Com crises na 123 Milhas e Hurb, compra de passagens aéreas mudou no Brasil?

Clima de desconfiança pode afetar empresas do setor

Escrito por Mariana Lemos , mariana.lemos@svm.com.br
foto de pessoa pesquisando passagem aérea no computador
Legenda: Uma das grandes empresas do setor de passagens aéreas promocionais, 123 Milhas está em recuperação judicial
Foto: Shutterstock

O caso da empresa 123 Milhas, que cancelou a emissão de milhares de passagens e entrou em recuperação judicial, tem impacto nos hábitos de consumo de bilhetes aéreos no Brasil. Especialistas apontam que o clima de 'insegurança' pode afetar outras empresas do setor.

A empresária Luciana Uchoa, uma das clientes que teve as passagens canceladas pela 123 Milhas, faz parte do grupo que não confia mais em sites promocionais. Ela também relata que deixou de comprar bilhetes para datas muito distantes.

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“Acredito que vá acontecer novamente, com outras pessoas e empresas. Nunca recebemos um real sequer e depois não conseguimos mais contato. Foi um total de R$ 7.300 de prejuízo”, explica. A empresária relata que tentou realizar o cancelamento de quatro passagens e não chegou a receber nem os vouchers para compra interna no site.

Alessandro Oliveira, pesquisador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Nectar-ITA), explica que a percepção dos consumidores sobre esse tipo de negócio foi prejudicada pelo caso da 123 Milhas.

A crise da empresa Hurb (antigo Hotel Urbano), que teve a venda de pacotes flexíveis cancelada pelo governo após reclamações de descumprimento das ofertas, também impactou o setor. Apenas nos três primeiros meses de 2023, a Hurb recebeu mais de 7 mil reclamações sobre passagens compradas não estariam sendo emitidas.

Na visão de Alessandro, como efeito imediato, os consumidores podem priorizar comprar diretamente com as companhias aéreas. “Pode acontecer que a demanda das companhias aéreas comece a aumentar, devido a esses clientes mais sensíveis a preço que comprariam com as plataformas, e aí os preços sobem mais. De uma certa forma, afasta esses consumidores do transporte aéreo, em geral, o que é um problema”, aponta.

Com uma lista de 803 mil credores, a 123 Milhas e a Maxmilhas, do mesmo grupo, estão em processo de recuperação judicial desde setembro. Milhares de clientes que adquiriram passagens da linha promocional tiveram os bilhetes cancelados alegam que não receberam os vouchers para serem usados no site - única forma de reembolso disponibilizada. 

No caso da Hurb, o governo interviu para suspender a venda de pacotes promocionais devido à suspeita de descumprimento contratual. Ambas as empresas seguem operando, mas figuram no ranking das vinte empresas mais reclamadas nos últimos 6 meses na plataforma Reclame Aqui.

Futuro do negócio de passagens promocionais

Apesar do cenário de desconfiança, outras empresas de passagens promocionais registraram aumento nas vendas no segundo semestre de 2023. A CVC, por exemplo, teve crescimento de 23% nas vendas no verão de 2023 em relação ao ano anterior. As passagens de voos nacionais representam 41% dos negócios da empresa. 

Já a Decolar, outra empresa do setor, registrou crescimento de 50% nas passagens aéreas nas festas de fim de ano e 114% em pacotes de viagem para o Carnaval. A companhia não divulga informações sobre vendas. 

Para Alessandro Oliveira, o mercado passagens promocionais segue viável no País, já que há uma grande demanda.

Existem centenas de milhares de pessoas interessadas em viajar e pagar um preço barato, online, sem muita pesquisa. É muito atrativo principalmente para o consumidor que não é tão versado no meio digital. Atrai visibilidade”
Alessandro Oliveira
Pesquisador do Nectar-ITA

O pesquisador projeta ainda que, com a proteção financeira dos credores, obtida pela recuperação judicial, a 123milhas pode se reconstituir e voltar a ocupar lugar significativo no mercado. “A tendência de uma empresa em recuperação é colocar promoções pontuais para tentar recuperar a demanda de novo. Porque o produto é percebido como de baixa qualidade, então o consumidor só vai comprar com aquele tipo de empresa se houver um bom desconto”, comenta. 

Para Thiago Fujita, presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor (Acedecon), é necessário aguardar os desdobramentos judiciais do caso da 123milhas. 

“É uma situação difícil, observando que com o tamanho do problema, vários consumidores prejudicados, dificilmente a empresa vai conseguir pagar todos os débitos. Precisa-se espera e verificar. Tudo na Justiça será investigado, mas de fato é um débito muito grande, sem muitos ativos”, comenta o advogado.

Fujita reitera que há um clima de insegurança entre os consumidores de passagens aéreas. A recomendação é que os consumidores redobrem os cuidados no momento de pesquisar tickets aéreos e avaliem a situação financeira das empresas para ter mais confiança.

“O consumidor deve desconfiar de promoções muito vantajosas, que você vê que não se sustenta com o tempo. Empresas que fazem isso costumeiramente, uma hora tem uma grande chance de ter uma perda financeira, e nesse caso é difícil ter ressarcimento”, opina.

 

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