Com clientes famosos, corretores de imóveis de luxo faturam R$ 200 mil por venda
O valor geral de vendas destas propriedades chegou a R$ 340 milhões somente em Fortaleza, segundo o Secovi-CE
O mercado imobiliário de luxo cearense disparou 109% em 2021, com o valor geral de vendas de R$ 340 milhões, segundo o Sindicato de Habitação do Ceará (Secovi-CE). Por trás desses números, além de clientes ricos e famosos, estão corretores que faturam, pelo menos, R$ 200 mil em cada imóvel negociado por R$ 5 milhões.
É o caso de Rodrigo César Alencar, de 40 anos. Há 15 anos na corretagem de alto luxo, ele diz receber comissão de 4% a 5% em vendas de apartamentos na planta e construídos, respectivamente.
“Os 6%, previstos na legislação, geralmente, são pagos só no Sul do País. Aqui, 90% das construtoras pagam esses percentuais”, afirma.
Veja também
Outras fontes já dizem não haver modificações para o nicho de mercado, seguindo o teto fixado em 6%. Nestes casos, a remuneração subiria para R$ 300 mil. Uma pessoa do setor, contudo, pondera que a comissão também pode ser reduzida para 2%.
O Secovi-CE considera de alto padrão propriedades com tamanhos a partir de 250 m², custando cerca de R$ 20 mil o metro quadrado. Ou seja, essas moradias valem a partir de R$ 5 milhões.
Os dados da entidade mostram que, no ano passado, o quantitativo de apartamentos vendidos neste valor chegou a 92. Em 2020, foram 44 unidades. Juntas, essas aquisições passaram de R$ 124 milhões para R$ 340 milhões, em 2021.
A maioria destes imóveis está nos bairros: Mucuripe, Meireles e Aldeota, além de um na Praia do Futuro, em Fortaleza.
Veja também
Como funciona o mercado imobiliário de luxo: quem compra e vende
No Ceará, apenas 2,3% da população recebem acima de cinco salários mínimos (R$ 5,2 mil) por rendimento domiciliar per capita, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerando o último ano de levantamento, em 2020.
Isso demonstra o quão restrito é esse mercado luxuoso. Quando não se é herdeiro ou não há investimentos de longo prazo, é necessária uma renda bem superior a essa para comprar um apartamento de R$ 5 milhões.
Poucos e cautelosos, a maioria destes endinheirados entende de economia, engenharia e arquitetura. Vender algo para esse público exige conhecimento sobre essas áreas e, também, que o corretor pertença ao mesmo ciclo social para conseguir ter acesso a eles.
Por isso, muitos destes vendedores são tão famosos quanto os clientes.
Corretor de Wesley Safadão e de donos de grandes fortunas conta como entrou neste mercado
O corretor Rodrigo César conta ter clientes como o cantor Wesley Safadão, as irmãs sertanejas Simone e Simaria e outros grandes empresários do Ceará.
Ele entrou neste mercado quando ainda era estudante de Direito, aos 25 anos. Rodrigo conta que observara o pai, um ex-bancário do alto escalão de uma instituição financeira, investir em imóveis e obter ganhos elevados nesta segunda atividade. Rodrigo resolvera, então, se arriscar e desfrutar da convivência com pessoas abastadas.
“Lógico que o meu ciclo social foi importante para ter acesso a esses clientes. Como eu já tinha algumas amizades, comecei vendendo para alguns amigos e começaram as indicações”, lembra, acrescentando que, nesse meio, o “networking” (rede de contatos) é crucial.
No início, conta, houve resistência de familiares por preferirem que ele seguisse carreira no Direito.
“Mas eu escolhi fazer o que gosto e hoje ganho 20 vezes mais do que receberia se tivesse me tornado um delegado, por exemplo”, enfatiza.
Rodrigo também se especializou em Direito Imobiliário para atender ao público. “A formação ajuda muito a concretizar as vendas. São valores altos e envolve confidencialidade”, diz. Apesar disso, frisa, há desafios para permanecer no segmento.
"É muito difícil no começo. Sou um ponto fora da curva e não gosto de frustrar as pessoas dizendo que é fácil, pois não é. Ter um ciclo social facilita. É um mercado complicado para conhecer quem compre e conquistar a confiabilidade do cliente, que são muito ocupados e cautelosos", pondera.
Processo de venda exige mimos e 'know-how'
Durante a visita para imóveis de alto luxo, algumas empresas oferecem champanhe e até passeios de helicópteros. O processo de negociação também pode ser mais demorado devido à dificuldade para encontrar um apartamento ou casa que atenda todas as necessidades deste cliente mais rigoroso.
O corretor Natanael Bandeira, que atua no setor de médio e alto padrão, considera não ser fácil impressionar esse perfil de comprador.
“A maioria dos consumidores busca sair do aluguel e abre mão de algumas questões para encontrar uma forma de ter o primeiro imóvel. Já o de alto padrão, que já tem tudo, pensa diferente", analisa.
"Eles sabem os nomes dos acabamentos e pedras utilizadas, por exemplo. O corretor precisa conhecer sobre vários assuntos que vão além do produto e ter um atendimento totalmente direcionado”, complementa.
Neste mercado há mais de três décadas, o corretor Kalil Otoch destaca o aquecimento do setor diante da maior oferta de lançamentos em 2021.
“Percebemos o aumento da demanda. São consumidores que já estão com a vida estabelecida e querem morar em apartamentos maiores e mais modernos, mas há muitos investidores que compram a preço de custo para revendê-los”, aponta.
Por que o mercado de luxo cresceu?
Vista para o mar, espaço mínimo de 250 m², rooftop (estrangeirismo adotado pelo setor para terraço sofisticado), vizinhança famosa, reafirmação do status social e investimentos. Essas foram algumas das características e razões que levaram à venda 92 imóveis a partir de R$ 5 milhões em 2021, em Fortaleza.
A avaliação é de que o aumento das fortunas dos mais ricos, novas exigências em razão da pandemia e a migração de investidores impulsionaram essa fatia do mercado imobiliário.
Segundo presidente do Secovi-CE, Sergio Porto, "na pandemia, pessoas com alto poder aquisitivo buscaram ainda mais qualidade de vida".
"Como elas já têm conforto, foram demandados mais banheiros, banheiras grandes, ofurô, escritórios maiores e isolados de barulhos”, lista.
Porto também identifica a demanda por recursos tecnológicos, como automação da climatização do ambiente, de cortinas e de eletrodomésticos. “São adicionados novos luxos. O apartamento de alto padrão é como um hotel cinco estrelas”, compara.
As exigências mais 'básicas' são região privilegiada, pé direito alto, acabamento refinado e, pelo menos, quatro vagas na garagem.
Realmente é um castelo tecnológico, mas, acima de tudo, tem a natureza humana de buscar pelo status social, de integrar um seleto grupo, de conviver e dividir o elevador com pessoas que pertencem a ele”, observa.
O presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, aponta que esse "é um mercado menos sensível ao atual cenário econômico, em que temos juros mais altos e inflação, e ainda menos dependente do financiamento, ao ponto de muitos compradores adquirirem imóveis com finalidade de investimento".
Ele acrescenta que um imóvel protege o capital da inflação, sendo, portanto, procurado por pessoas de alta renda.
"Além disso, em grandes cidades, há poucos espaços disponíveis em áreas mais nobres, o que torna bastante atrativo os produtos de luxo que são lançados. Dessa forma, temos uma projeção otimista para o mercado de luxo", projeta.
Conforme a Abrainc, no terceiro trimestre de 2021, as vendas nesse segmento registraram uma alta de 47,4% em todo o Brasil, com 10.118 unidades vendidas. No mesmo período, no Nordeste, as negociações de imóveis de médio e alto padrão subiram 37,1%, com 1.200 comercializações.
O economista Sergio Melo avalia que o excesso de liquidez somado à baixa rentabilidade provocou o redirecionamento dos investimentos financeiros para o setor imobiliário, puxando as vendas de luxo para cima.
“O Brasil viveu, pouco antes da pandemia, taxas de juros extremamente baixas. Os rendimentos daqueles que vivem de renda e aplicam seus recursos em papéis caíram absurdamente”, mensura.
Entre o fim de 2020 e o primeiro semestre de 2021, a taxa básica de juros da economia, a Selic, ficou em 2% — menor patamar da história.
“Isso provocou uma mudança no objetivo daqueles que têm muito dinheiro e vivem de renda. Além disso, apesar de caros, o Ceará ainda pratica preços muito aquém de diversas capitais brasileiras, como o Rio de Janeiro", analisa.
Outro ponto, acrescenta, é que o segmento de luxo cearense ainda é pequeno e há uma demanda reprimida, inclusive para moradia. Diante disso, construtoras e incorporadoras apostaram em vários lançamentos ao longo de 2021.
Melo considera que a tendência para esse nicho de mercado seguirá em alta, mas pondera o risco de reversão do quadro em caso de descontrole da inflação.
Crescimento do setor imobiliário de luxo reflete desigualdade
O professor de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, evidencia que o crescimento do mercado de luxo retrata a desigualdade socioeconômica.
“É a marca da civilização moderna e tecnológica: os ricos ficam mais ricos. Por outro lado, a humanidade passa por um empobrecimento generalizado. Diante disso, o poder de compra se concentra e o empresário percebe. Ele, que é um farejador de oportunidades, percebe esse processo e começa a explorar os nichos”, avalia.
Dados da Oxfam Brasil mostram que os 10 homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, passando US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão, durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19.
A taxa corresponde a US$ 15 mil por segundo, ou US$ 1,3 bilhão por dia. Já a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza.
Na civilização moderna, a pobreza e riqueza caminham de mãos dadas, mas crescem em direções opostas", enfatiza o professor.
Veja também
"É assim há muito tempo, desde a inauguração da civilização moderna após a primeira revolução industrial e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945)”, contextualiza historicamente o processo de desigualdade.
No Ceará, segundo o indicador de concentração de renda medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de Palma, os 10% mais abastados (acima de cinco salários mínimos) se apropriaram de 4,1 vezes mais de toda renda obtida do que os 40% com os menores rendimentos (menos de um salário mínimo).
A desigualdade poderia ter sido ainda maior se não não houvesse programas sociais dos governos (federal, estadual e municipais) naquele ano. Segundo o IBGE, neste cenário, o indicador de Palma no Estado do Ceará seria de 8,72.
Ou seja, os 10% com mais recursos se apropriariam de 8,7 vezes mais do rendimento total que os 40% com as menores rendas. Os dados do IBGE foram divulgados em dezembro de 2021, mas correspondem ao ano de 2020.
Telegram
Antes de ir, que tal se atualizar com as notícias mais importantes do dia? Acesse o Telegram do DN e acompanhe o que está acontecendo no Brasil e no mundo com apenas um clique: https://t.me/diario_do_nordeste