Lockdown, saúde e comida na mesa: as preocupações dos cearenses para 2022

Após dois anos atípicos de pandemia, fica o medo de que tudo se repita, mas com esperança por dias melhores no ano que vem

Escrito por Redação ,
Foto: Thiago Gadelha

Novas variantes, alta do desemprego, inflação, incertezas, expectativas. Depois de dois anos tão turbulentos, o que esperar para 2022?  

Os cearenses tiveram que encarar dificuldades financeiras, impactos emocionais e variadas perdas durante este ano. Apesar do medo de que tudo se repita no ano que vem, ainda resta a esperança de dias melhores.  

A pandemia afetou a cada um de uma forma distinta. Estudantes precisaram de outras formas para manter o foco, empreendedores se viram sem fluxo de caixa e trabalhadores informais tiveram a incerteza de como trabalhar para colocar comida na mesa. 

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Houve também quem não pôde parar de trabalhar, pessoas que tiveram que ir diariamente às ruas apesar do medo. E, ainda, quem tem o lar também como profissão e experimentou a angústia de nunca sair do local de trabalho. 

O Diário do Nordeste escutou histórias de diferentes cearenses e conta o que eles esperam nesse horizonte ainda desconhecido. 

Maria do Livramento, dona de casa 

Legenda: Maria perdeu amigos durante a pandemia, mas tem esperanças para 2022
Foto: Thiago Gadelha

Quando o filme do que foi 2021 passa na cabeça da dona de casa Maria do Livramento da Silva, de 42 anos, ela tem vontade de chorar. Ela perdeu amigos pela Covid e o vírus acometeu familiares em um período que a mesma estava hospitalizada. 

Eu não perdi nenhum familiar, meu cunhado e meus filhos pegaram Covid e sobreviveram. Meu sobrinho teve Covid e dengue hemorrágica ao mesmo tempo e sobreviveu. Enquanto isso estava acontecendo, eu estava internada por conta da minha vesícula, fiquei uma semana isolada porque o médico não queria me colocar na área da Covid"
Maria do Livramento
dona de casa

Durante todo o ano, que ela descreve como sendo de “turbulência, medo e angústia”, o maior temor da dona de casa não era por sua vida em si, mas pela sobrevivência de sua mãe e seu filho. Comprar alimento também foi difícil e a família só não passou dificuldades devido à ajuda de seu sogro.

Foto: Thiago Gadelha

Para 2022, Maria do Livramento terá de passar por outro procedimento cirúrgico, ainda por causa da vesícula. Apesar do medo, a dona de casa tem esperança e sonhos de sobra. 

“Para 2022 eu creio que seja melhor. Tô muito esperançosa, apesar de ter a cirurgia. Estou esperançosa que eu consiga colocar para frente meu sonho de ter uma confecção, esse é o projeto que eu tenho para 2022”, projeta. 

Leudiane Cruz, enfermeira 

Legenda: Leudiane trabalhou atendendo pacientes com Covid durante a pandemia
Foto: Thiago Gadelha

“Foi um ano de muita insegurança, medo, angústia de você não saber como lidar com o novo, de você não saber o que vai ser do amanhã”, resume a enfermeira Leudiane Cruz, de 37 anos. A maior preocupação dela durante 2021 era que 2022 não chegasse. 

Trabalhando no Hospital de Saúde Mental de Messejana, a profissional de saúde viu de perto colegas contraírem Covid e falecerem por conta da doença. E para além da incerteza sanitária, a enfermeira também se preocupava mensalmente com a própria renda. 

A gente trabalha no sistema de cooperativa, então não é carteira assinada, a gente não tem vínculo. Então, assim, é incerteza, né? Então assim, a gente trabalha, mas eu tenho que sempre estar regrando e na pandemia regrando muito mais. Por conta que ficou tudo mais limitado
Leudiane Cruz
enfermeira

O dia de trabalho de Leudiane começa às 7h e vai até às 19h, alternando os dias entre locais de trabalho diferentes. Segundo ela, o maior desejo da classe é a atualização do piso salarial. 

Foto: Thiago Gadelha

“Nada mais do que justo daquelas pessoas que estavam na linha de frente, que perderam pessoas, que perderam os colegas, de terem pelo menos um salário digno”, defende. 

A vacinação dos profissionais de saúde, inclusive com a terceira dose, tira um pouco do peso do que foi a preocupação de 2021. Ela espera que a questão salarial também seja resolvida ao longo do ano que vem. 

Bruno Alves, feirante 

Legenda: Bruno apostou na venda de máscaras para conseguir sustentar a própria família
Foto: Thiago Gadelha

O feirante Bruno Alves, de 30 anos, trabalhava em uma banca de revistas no Centro de Fortaleza quando tudo fechou. Dentro de casa, sem poder trabalhar, ele viu toda a família contrair a doença. 

“Quando a pandemia estourou, que fechou tudo, aí eu fiquei em casa. No primeiro lockdown todo mundo aqui em casa pegou Covid. Minha esposa estava gestante, teve filho antes do tempo por causa do Covid. Tá com 1 ano e 7 meses que ela não sente nem cheiro e nem gosto”, diz. 

Durante o período do fechamento do comércio, o trabalhador informal dependeu das cestas básicas que recebia do colégio de seus dois filhos e da ajuda de pessoas, que deram dinheiro, mantimentos e lanches. Quando o comércio reabriu, o principal meio de prevenção à doença também foi a forma de Bruno conseguir renda.  

“Quando o comércio reabriu, comecei a vender máscara. Ano passado a venda das máscaras foi muito boa, a renda de muita gente foi as máscaras. Mas esse ano as vendas caíram uns 80%”, se preocupa. 

A alimentação de seus dois filhos que estão na escola e do bebê que nasceu neste ano era e é sua maior preocupação. 

Minha preocupação era estar tudo fechado e eu não ter como conseguir comida. Tive crise de ansiedade, muitas vezes acordei de madrugada com o coração acelerado. O adulto bebe água pronto, já passou. Agora criança não
Bruno Alves
feirante

Seu maior medo para o ano que vem é que novas variantes do vírus forcem a cidade a parar novamente, tirando sua forma de sustento. Para não depender apenas da atividade de rua, ele iniciou uma pizzaria junto com a esposa e uma amiga de família.

Legenda: O feirante começou uma pizzaria para não depender apenas do trabalho informal
Foto: Thiago Gadelha

“Minha expectativa para 2022 é que o mundo volte ao antigo normal e que as pessoas deem valor ao próximo também”, espera. 

Andressa Maciel, trabalhadora formal

A virada do ano pode trazer esperança e, com ela, a expectativa de melhorias para o ano seguinte. Ao menos, Andressa Maciel, de 25 anos, torcia pelos 'dias melhores' com a chegada de 2021.

“Para 2021, tinha tantos planos. Jamais imaginei a continuidade da pandemia. Só que o ano começou e as aflições continuaram com a pandemia. O que eu tinha planejado teve que ser adiado. Queria muito ter tirado a CNH [Carteira Nacional de Habilitação] e fazer minha faculdade. Nesse ano, com tantas dificuldades, não foi possível", detalha.

Andressa trabalha em uma loja de eletrodoméstico há mais de 2 anos. Sua função é de caixa, o que aumenta as suas preocupações diante do risco de contaminação com a Covid-19 e suas variantes.

Teve paralisação no meu trabalho entre abril e maio. Mas, voltar para a rotina foi difícil, principalmente, porque eu vou trabalhar com transporte público. Quando chego lá, pego em dinheiro, pego em papel, lido diretamente com gente. Tenho que redobrar o cuidado com o cliente idoso, pedir que tenha cuidado, que entendam a dimensão da doença"
Andressa Maciel
Trabalhadora formal

Mesmo com as preocupações e incertezas, Andressa organizou sua rotina para dar um passo muito importante: conseguir realizar uma atividade física.

"Pensava que seria difícil mudar os hábitos. Afinal, tudo que é novo assusta. Mas, consegui incluir a academia na minha rotina. Agora acordo cedo para trabalhar, passo a maior parte do dia lá, são minha segunda família e, depois, sigo para a academia. Isso mudou muito minha relação com minha saúde e meu corpo", conta.

E é justamente saúde o principal voto de Andressa para 2022. "Apesar de ter muitos planos, sem saúde não adianta, não compramos saúde. Precisamos nos cuidar. Inclusive, estou me recuperando da gripe que foi bem complicada".  

"Devemos nos cuidar ainda mais em 2022, precisamos redobrar os cuidados. Não podemos perder mais ninguém. Quando peguei a gripe, recentemente, vi o quanto é difícil adoecer e esperar atendimento. Torço que todos possam ser abençoados com muita saúde, afinal, Deus não nos abandona. Ele jamais solta nossa mão", deseja esperançosa.

Amanda Maciel, empreendedora

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Legenda: Amanda Maciel, junto com a irmã Beatriz Maciel, é proprietária da doceria Manas Goumert
Foto: Thiago Gadelha

"Nós vivemos numa montanha russa que só sobe". Com essa declaração, Amanda Maciel, de 27 anos, relata a alta volatilidade dos preços dos insumos necessários para sua loja de doces, a Manas Gourmet, neste ano de 2021.

"De cinco meses pra cá, o valor dos nossos insumos aumentaram bastante. Isso teve um impacto muito grande na nossa produção. Afinal, a energia subiu, aí foi o chocolate, o leite condensado. Tinha período que os preços aumentavam semanalmente. Mas, conseguimos garantir a qualidade para os nossos clientes sem aumentar nossos preços, foi tudo na ponta do lápis", esclarece.

A ideia de vender doces surgiu há cinco anos. O intuito era servir como renda extra para o custeio do tratamento do câncer de mama da mãe dela e das irmãs Amanda e Beatriz Maciel, proprietárias do negócio. Mas, agora, é o motivo de grandes aspirações para o futuro das irmãs.

Inventamos de fazer caixinha de trufas, saíamos para vender à noite e vendíamos bem. Mas, era só segundo plano. Começamos a fazer dar certo mesmo agora em 2021. Se antes, fazíamos de acordo com o que tínhamos aprendido com nossa avó ou na internet, agora estamos nos profissionalizando. Já fizemos 6 cursos, dia 29 [de dezembro] tem mais, se Deus quiser"
Amanda Maciel
Empreendedora

"Estamos focando também na página do instagram (@manas_gourmets) e as entregas dos doces acontecem apenas aos finais de semana. Neste ano, conseguimos fechar com um motoboy e contratamos a Ellen, ela tem ajudado bastante neste período de altas produções".

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Legenda: Da esquerda para a direita, Ellen Guedes, Amanda Maciel e Beatriz Maciel
Foto: Thiago Gadelha

Amanda e Beatriz ainda trabalham de carteira assinada, mas o maior desejo para 2022 é dedicar todos os esforços para a loja e, quem sabe, abrir a primeira sede física. 

Trabalhamos na cozinha da nossa mãe. Não temos espaço para armazenar os materiais. Dividimos a geladeira e o armário com as coisas da casa. Por isso, queremos montar nosso ateliê para organizar o estoque, ter o maquinário. Nem precisa ser tão grande, só queremos ter o nosso local para poder crescer mais e mais"
Amanda Maciel
Empreendedora

"Eu espero muito tocar o nosso negócio para que eu possa acompanhar de pertinho o crescimento do meu filhinho de 1 ano e 7 meses. Todas as nossas energias estão aqui. Viramos a noite na produção. Tem dias que vamos dormir 4 horas da manhã e acordamos 5:30 para trabalhar. Vamos fazer dar certo", declara Amanda. 

É por isso que, para elas, a receita para um 2022 de sucesso é: dedicação, trabalho duro e uma pitada de um sonho completamente possível.

Ana Karine Costa, estudante

"Estudar para o Enem já é complicado, imagine sozinha e com uma pandemia no meio, fica tudo ainda mais difícil".

Karine 2
Legenda: Estudar para o vestibular durante a pandemia foi um dos grandes desafios de Ana Karine Costa
Foto: Thiago Gadelha

Incertezas, descobertas, mudanças, expectativas. Todas essas 'matérias' também compuseram o ano letivo da estudante Ana Karine Costa, de 18 anos.

Para além dos conteúdos de álgebra ou das classes gramaticais da língua portuguesa, Ka, como gosta de ser chamada, teve que lidar com um turbulento processo de readaptação da rotina e da vida pessoal em 2021. 

"No início do ano, tínhamos a pandemia cada vez pior. Eu me preocupava muito com as notícias que ia vendo. Depois, passei por um término de namoro complicado. Junto a tudo isso, eu sabia que teria um ano duro nos estudos, já que era minha vez de levar o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] a sério. Mas, não estava conseguindo ir bem, não conseguia assistir todas as aulas. Por mais que eu me esforçasse, era ruim conseguir manter o foco na tela do computador por horas", conta. 

Minhas dúvidas não eram tiradas 100% e eu via um esforço grande dos meus professores, sabia que não era culpa deles. E, então, o tempo foi passando, as aulas voltaram e eu pude correr atrás do que eu tinha perdido"
Ana Karine Costa
Estudante
 

"O período pré-Enem foi o mais difícil do ano. Era pouco tempo para muito conteúdo. Ainda assim, os professores tentaram passar tudo o que poderia cair, mas era um tiro no escuro, já que ninguém nunca sabe o que vai cair de fato. Eu e meus colegas de turma ficamos preocupados ainda com as declarações de políticos sobre a prova, sobretudo quanto a redação do Enem, que por sinal, foi um tema difícil, ao menos para mim".

Karine
Legenda: Ana Karine Costa é estudante do terceiro ano do ensino médio
Foto: Thiago Gadelha

Assim como tantos outros jovens, Karine completou os 18 anos durante a pandemia de Covid-19. Sua liberdade foi cerceada, mas ela entende o poder dessa escolha. Inclusive, optou por se distanciar de quem não entendia a gravidade da situação.

Eu sinto como se ainda não tivesse saído dos meus 17 anos, não tive como aproveitar isso. Me distanciei de vários amigos, porque muitos deles não tinham tanta consciência quanto eu. Por isso, 'perdi' a oportunidade de sair para alguns cantos. Mas, estou ciente de que ainda tenho muito o que viver, dá para esperar um pouco"
Ana Karine Costa
Estudante

É na esperança de viver a juventude e de realizar o sonho da aprovação na faculdade de Medicina que Karine aguarda a entrada de 2022. Mas, se engana quem acha que ela não está preparada para as mudanças que podem haver no caminho.

"Eu também tenho um plano B: começar a trabalhar, pagar um cursinho preparatório para o Enem e tentar até dar certo. Mas, meu 2022 seria perfeito se as pessoas se conscientizassem para que a pandemia acabe e eu possa viver tudo o que não vivi ainda", conta esperançosa.

 

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