo integral são algo definidor para que as mulheres possam entrar e ascender no mercado de trabalho, porque se não ela fica sempre colocando sua trajetória profissional em segundo plano. O caminho que temos que perseguir é fomentar políticas públicas de apoio às mulheres. Além de desconstrução da cultura machista”, ressalta. 

Para além disso, Alessandra Benevides defende medidas legislativas que tornem as responsabilidades parentais mais iguais para homens e mulheres. 

“Poderia ser feita alguma mudança na legislação deixando tanto faz o homem como a mulher [para a licença]. A ideia é dar maior responsabilidade ao pai na geração da criança. Se ficar toda nos ombros das mulheres, vai continuar tendo empregador que vai preferir contratar homens”, afirma. 

Cargos de liderança 

Além de serem menos contratadas, mulheres têm uma menor possibilidade de chegar a posições mais altas. Conforme Vladyson Viana, o estado se encaminha para tornar essa situação mais igual, mas a linha de chegada ainda está longe. 

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“Há sinais de ampliar as mulheres em cargos de direção. Mas quando pega uma análise como essa de todas as admissões do estado, você vê que essa discrepância existe e é estrutural. A gente consegue ver uma participação das mulheres, mas não dá para dizer que há uma tendência ou está evoluindo”, coloca. 

No ambiente de trabalho da auxiliar de escritório Emanuelle Oliveira, ela afirma que não perceber espaço para crescer. “É daqui para fora”, diz. Se formando agora na área de psicologia, ela pretende para o futuro fazer uma transição de carreira. 

Já onde a desempregada Ester Sales trabalhava, ela conta que as posições de liderança eram mais ocupadas por mulheres. Apoiada por sua ex-chefe, ela aceitou explorar áreas que não a administrativa, expandindo suas opções de carreira. 

“Eu trabalhava em uma empresa que 90% eram mulheres. Os cargos mais altos também eram mulheres, acima da minha chefe a diretora do setor era uma mulher. Não tinha aquela coisa de competição, tinha aquela coisa de abraço, eu consigo e você também consegue”, lembra. 

Para Alessandra Benevides, o mercado de trabalho tem muito a ganhar com mais mulheres – e em cargos de liderança. 

“Na hora que a gente for enxergada com toda a potencialidade que a gente tem, pode ter certeza que haverá um ganho de produtividade no mercado de trabalho. O brasil tem baixíssima produtividade, estamos aumentando escolaridade sem aumentar produtividade. A gente tá carecendo aumentar produtividade. Tenho certeza que quando a gente conseguir um mercado de trabalho aberto, flexível, aberto a mulheres, só vai gerar ganhos às empresas contratantes”, aposta. 

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