Mercado de TI no Ceará perde profissionais locais para empresas no exterior

A avaliação é de que deve-se apostar em agenda de capacitação para amortecer os impactos da perda da mão de obra qualificada no mercado de trabalho

Escrito por Bruna Damasceno ,
Mulher no computador
Legenda: Do Ceará para o mundo, mas sem sair de casa. Essa é a realidade dos cérebros recrutados por empresas estrangeiras
Foto: Shutterstock

No Ceará, profissionais de tecnologia são atraídos, cada vez mais, por empresas do exterior. O movimento já ocorria antes da pandemia, mas ganhou fôlego com a queda da barreira geográfica — graças ao home office — e a valorização do dólar. O que é positivo para alguns, preocupa o mercado de trabalho: a fuga da mão de obra.

Veja também

Enquanto negócios estrangeiros conseguem trabalhadores qualificados a baixo custo para eles, os locais enfrentam dificuldade para competir com altas remunerações em moedas estrangeiras e condições de trabalho diferenciadas. 

Por outro lado, esses profissionais ganham, pelo menos, o dobro do que estavam recebendo no mercado local. Se antes alguns precisavam sair do Brasil para bater à porta de empresas internacionais, agora eles são recrutados constantemente via redes sociais de negócios. 

E a proposta é tentadora: ganhar em dólar, mas permanecer onde o custo de vida é mais baixo e ao lado da família, além de uma experiência de peso no currículo.

É o caso do Roberto (nome fictício), de 40 anos.  Formado em Sistema e Informação e mestre em Ciência da Computação, ele trabalhava há pouco mais de quatro anos em uma empresa de Fortaleza. Em setembro último, foi convidado, pela internet, para desenvolver ‘softwares’ para uma companhia em Nova Iorque, nos Estados Unidos. 

“Durante a pandemia, a quantidade de contatos que recebi do exterior aumentou”, lembra, informando ter estudado os riscos antes de participar de um processo seletivo.

“O que me deixou mais seguro foi conhecer outros brasileiros que já tiveram a experiência e saber como funciona, que eles pagam direitinho, fui ganhando confiança”, lista. 

Depois de avaliar a segurança, foram consideradas as vantagens, incluindo flexibilidade de horário e o trabalho remoto.

"Obviamente que a pretensão de receber em dólar foi um grande chamativo, ficou difícil a comparação com o salário daqui".

Roberto não divulga o salário atual, mas explica não haver valor fixo devido à oscilação cambial. No entanto, afirma, nestes seis meses, a menor remuneração foi o dobro da recebida na antiga empresa. 

Movimento pressiona aumento de salários no setor

O CEO do Grupo WDA Tecnologia & Inovação, Cilis Aragão Benevides, conta ter agido rápido para manter os funcionários, mas o impacto foi inevitável. Nos últimos cinco anos, seis trabalhadores foram levados por negócios estrangeiros, mas a maior fuga foi registrada na pandemia. 

“É difícil competir com eles. Enquanto se investe R$ 10 mil por um analista, lá fora eles pagam em dólar. Se você multiplicar pela cotação atual, complica”, diz.  

“Não fomos tão atingidos porque temos outras políticas de retenção, pagamos um salário decente, reconhecemos horas extras, por exemplo, mas não deixamos ultrapassar um limite para prevenção de 'burnout', além de termos a possibilidade de trabalho remoto ou presencial, conforme escolha”, lista. 

Benevides enumera, ainda, incentivos à capacitação dos trabalhadores em universidades, como mestrado e doutorado, horários flexíveis e programas de participação em 'startups'. 

"Temos adotado essas medidas para mitigar esse inconveniente, mas é a realidade. Hoje, estamos com várias vagas abertas e não conseguimos ocupá-las por conta dessa situação".

Ele acrescenta que “a dificuldade está tão grande que a empresa paga a um trabalhador pleno (menos experiente) o mesmo salário que pagava a um sênior (mais experiente)”. 

Quem são esses profissionais 

O professor de Telemática e diretor de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Edson Almeida, explica que a maioria desses profissionais atua na área de Computação e Telecomunicação.

A habilidade básica exigida é saber programação, além de dominar o idioma. Os setores mais recrutadores são empresas de tecnologia, cartões de crédito e bancos digitais. 

“São profissionais do Brasil inteiro, mas o Ceará está tendo destaque, principalmente, pelos resultados em competições internacionais cujas instituições brasileiras e cearense aparecem. A exemplo disso, temos a da Huawei”, analisa. 

O IFCE tem uma parceria com a gigante chinesa para capacitação de alunos e professores. Em 2021, a instituição ganhou a ICT Competition Brasil. 

O programa é destinado a universitários do mundo todo que fazem parte do Huawei ICT Academy, com foco no incentivo a carreiras na Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC). 

“Isso proporciona uma visibilidade muito grande no mercado mundial. Esse pessoal é levado a peso de ouro para outros países ou para trabalhar remotamente, que é, inclusive, mais barato para as empresas”, observa.

“E, apesar de pagar menos lá, são salários muito altos. Então, é impossível para as empresas locais segurarem esses profissionais aqui. Não tem como bancar um profissional que vai para lá ganhando de 6 mil até 10 mil euros”, avalia.   

Qual o impacto da saída dos profissionais e como as empresas devem agir 

O conselheiro regional de Economia Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, lembra que já existia uma mobilidade de trabalhadores da área de tecnologia tanto para o Sudeste brasileiro quanto para outros países. 

Na pandemia, a dispensa do deslocamento apenas potencializou a demanda. Para ele, esse movimento é positivo para a economia.

Isso porque esses empregados consomem aqui, fazendo a roda da economia girar internamente, além de impulsionar uma agenda de capacitação profissional. 

“Gera uma expectativa de crescimento de profissionais dessa área e cursos de graduação e pós, estruturando um mecanismo de formação deles”, avalia. "Claro que também provoca uma dificuldade para a manutenção dos quadros das empresas, mas deve haver um estímulo para retê-los", completa.

"Deve-se fazer mais busca ativa no próprio Nordeste e no Interior, buscar parcerias e instituições. Assim, a cada quatro anos, pode-se ter um número significativo desta mão de obra”, enumera. 

Outro ponto, acrescenta, é o fortalecimento das exportações de serviço e um pacto de desenvolvimento não apenas para os trabalhadores, mas para a economia local. 

O professor de Telemática e diretor de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Edson Almeida, reitera.

"Nós, como professores, achamos bom que isso aconteça. Se esse profissional vai, leva com ele outros", aponta, citando a academia Apple e Huawei como grandes exportadoras destes trabalhadores.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados