Fábrica de calçados Paquetá atrasa salários há 2 meses de 3,8 mil funcionários no Ceará

Empresa originária do Rio Grande do Sul está em recuperação judicial desde abril de 2019

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Paquetá
Legenda: O Grupo Paquetá possui fábricas de calçados instaladas em Uruburetama, Itapajé, Pentecoste e Apuiarés
Foto: Kid Junior

Em um forte processo de desindustrialização, o Ceará pode perder mais três grandes unidades fabris que empregam mais de 3,8 mil pessoas no Interior do Estado. O ameaçado, dessa vez, é o Grupo Paquetá, que possui fábricas de calçados instaladas em Uruburetama, Itapajé e Pentecoste.

Originária do Rio Grande do Sul e em recuperação judicial desde abril de 2019, a empresa vem deixando os problemas financeiros refletirem nos trabalhadores desde meados de março deste ano, quando o atraso no pagamento dos salários começou a ser observado.

Atualização às 9h49 desta quarta-feira (10): a reportagem do Diário do Nordeste foi informada pelo vereador de Uruburetama, Cleber Uchoa, que nessa terça-feira (9) a empresa pagou 40% do salário do mês aos funcionários. 

Há cerca de um ano, os funcionários vêm sendo mandados para casa em função de redução na capacidade produtiva, mas recebiam os salários integrais e em dia mesmo sem trabalhar. Em abril, no entanto, a empresa pagou os colaboradores de forma parcelada, fato inédito na história da companhia que está instalada no Ceará há quase 30 anos, segundo funcionários.

Além do pagamento parcelado dos rendimentos, na última sexta-feira (5), os colaboradores foram comunicados, por meio de nota, que os proventos referentes a abril irão atrasar em 15 dias. Os valores deveriam ter sido depositados na conta dos funcionários até o quinto dia útil deste mês.

"Informamos que, infelizmente, haverá um atraso no pagamento de seus salários. Gostaríamos de nos desculpar por qualquer inconveniente que isso possa ter causado e garantir que estamos trabalhando para resolver a situação o mais rápido possível. A previsão para regularização do pagamento dos salários será em até 15 dias e assim que houver uma previsão mais concreta, informaremos a todos. Pedimos a compreensão e colaboração de todos nesse momento difícil. Se tiverem alguma dúvida ou preocupação, por favor, entre em contato com o RH".

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Procurada pela reportagem do Diário do Nordeste, a empresa não se manifestou até a publicação desta matéria. 

Repassada por superiores diretos através de grupos no WhatsApp, a nota não possui assinatura do responsável pelo comunicado, de forma que os trabalhadores não sabem quem cobrar por mais informações.

Dificuldades para se manter

Em Uruburetama, cerca de 1 mil pessoas constam no quadro de funcionários da Paquetá. A produção da unidade era destinada integralmente à exportação, conforme moradores do município. Sem receberem os salários, os funcionários já passam dificuldade para arcar com as contas básicas.

Uma funcionária que preferiu não se identificar trabalha na fábrica de calçados há 11 anos. O marido dela também é empregado da Paquetá, há 18 anos. A trabalhadora conta fez parte do pequeno grupo que trabalhou até a sexta-feira (5), uma vez que a maior parte do efetivo já estava sem serviço, por determinação da própria empresa.

Pais de uma criança pequena, o casal tem vivido dias difíceis para sobreviver e contam com a ajuda dos próprios pais.

(Estamos sobrevivendo) Na casa da mãe, da sogra, porque a gente mora de aluguel, tem que pagar, tem que comprar mercantil, tem um filho, tem que ter as coisas pra criança e não tem, né? Quantas famílias estão vivendo nessa situação? Pior que sou eu e o meu marido. Os dois. É o salário 100% de lá, não temos outra renda"

"Feliz é quem tem mãe e pai que a gente pode socorrer a eles, mas quem não tem? Está séria a situação da fábrica. Eu, pelo menos, não tenho mais esperança dessa fábrica voltar ao normal", acrescenta a colaboradora.

A trabalhadora pontua que, mesmo sem previsão concreta, acredita que irá receber o salário neste mês de maio por ter trabalhado alguns dias. “Mas e o próximo mês?”, questiona.

Paquetá
Legenda: Além do pagamento parcelado dos rendimentos, na última sexta-feira (5), os colaboradores foram comunicados, por meio de nota, que os proventos referentes a abril irão atrasar em 15 dias
Foto: Kid Junior

Sem dinheiro para o aluguel

Outra funcionária da Paquetá em Uruburetama que também pediu para ter a identidade preservada está em casa sem trabalhar há cerca de dois meses. Contratada há apenas um ano, a jovem mora sozinha e já está com o aluguel atrasado. "Eu vim na Prefeitura ver se eu consigo pelo menos um gás".

Sem uma entidade representativa dos trabalhadores no município, o vereador de Uruburetama, Cleber Uchoa, está acompanhando os empregados da Paquetá. Ele ressalta que o maior temor dos colaboradores é a empresa decretar falência, os representantes sumirem e não pagarem os valores a que os funcionários têm direito.

Nós não temos informações oficiais. Correm vários boatos, que eles estão em negociação com outras pessoas para vender tudo e que os funcionários continuariam a trabalhar para esse comprador, mas é tudo só conversa"
Cleber Uchoa
Vereador de Uruburetama

A reportagem foi até a fábrica da Paquetá em Uruburetama. No local, todas as esteiras se encontram paradas. Questionado, um representante da empresa que estava no local disse não saber por que a produção está parada, além de alegar não ter informações sobre o futuro da companhia.

A situação está afetando até mesmo o comércio do município. Sem receberem os salários, os mil funcionários da empresa estão deixando de comprar ou reduzindo as quantidades de compras. Uma das funcionárias anônimas da empresa pontua que os trabalhadores não conseguem comprar ‘fiado’ nos estabelecimentos locais.

"Não tem quem venda mais [fiado]. Qualquer um da Paquetá que for atrás de comprar fiado, não vai conseguir. Vai pagar como, se a nossa renda é de lá? Creio que não temos mais esse crediário".

Paquetá
Legenda: Como a nota repassada por superiores diretos através de grupos no WhatsAppa não possui assinatura do responsável pelo comunicado, os trabalhadores não sabem quem cobrar por mais informações
Foto: Kid Junior

“Pra mim, eu já não tenho mais emprego”

Sem maiores informações a respeito da situação da companhia e com direitos trabalhistas feridos, colaboradores realizaram uma manifestação na manhã da última segunda-feira (8) em frente ao Sindicado dos Calçadistas de Itapajé (Sindicaui).

Uma das trabalhadoras relatou que está há dois meses em casa sem trabalhar por determinação da Paquetá. Segundo ela, em abril recebeu apenas R$ 200 do salário e, este mês, até momento, nada.

"Eu não me importo se amanhã eu vou chegar na empresa e não vou ter mais meu emprego lá, porque, pra mim, eu já não tenho mais emprego. Esse mês, eu não recebi um real. E estou precisando pagar todas as minhas contas", afirmou Iara Matos.

Paquetá
Legenda: Procurada pela reportagem do Diário do Nordeste, a empresa não se manifestou até a publicação desta matéria
Foto: Kid Junior

Em conversa com a colaboradora em frente à unidade da Paquetá em Itapajé, Iara ainda reclama da falta de transparência da empresa para com os funcionários.

"Esse mês a gente ainda não recebeu foi nada, eles mandaram uma nota, só disseram que era da direção da empresa, mas não disseram exatamente quando (vão pagar), só falaram que seria em 15 dias, mas a gente queria ter a certeza de quando esse pagamento vai acontecer, se realmente vai acontecer. A gente sabe que é uma crise que a empresa está passando. A indignação que dá é eles não chamarem um funcionário para falar", acrescenta.

Paquetá
Legenda: Erilândia Oliveira foi demitida no dia 2 de dezembro do ano passado e diz que ainda não recebeu a integralidade da sua rescisão, que foi parcelada em três vezes
Foto: Kid Junior

Os colaboradores da calçadista também relatam atraso na entrega das cestas básicas dadas pela empresa. Em abril, os alimentos foram recebidos com cerca de 10 dias de atraso. Neste mês, a Paquetá ainda não informou se e quando irá distribuir as cestas.

"Quando saí, não tinha um centavo"

Já Erilândia Oliveira é ex-trabalhadora da Paquetá em Itapajé. Ela revelou que foi demitida no dia 2 de dezembro do ano passado e ainda não recebeu a integralidade da sua rescisão, que foi parcelada em três vezes.

“Até hoje espero o meu FGTS, que é para ser depositado todos os meses. Quando saí, não tinha um centavo (na conta). A turma toda do dia 2 de dezembro (que foi demitida) está na mesma situação que eu”, ressalta.

“Por mim, eu estava lá trabalhando. Mas já que fui demitida, quero meu dinheiro”, acrescenta Erilândia. Ela ainda detalha que já recebeu todas as parcelas do seguro-desemprego e a Paquetá não concluiu o pagamento da rescisão.

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Legenda: Liduina Mesquita é funcionária da companhia há quase 20 anos e relata dificuldades para pagar suas contas com o atraso no pagamento
Foto: Kid Junior

Liduina Mesquita é funcionária da companhia há quase 20 anos. Ela detalha que, quando a fábrica está com 100% da capacidade, 12 esteiras funcionam na unidade, cada uma demandando entre 150 e 200 funcionários. Nos últimos dias de operação da indústria, apenas uma esteira estava rolando, com cerca de 40 pessoas, durante três dias por semana, para terminar modelos de calçados específicos.

Algumas das marcas produzidas no local eram Lacoste, Capodarte e Kipling.

"(As contas) Já estão atrasadas. O cartão de crédito está atrasado. Graças a Deus, o mercantil deu pra comprar com o salário que foi pago atrasado mês passado, mas as compras que a gente tem no cartão, que são coisas para menina, algo que falta no fim do mês, não sei como vou pagar. Está na mão de Deus".

Empresa descumpre obrigações trabalhistas, segundo sindicato

O assessor jurídico do Sindicaui, Jarbas Alves, detalha que o sindicato vem observando dois sérios descumprimentos das obrigações trabalhistas. A primeira é o atraso no pagamento dos salários. Segundo ele, os proventos que eram pra ter sido pagos até o quinto dia útil de março sofreu atraso. Já o que deveria ser pago no início de abril até foi realizado no prazo, mas de forma parcial, o restante sendo pago posteriormente. E o salário de maio vai atrasar cerca de 15 dias, conforme dito comunicado pela empresa.

"O que nós sabemos é que não está tendo atividade produtiva na empresa. Quando e se as operações vão retornar, nós não sabemos. O fato é que o empregador, em situação difícil ou não, tem o dever de pagar os salários", ressalta.

Já o segundo descumprimento é o não depósito da contribuição empresarial para o FGTS, à exemplo do que foi relatado por ex-funcionária da Paquetá durante a manifestação.

Alves também esclarece que quase a totalidade das cerca de 1,3 mil pessoas que a empresa emprega em Itapajé estão em casa sem trabalhar em função da redução de capacidade produtiva da fábrica.

Segundo o assessor jurídico, os funcionários estão recebendo o salário integral durante o afastamento, apesar os atrasos e parcelamentos.

"A empresa entrou em recuperação judicial em 2019, o que já é uma demonstração de fragilidade. Embora viesse cumprindo as recomendações do juiz, parece que a situação não melhorou. Ainda que os funcionários afastados estejam recebendo salário, não tem como a empresa se manter sem produção. Nós, do sindicato, esperamos um milagre".

Alves ainda pontua que a empresa não dá maiores esclarecimentos sobre a situação da companhia e sobre o futuro da empresa e dos trabalhadores.

O vereador de Itapajé, Neutel Monteiro, pede que representantes do grupo Paquetá esclareçam sobre a situação das fábricas e dos funcionários e ressalta que os trabalhadores reivindicam apenas o que lhes é de direito.

"Nós não estamos aqui pedindo aumento de salário, inclusão de benefícios, nada disso. Queremos apenas que os salários, rescisões sejam pagos e as cestas básicas, entregues", argumenta.

O parlamentar também lembra que, apesar de ser uma operação privada, a Paquetá deve satisfação aos funcionários e à sociedade em geral, uma vez que recebe incentivos fiscais, desde a redução de imposto à cessão dos galpões em que está instalada.

 

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