Mercado da miséria: como estão as pessoas que precisavam comprar ossos para sobreviver
A inflação não deixou a situação econômica melhorar e a escassez continua castigando as famílias
Há oito meses, uma reportagem do Diário do Nordeste, assinada pela repórter Carolina Mesquita, mostrou como a falta de manejo de políticas públicas durante a pandemia de Covid-19 arrastou cearenses para a miséria. Naquele período, algumas pessoas já haviam deixado de consumir carne e foram obrigadas a substituí-la por ossos, pés de galinha, pele e vísceras. Sobras que eram vendidas de R$ 5 a R$ 9 por quilo em açougues de Fortaleza.
Em outubro do ano passado, as atividades econômicas estavam na quarta e última fase de retomada (iniciada em junho) e as escolas já estavam abertas. Contudo, de lá para cá, não houve avanços significativos para a população: a inflação continuou subindo e o desemprego ainda está em alta.
Diante desse cenário, como estão as pessoas que já enfrentavam dificuldades financeiras naquele momento?
A cearense Maria da Penha Ferreira de Sousa, de 36 anos, entrevistada naquele ano, estava desempregada em razão do fechamento dos comércios. Com o retorno, começou a fazer faxinas, mas precisou parar por problemas de saúde. A esposa dela também conseguiu um emprego avulso em uma loja, mas recebendo R$ 60 diários apenas quando atinge a meta.
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A quantia garante o pagamento do aluguel, que ficou atrasado ao longo de 2021. Mas a inflação tem corroído toda a renda remanescente, deixando o casal novamente sem condições de comprar o básico.
“Não mudou muita coisa. A carne e o osso a gente já nem conseguia comprar direito. Agora, com a carestia, é que não compramos mesmo. Essa carestia faz a gente passar necessidade”, relata. “Quando dá, compramos ovo e mortadela. Como a mortadela também foi ficando mais cara, fomos trocando pela salsicha”, diz.
A realidade da família pouco mudou. Em outubro passado, a família estava sem consumir carne havia oito meses. Para sobreviver, compravam ossos a R$8,00, o quilo, e também passaram a consumir mais ovos e embutidos, como mortadela e salsicha.
A dona de casa Maria Luiza Sousa, de 56 anos, também entrevistada naquele período, hoje relata aflição semelhante diante das altas generalizadas. “Graças a Deus, minha filha, de 30 anos, conseguiu um emprego para se manter. Mas não tivemos mudança para melhor devido à inflação”, conta.
Há oito meses, Maria Luiza e o marido, o aposentado João de Fatimo Mareano, 68, enfrentaram uma grande aperto. Ele adoeceu e a família perdeu cerca de 80% da renda. Para sobreviver em 2021, o casal juntou as finanças para tentar cobrir as despesas de alimentação e medicamentos.Mesmo assim, produtos precisaram ser cortados do orçamento ou substituídos para as contas fecharem.
O casal já tinha diminuido as despesas com transporte, vestuário e alimentação e, mesmo gastando mais, o que entra em casa é menos a cada mês. "A gente está no básico do básico. Até produto de limpeza e higiene a gente está comprando menos. A marca que a gente usa é a que dá", disse a dona de casa em outubro do ano passado.
“A situação está difícil para tudo: é comida, luz, transporte e remédios subindo. Agora, eu já nem compro mais frutas e verduras. Vou cortando tudo. Quando consigo comprar hortaliças, divido para ir comendo ao longo da semana. É tudo fracionado”
Em outubro de 2021, a inflação acumulada estava em 10,67% no País. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) – considerado a prévia da inflação oficial do país – ficou em 0,69% em junho de 2022, acima da taxa de 0,59% registrada em maio, segundo divulgou nesta sexta-feira (24) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o resultado de junho, já são 10 meses seguidos com a inflação anual rodando acima dos dois dígitos.
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