Caso 123 Milhas: empresa anula vouchers de reembolso e companhias aéreas cancelam passagens emitidas
Segundo o Procon Fortaleza, houve uma lesão aos direitos dos consumidores que contrataram o serviço da 123 Milhas
A problemática envolvendo a 123 Milhas ganhou novos desdobramentos. Depois da descontinuidade do serviço promocional de passagens flexíveis, os clientes agora reclamam do cancelamento de bilhetes já emitidos pelas companhias aéreas e de problemas quanto a validação de vouchers concedidos pela empresa como forma de reembolso.
Uma das reclamantes é a publicitária baiana Iana Joaquina, que adquiriu passagens para São Paulo através da linha "promo" e antes mesmo da data da viagem foi surpreendida pela informação de que não conseguiria fazer uso do que havia contratado.
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"Decidi usar esse serviço porque já tinha ouvido de uma colega que tinha usado. Vi que eles ofereciam uma passagem por menos da metade do preço padrão. Uma passagem para São Paulo, ida e volta, sai em torno de uns R$ 800 e nessa opção promocional tava por R$ 350. Quando você vê o preço pensa que vai valer muito a pena", justifica.
Ela conta que chegou a desconfiar do preço e que só soube do encerramento da opção de passagens por um acaso: "Em um desses finais de semana eu estava resolvendo algumas questões de férias e entrei no site da 123 Milhas. Logo de cara eu vi que tinha uma mensagem dizendo que as passagens promocionais iam ser descontinuadas. Pensei que não fosse mais viajar para São Paulo em novembro, porque minha passagem nem foi emitida e ela já seria encerrada naquele período do aviso".
Fiquei muito irritada porque não me mandaram nenhum tipo de aviso. Se não tivesse visto no site por algum motivo, eu não ficaria sabendo", relata a profissional, que também diz ter procurado uma advogada para saber como proceder judicialmente a partir dali"
Sem a emissão do bilhete e nem mesmo do código localizador, a consumidora destaca que não tinha nada que lhe assegurasse o contato com a companhia aérea. "A 123Milhas me mandou um voucher, que era uma forma de reembolso, já que não conseguiriam prestar aquele serviço. Mas isso me deixou muito frustrada porque eu não consegui pegar o dinheiro de volta", acrescenta.
A quantia "devolvida", entretanto, foi muito aquém do preço necessário para viajar no trecho pretendido. "O valor era de R$ 400, que segundo eles era a quantia reajustada pela inflação. Só que quando tentei usar o cupom para garantir pelo menos a ida ou a volta, para reduzir o meu prejuízo, ele não funcionava - ou seja, eu perdi tudo", lamenta Iana.
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O caso não é isolado e se parece com o do assessor técnico Herbert Amorim, que comprou passagens na mesma promoção, com datas flexíveis. Ele viajaria com o esposo para Madrid, na Espanha, em novembro, onde passariam as férias. "Viemos pagando essas passagens, o seguro viagem, pedimos chips [telefônicos] internacionais e montamos um roteiro. No dia em que íamos fazer a compra dos bilhetes internos nós soubemos da notícia de que o serviço estava suspenso", descreve.
"Com a notícia, a menos de 90 dias do embarque, tivemos que fazer uma petição inicial e demos entrada no juizado especial para que nossas passagens fossem emitidas. Esse processo continua em andamento e esperamos o prazo que o juiz deu, de 15 dias, para que a 123Milhas se manifeste", cita o rapaz.
O acontecimento minou os planos do casal, que agora não sabe se vai mesmo ir até a Europa: "É bem provável que a gente não consiga, porque todas nossas economias eram suficientes para curtir a viagem e não incluía mais a compra da passagem, que agora está bem superior ao que pagamos inicialmente".
"MANOBRA AÉREA"
Airton Melo, coordenador jurídico Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza), explica que a instituição entende que o houve uma lesão aos direitos dos consumidores que contrataram o serviço da 123 Milhas. "Esse processo está tramitando em uma vara específica com a nomenclatura de recuperação judicial e o desfecho se dará a partir disso", salienta o especialista no assunto.
A abertura do procedimento mencionado foi deferida no dia 31 de agosto pela juíza Claudia Helena Batista, da 1ª vara Empresarial de Belo Horizonte (MG). As dívidas declaradas pelo grupo atingem a casa de R$ 2,3 bilhões. Ao todo, são 700 mil credores, a maioria deles compradores de serviços.
Ao que alega o entrevistado, o processo faz com que haja uma centralização das ações movidas contra a plataforma na Justiça: "A informação que nós temos é de que existe um pedido de recuperação judicial da empresa, onde basicamente todos os contatos dos credores com ela se daria através desse processo, até mesmo na questão de uma ordem de honrar os compromissos. Esse pedido de recuperação avoca para si toda e qualquer demanda no país que verse sobre pedidos de ressarcimento".
De acordo com ele, o Procon instaurou uma averiguação preliminar, para investigar as denúncias iniciais. Em um segundo momento, devido aos fatos que se desenrolaram e pela ausência de uma manifestação mais precisa por parte da empresa, foi aberto um processo administrativo para apurar eventual infração às relações de consumo. "A notícia funcionou para os consumidores como se tivesse sido um trauma específico", concorda Melo em conversa com o Diário do Nordeste.
Ao que analisa o coordenador, houve uma manobra para que usufruísse do que está no Código de Defesa do Consumidor ao seu favor. "A empresa usou como um único artifício, como se ela fosse a beneficiária daqueles dispositivos, um voucher correspondente ao crédito do consumidor", avalia.
COMPANHIAS CANCELAM BILHETES JÁ EMITIDOS
Há também relatos de pessoas com bilhetes comprados mediante intermediação do e-commerce que foram cancelados pelas companhias pela suspensão dos portadores das milhagens, que haviam vendido tais pontos para a 123 Milhas e não tiveram o dinheiro devido depositado em suas contas.
Pelo que afirma o coordenador do Procon Fortaleza o cancelamento da passagem pelos titulares dos programas de milhagem não caracterizaria, em si, uma relação de consumo, pois a negociação dos benefícios é uma opção do proprietário. A inutilização dos bilhetes pelas companhias, no entanto, seria uma situação de desrespeito.
"Neste caso o consumidor estaria atrelado à 123 Milhas. Isso seria mais uma infração cometida pela empresa, à medida que ela não honra seus compromissos com os fornecedores e gera reflexos para o cliente", descreve, aconselhando as pessoas que foram vítimas de problemas semelhantes a acionar judicialmente quem comercializou a facilidade em questão.
O acionamento da Justiça poderá fazer com que os compradores, em uma eventual situação de falência, entre numa ordem de pagamentos a partir do apanhado geral da contabilidade da empresa.
EMPRESAS AÉREAS PODEM RESPONDER POR CANCELAMENTOS
Airton Melo esclarece que o cancelamento de bilhetes já emitidos pelas companhias aéreas em decorrência do não pagamento pela agência de viagens pode ser contestado pelo consumidor, uma vez que ele não tem relação direta com o ocorrido. "Por exemplo, se foi emitido uma passagem para um traslado e automaticamente a 123 Milhas não pagou a companhia aérea, ela não pode prejudicar o consumidor em relação a cumprir a obrigação dela".
Conforme descreve o advogado Nicomedes Figueiredo, a recuperação judicial "muda um pouco o cenário com relação à perspectiva de cumprimento do que ela vinha prometendo aos consumidores que adquiriram as passagens aéreas, porque com esse pedido existe uma ordem de preferência de credores".
"Os consumidores são considerados credores, então a partir daí eles entram no rol e têm direito a participar de assembleias e opinar nos rumos da recuperação judicial da empresa", enfatiza.
Na sua avaliação, o pedido se torna um empecilho para a execução imediata dos contratos de compra e venda de passagem. Por isso, o que tem recomendado aos clientes que buscam sua orientação que tentem negociar com a própria 123 Milhas, já que a curto prazo não há uma perspectiva de resolução para o impasse.
"É importante ressalvar que o fato da 123 Milhas ter pedido a recuperação judicial não impede que as pessoas que se sintam lesadas ajuízem ações visando o cumprimento desses contratos e postulem até mesmo a reparação por danos morais. Caso ganhem a ação, é possível que seja expedida uma certidão de crédito referente ao que eles têm direito", diz Figueiredo, pontuando que o documento os habilita como credores.
RESOLUÇÃO OBRIGA COMPANHIAS A EMBARCAREM PASSAGEIROS
Consultada, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que normatiza e supervisiona a atividade no País, indica que os transportadores aéreos, por força de uma resolução, deverão cumprir os contratos de transporte celebrados e embarcar os viajantes com passagens geradas. "Nesse sentido, havendo emissão do bilhete aéreo, existe um contrato de transporte celebrado entre empresa e passageiro e a empresa tem obrigação de cumpri-lo", orienta o órgão.
O descumprimento da normativa poderá incorrer, dentre outras medidas, na compensação financeira em prol do cliente, reembolso integral ou reacomodação do passageiro em outro voo de sua escolha e até mesmo na imputação de um auto de infração por parte da agência reguladora.
Em nota, a ANAC adiciona que diante dos atos recebidos, a área técnica encaminhou ofícios às companhias aéreas requerendo informações e salientando a necessidade de cumprimento do contrato de transporte e das garantias previstas, sob pena de multa.
"Aos passageiros que possuíam bilhete emitido e que entendam que foram prejudicados pelas companhias aéreas, recomenda-se que apresentem suas reclamações aos canais das empresas aéreas e, caso a situação não seja resolvida, registrem suas demandas na plataforma Consumidor.gov.br. Nessa plataforma, as empresas aéreas terão o prazo de até 10 dias para responder e a ANAC exercerá sua fiscalização sobre os problemas apresentados e sobre as soluções ofertadas pelas empresas aéreas", pontua o órgão federal.
A reportagem procurou a 123 Milhas através dos canais de relacionamento disponibilizados em seu site, mas não obteve nenhuma devolutiva até a publicação desta matéria.