Após falência da Porto Freire, mais de 70 pessoas ficam sem imóvel: 'no fundo do poço'

Clientes e parceiros da construtora cearense vivem drama. Empresa encerrou atividades no mês passado e deixou imóveis inacabados

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
obras paradas da porto freire
Legenda: Empreendimento no Cambeba está abandonado desde 2015, segundo cliente da construtora.
Foto: Thiago Gadelha

A conquista de um imóvel, mesmo que não seja o primeiro, é sempre uma etapa muito comemorada pelo brasileiro. A realização desse sonho, no entanto, pode acabar virando um pesadelo.

Foi o que aconteceu com pelo menos 77 clientes da Porto Freire, construtora cearense, que assinou grandes empreendimentos como o Parque del Sol, na Cidade dos Funcionários, e encerrou as atividades após 38 anos.

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A advogada e empresária Ana Tarna Mendes adquiriu um apartamento com a empresa ainda na planta no Condomínio Cruzeiro do Sul, no Cambeba, em 2015. A promessa era entregar a unidade em menos de um ano, mas a obra foi abandonada poucos meses depois.

Tendo dado uma entrada de cerca de R$ 127 mil, ela procurou a construtora para pedir o ressarcimento, mas não houve acordo.

Diante disso, Ana ingressou com ação judicial, processo que se arrastou até 2020 quando ela aceitou a proposta de acordo: um novo apartamento quitado no Solaris Residence, outro empreendimento da Porto Freire com obras mais avançadas.

"Com receio deles falirem, eu fechei o acordo. Percebi que eles estavam cada vez pior (financeiramente). Sei que ganharia a indenização, mas não seria uma execução válida, porque a Porto Freire já não tinha dinheiro em contas bancárias há muito tempo", afirma.

A promessa era entregar o novo empreendimento em dezembro de 2021, mas em março deste ano a empresária foi surpreendida com o anúncio de falência divulgado nas redes sociais da empresa.

"Eu não tinha intenção de morar, mas de alugar e ter uma renda disso. Hoje, eu moro com minha mãe, mas é um prejuízo (não ter recebido ainda). Então, eu poderia estar me beneficiando desse imóvel, seja para morar, alugar ou vender, mas está lá retido", lamenta.

Legenda: Porto Freire anunciou a falência em março de 2022 e deixou empreendimentos inacabados.
Foto: Thiago Gadelha

Grupo de WhatsApp

A também advogada Nazare Silva Cajado se encontra em situação semelhante. Ela relata que adquiriu unidade no Solaris Residence em 2015, com previsão de entrega em 2016. No entanto, a Porto Freire não cumpriu nenhuma das datas estabelecidas nos anos seguintes.

Nas cartas que a empresa enviava, as justificativas para os atrasos iam desde o período chuvoso do Ceará, até à pandemia, passando por dificuldades macroeconômicas do País.

Ao se deparar com a publicação nas redes sociais da Porto Freire sobre a falência, Nazare conta que escreveu um comentário pedindo esclarecimentos sobre como iria ficar a sua situação, mas o texto foi apagado.

"Diante dessa situação, mandei mensagem para todos os seguidores do perfil do Solaris e hoje tenho um grupo no Whatsapp com cerca de 77 pessoas que estão na mesma situação: no fundo do poço cavado pela construtora", dispara.

Morando fora do País desde 2019, a advogada lembra que eu dezembro houve uma visita ao empreendimento, à qual enviou o irmão como representante. Na ocasião, o engenheiro detalhou os pontos inacabados da obra, como esquadrilha, vaso sanitário, chuveiro, entre outros, e que não havia uma previsão para a conclusão.

"Entrei em contato com o chat da empresa e a atendente informou que eu não precisava me preocupar, porque até o fim do primeiro semestre a obra ia ser entregue. Eu pretendia morar no imóvel, mas diante da demora eu recebi uma proposta de emprego em outro país e com o salário pagava o apartamento, o sonho da casa própria"
Nazare Silva Cajado
Advogada

Nazare também relata que em janeiro de 2022 teve outra péssima surpresa. Ela descobriu que a Porto Freire não estava pagando o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) do apartamento que havia comprado.

Ela explica que, enquanto o imóvel não é entregue, a responsabilidade do pagamento é da construtora responsável. Para não ter o nome protestado, ela realizou a regularização, no valor de cerca de R$ 250.

Providências

Tendo conseguido contato com inúmeras outras pessoas na mesma situação, a advogada revela que o grupo está se organizando para entrar com uma ação judicial para reaver o empreendimento e finalizar os 5% de obras que ainda faltam.

"No momento, estamos tentando encontrar todos os compradores dos apartamentos do Solaris Mondubim para explicar a situação, já que a Porto Freire entrou em falência e não queremos que nosso empreendimento vá para leilão. Nós, proprietários, queremos as chaves do empreendimento e nós mesmos terminarmos a obra", afirma.

Legenda: Solaris Residence está com cerca de 95% das obras concluídas.
Foto: Thiago Gadelha

O que diz a Porto Freire

Procurada, a R. Amaral Advogados, em nome da P2S Administração Judicial, empresa que agora é a responsável pela gestão da massa falida do Grupo Porto Freire, deu alguns detalhes do processo atual e do que pode acontecer com os clientes da construtora.

Eles explicam que, com a decretação de falência do Grupo Porto Freire, as empresas que o compõem encerraram definitivamente as suas atividades de gestão de obras, incorporação de empreendimentos construção civil.

Dessa forma a P2S Administração Judicial fica responsável pela massa falida do grupo e "pela arrecadação dos seus bens, alienação dos bens arrecadados e, oportunamente, pagamento dos credores relacionados no quadro-geral, seguindo-se a ordem legal".

A nota também esclarece que os empreendimentos com obras inacabadas não integram os ativos da falência, de forma que não correria o risco desses empreendimentos irem à leilão.

"Isso significa dizer que caberá aos condôminos adquirentes, em assembleia geral, decidirem a respeito da continuidade ou não das obras, e em que condições", pontua.

O texto acrescenta que "todos os empreendimentos encontram-se representados, que por suas Comissões de Representantes (no caso dos patrimônios de afetação), que por suas Administrações (nas hipóteses de condomínios fechados), que deverão dar cumprimento ao que será determinando naquelas assembleias".

Questionados se os clientes receberiam algum tipo de compensação pelos transtornos, os representantes informaram que ações judiciais estão sendo analisadas individualmente e que caso o Poder Judiciário reconheça o direito a compensação, os "valores deverão ser inscritos no quadro-geral de credores da Massa Falida, na classe dos créditos quirografários".

Sobre o caso dos prestadores de serviço que aceitaram pagamento através de permuta, eles explicam que essas pessoas são vistas como compradores de imóveis que pagaram parte ou a totalidade das unidades "com a prestação de serviços ou o fornecimento de materiais".

Dessa forma, eles não devem ser tratados de forma diferente dos demais consumidores.

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