'Entregaram chaves e os ônus': Porto Freire entrega condomínio com obras inacabadas a proprietários

Comissão de representantes dos futuros moradores do Solaris Residence estima que término das obras custe cerca de R$ 300 mil

Escrito por Carolina Mesquita ,
Legenda: Solaris Residence deveria ser entregue ainda em março de 2015
Foto: Thiago Gadelha

Após semanas sem saber o que iria acontecer com seus imóveis a partir da falência da construtora Porto Freire, os 225 proprietários de unidades no condomínio Solaris Residence, em Fortaleza, receberam a responsabilidade total pelo empreendimento, incluindo manutenção da estrutura atual e a conclusão das obras.

Apesar de tranquilizados por decidirem o destino dos próprios apartamentos, a estimativa inicial aponta que deixar as unidades aptas para morar custe cerca de R$ 300 mil extras aos futuros moradores.

O valor é indicado pelo presidente da comissão de representantes do Solaris, o empresário Thimotio Braz, e é referente à obtenção do Habite-se, documento emitido pela Prefeitura que autoriza o início da utilização efetiva do condomínio.

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A P2S, empresa que está administrando a massa falida da construtora, entregou as chaves do empreendimento para a comissão de representantes dos proprietários em abril último.

O condomínio atualmente está com cerca de 95% das obras concluídas. Tendo em vista a pequena parcela de serviços que ainda precisa ser providenciada, os futuros moradores do Solaris decidiram em assembleia por concluírem o empreendimento.

Tipo de contrato

O empresário Thimotio Braz é presidente da comissão de representantes desde 2013, quando o grupo foi instituído. A representação se fazia necessária já à época tendo em vista o modelo de incorporação previsto, no caso, o por empreitada com patrimônio de afetação.

O advogado especialista em Direito Imobiliário, Apolo Sherer Filho, explica que existem três tipos de incorporação imobiliária:

  • Por conta e risco do incorporador - o incorporador se compromete a construir e vender os futuros imóveis, não existindo a figura jurídica da comissão de representantes
  • Por empreitada - o empreendimento é construído por empreiteira, mas há a obrigatoriedade da comissão de representantes, mesmo que o projeto seja erguido sem levar a opinião de quem vai comprar
  • Por administração - também chamada de condomínio fechado ou a preço de custo, nessa modalidade o condomínio é quem custeia a obra, de forma que os compradores das unidades assumem a responsabilidade e risco do empreendimento

Apolo ainda esclarece que o patrimônio de afetação é um recurso que institui as contas do empreendimento separadamente das contas da construtora, incluindo receitas e dívidas.

Dessa forma, mesmo que a incorporadora chegue à falência, por exemplo, a comissão de representantes assume a responsabilidade de gerência das contas e da continuidade das obras.

"A gente pode concluir que o intuito do patrimônio de afetação é assegurar, concretizar a continuidade e a entrega das unidades que estão sendo construídas, até mesmo no caso de falência ou insolvência da construtora, do incorporador", ressalta.

O especialista acrescenta que a independência das contas e a proteção do patrimônio e dos interesses dos compradores são as principais vantagens dessa escolha, além de melhores taxas de financiamento e regime tributário especial.

Por outro lado, ele alerta que é necessário a comissão contratar uma auditoria para fiscalizar e acompanhar a contabilidade geral da obra, incluindo recolhimento de impostos, recibos, entre outros.

Quando se tem uma obra que está em regime de patrimônio de afetação, os cuidados com esse tipo de aquisição ficam no sentido de verificar se o patrimônio de afetação está registrado no cartório de registro de imóveis, se essa auditoria foi contratada, e até mesmo saber se toda essa documentação da obra está regularizada".
Apolo Scherer Filho
Advogado especialista em Direito Imobiliário

Atrasos e imbróglios

Thimoteo recorda que a comissão de representantes do Solaris tinha acompanhamento ativo do andamento das obras, com reuniões periódicas com a Porto Freire até meados de março de 2015, período em que o condomínio deveria ter sido concluído.

No entanto, vieram os primeiros atrasos e os demais membros da comissão acabaram desistindo dos imóveis, seja fazendo acordo com a construtora ou vendendo as cotas. A comissão, então, acabou sendo dissolvida, até que este ano foi reinstituída.

Passada a resolução do reinvidicação inicial, o recebimento das chaves do condomínio, o grupo de moradores agora enfrenta novas dificuldades e burocracias para colocar em prática a intenção de concluir as obras.

Uma delas é o acesso a contas do próprio empreendimento. Thimoteo explica que o CNPJ do Solaris consta como falido e as contas bloqueadas, de forma que ainda não se sabe se há saldos ou débitos abertos.

Legenda: Proprietários do Solaris irão ratear custos de finalizar as obras do empreendimento.
Foto: Arquivo Pessoal/Thimotio Braz

Diante disso, a comissão decidiu que a melhor saída seria a abertura de um novo CNPJ, até porque há o risco de, quando o antigo CNPJ fosse reativado, todo o dinheiro da conclusão da obra depositado na conta antiga ir para o pagamento de possíveis dívidas.

No entanto, para ter um novo CNPJ, era necessário que a comissão registrasse em cartório atas de assembleias com os proprietários, para então abrir uma conta bancária do residencial.

"Ainda não sabemos se tem dívidas. É provável que tenha algum saldo, mas também não sabemos o valor. Recebemos informações que talvez tenha no máximo R$ 10 mil na conta, o que é muito estranho, porque uma obra desse tamanho não gira com um valor tão baixo assim", afirma Thimoteo.

Devido a toda essa burocracia, que ainda está sendo resolvida, os proprietários terão de depositar a primeira cota para o pagamento de serviços emergenciais na conta do presidente da comissão.

Em maio, os futuros moradores com contratos ativos tiveram que desembolsar R$ 1.750,67 referente ao pagamento do serviço de vigilância, que teve de ser contratado no mesmo dia do recebimento das chaves, limpeza do terreno, manutenção da piscina, e pagamento da assessoria jurídica.

O presidente da comissão indica um segundo imbróglio no processo, que é a verificação de todos os contratos entregues pela P2S para saber quais ainda estão ativos.

Isso porque a documentação repassada pela construtora não está completa nem totalmente catalogada. Por ter havido muitos distratos, a comissão, junto com a assessoria jurídica, ainda está confirmando quais ainda estão valendo.

Próximas etapas

Além da manutenção e da resolução dos problemas burocráticos iniciais, o grupo de moradores já começou a pegar orçamentos para o término das obras. Para cada serviço e compra, deverão haver pelo menos três cotações, entre as quais os moradores irão decidir pelo melhor custo-benefício.

Em relação ao Habite-se, Thimoteo esclarece que são duas etapas: a primeira é o término das áreas comuns do empreendimento e a segunda, a conclusão interna dos apartamentos.

Ele ainda indica que, pelo empenho que todos estão tendo, os proprietários pretendem terminar as intervenções ainda este ano, embora muitos processos não dependam apenas da contratação da própria comissão, como o fornecimento de água e energia elétrica.

Os moradores estão muito interessados na conclusão, até porque nesse processo de atraso muitos deles perderam capacidade de pagamento. A realidade financeira das famílias antes da pandemia era outra e como o pagamento do financiamento só inicia após a entrega das chaves, muitos querem vender as cotas e reaver o prejuízo que tiveram".
Thimotio Braz
Empresário e presidente da comissão de representantes do Solaris

Alívio parcial

A advogada Nazare Silva Cajado se diz aliviada pela entrega das chaves do empreendimento, mas lembra que ainda há um longo caminho até a resolução total do pesadelo que virou a compra dessas unidades.

"A P2S contactou a comissão e entregou não somente as chaves como todos os ônus. Agora, todos os proprietários vão ter que ratear a finalização da obra. Somente o fornecimento de água, está em torno de R$ 180 mil", ressalta.

"Mas é uma sequênica de dores de cabeça. É até gatilho pra depressão. Mas nossa única saída é depositar esperança para que tudo dê certo o mais rápido possível, porque são anos de espera. Tem gente que deu o sangue para pagar aqueles apartamentos", acrescenta.

Legenda: Porto Freire anunciou a falência em março de 2022 e deixou empreendimentos inacabados.
Foto: Thiago Gadelha

O empreeiteiro Antônio Maurício Tavares, que prestou serviços no canteiro do Solaris com pagamento em unidades do condomínio e está com um dívida de R$ 2 milhões, também está um pouco mais otimista após a entrega das chaves.

Ele relata que procurou os fornecedores com quem tem débitos abertos para dar uma resposta e perspectiva mais positiva, embora a preocupação permaneça.

"Eles vão ter que esperar mais um pouco, até os trâmites estarem todos certos e entregar as unidades. Mas deu pra dar uma tranquilizada, não 100%, porque estamos nesse processo de transição, mas um pouquinho, pelo menos pra colocar a cabeça no travesseiro e conseguir dormir, deu", afirma.

O que diz a Porto Freire

Procurada, a P2S, administradora da massa falida do grupo Porto Freire, confirmou que entregou as chaves do Solaris ao presidente da comissão de representantes no dia 8 de abril e ressaltou que a comissão "foi notificada de forma prévia acerca das responsabilidades que assumiria, de modo que a Massa Falida não possuirá qualquer ingerência sobre o término da obra e as liberações dos adquirentes".

Questionada sobre saldos e débitos relativos ao empreendimento, o esclarecimento enviado por meio de nota aponta que é de responsabilidade da comissão "realizar o levantamento dos recursos existentes para a finalização da obra, bem como os débitos que precisam ser rateados entre os adquirentes para a conclusão dos trabalhos construtivos".

A administradora ainda informa que, "havendo algum saldo credor, ao final da obra, depois de liquidadas todas as obrigações financeiras do Patrimônio de Afetação, este saldo deverá ser arrecadado pela Massa Falida".

O advogado especialista em direito imobiliário, Apolo Scherer Filho, explica que de fato a devolução de valores é prevista, mas apenas depois de verificar se todas as obrigações trabalhistas, previdenciarias, tributarias foram pagas.

"Se os adquirentes tiverem adiantado valor com recursos próprios, serão reembolsados. Se uma instituição financeira tiver feito algum tipo de financiamento, será paga também. Estando todas as obrigações regularizadas e devidamente quitadas, e havendo saldo, o remanescente vai para a massa falida", detalha.

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