Cearenses na transição da Reforma da Previdência sonham com aposentadoria: 'só vivo esperando'
Quem estava próximo de aposentar quando a Reforma da Previdência foi aprovada, em 2019, teve de acrescentar mais alguns anos na espera até o sonhado descanso
Quando a dona de casa Eurinete Vasconcelos, de 60 anos, fez o aniversário que marca o início da terceira idade, ela achava que finalmente poderia se aposentar. Mas, quando entrou em contato com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), descobriu que ainda teria mais anos de espera.
“Eu fiquei meio chateada e triste, porque a gente espera tanto tempo, aí quando se chega aos 60 anos achando que pode se aposentar e descobre que ainda tem dois anos pela frente. Fico me sentindo meio que enrolada, a pessoa se sente meio enganada. Porque tem gente mais nova que eu aposentada e eu não me aposentei”, lamenta.
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Aprovada em 2019, a Reforma da Previdência alterou as regras de tempo de contribuição e idade mínima para a aposentadoria. Foram estabelecidas também regras de transição até 2033, para os que já contribuíam para a previdência, mas ainda não tinham os requisitos na data da aprovação.
Existem várias regras de transição para a aposentadoria, sendo as principais por idade mínima, por idade progressiva, por pontos e por pedágio. A espera adicional depende caso a caso, e quem quer se aposentar precisa fazer os cálculos para definir qual regra se torna mais vantajosa a depender da idade e tempo de contribuição.
Vivendo na expectativa
Eurinete guarda em casa todos os boletos pagos de contribuição previdenciária. A dona de casa trabalhou de carteira assinada até 2016 e pagou religiosamente as contribuições como autônoma após sair do emprego, até completar a contribuição mínima de 15 anos.
Ela esperava que, com isso, poderia se aposentar aos 60, como funcionava nas regras antigas. Pelas regras de transição, ela precisava ter 61 anos em 2021 ou 61 anos e 6 meses em 2022 para conseguir a aposentadoria. Aniversariante de novembro, ela só conseguirá o benefício no ano que vem, aos 62.
Sem uma forma de renda individual, Eurinete aguarda ansiosamente pela aposentadoria para realizar sonhos: viajar e passear mais.
Quero viajar, passear mais. Até então, eu não tenho renda nenhuma, não tenho como planejar nada. Só mesmo viver esperando. Tô só esperando. A minha previsão é de quando eu me aposentar eu possa viver uma vida melhor, mais saudável, que eu possa viajar e aproveitar mais. Por enquanto, eu estou só na expectativa”
A consultora de vendas Neuma Pompeu, de 56 anos, está na espera para a aposentadoria já há quase dois anos. Com 32 anos de contribuição, ela até poderia entrar na regra do pedágio de 50%, mas perderia parte do salário.
A expectativa é que ela consiga se aposentar no ano que vem por meio da regra do pedágio de 100%, mantendo seu nível de renda atual.
“É um sentimento de impotência, porque você descobre que tem que trabalhar mais para conseguir o benefício de maior valor. Depois dessa mudança, que endureceu as regras da previdência, você se chateia, porque depois de tanto tempo contribuindo chega um momento em que você quer parar, fazer o que você gosta”, conta.
Logo após a aposentadoria, o plano é ter um período de descanso. Depois, ela quer continuar trabalhando, mas sem rigidez de horário e com mais leveza.
Condições mais vantajosas
O mestre em direito previdenciário pela PUC SP Rodolfo Ramer alerta que quem quer se aposentar hoje deve fazer os cálculos para saber em qual regra de transição é mais vantajoso entrar. Deve-se também ter atenção ao tempo de contribuição cumprido antes da aprovação da reforma.
“É importante fazer a contagem do seu tempo de contribuição de forma correta, porque quanto mais tempo você tiver antes de 2019, menos punido você vai ter. Muitas vezes a pessoa esquece que serviu no Exército, esse tempo pode estar perdendo caso não use”, exemplifica.
Ele aponta que, no geral, pessoas que tinham pelo menos 25 anos de contribuição e idade por volta de 56 anos na época da aprovação da reforma se encaixam nas regras de transição. Segundo eles, as mulheres foram as mais prejudicadas pela situação, pelo aumento da idade mínima de aposentadoria de 60 anos para 62 anos.
A escolha da regra de aposentadoria ideal é importante para que o aposentado consiga manter um salário mais próximo ao da renda atual durante o resto da vida. Em alguns casos, vale a pena esperar mais para conseguir uma melhor remuneração.
O advogado indica que quem está esperando para se aposentar deve se planejar com antecedência, verificando toda a documentação para que a espera pelas regras de transição não se estenda ainda mais dentro do INSS. Ele recomenda que uma ajuda profissional nesse momento faz toda a diferença.
“A única forma de agilizar é fazer um processo antes de pedir bem rigoroso, regularizar carteira de trabalho, ver se a documentação está ok, declaração do que você trabalhou naquela empresa, holerite... Tem muitos casos que não dá certo porque o nome da mãe está errado, por exemplo. Para agilizar é importante ter um processo planejado, de dois a três meses antes, para corrigir todos os problemas para que seja o mais rápido possível”, coloca.
Quais são as regras de transição?
A emenda constitucional 103, que altera o sistema da previdência social, traz diversas regras de transição, incluindo condições específicas para professores, servidores públicos, profissões de risco, policiais e parlamentares.
As regras mais usuais são a de aposentadoria por pontos, por pedágio (de 50% ou 100%), por idade progressiva ou por idade mínima.
Regra dos pontos
Essa regra estabelece que o contribuinte precisa atingir uma pontuação mínima para conseguir se aposentar. A pontuação é uma soma da idade e do tempo de contribuição até o momento.
A partir do dia 12/11/2019, quando foi aprovada a reforma, era necessária uma pontuação de 86 pontos para mulheres e de 96 pontos para homens. A regra estabelece que a cada ano é acrescentado um ponto à pontuação mínima necessária para a aposentadoria, com o limite de 100 pontos para as mulheres (em 2033) e 105 pontos para homens (em 2028).
Desde 1º de janeiro de 2022, foi estabelecida uma idade mínima de 57 anos para as mulheres e 62 para homens para essa regra. Em 2022, a pontuação necessária é de 99 pontos para homens e 89 pontos para mulheres.
Para se aposentar por essa regra em 2022 é necessário, pelo menos:
- Mulheres: 57 anos de idade e 32 anos de contribuição
- Homens: 62 anos de idade e 37 anos de contribuição
Regra do pedágio
A regra do pedágio estabelece que o contribuinte pode pagar um pedágio de 50% ou 100% sobre o tempo em que faltava para a aposentadoria quando foi aprovada a Reforma da Previdência.
Pedágio de 50%
A regra do pedágio de 50% pode ser utilizada por quem tinha menos de 2 anos para a aposentadoria em novembro de 2019, ou seja, tendo contribuído no mínimo por 28 anos (se mulher) ou 33 anos (se homem).
Nesse caso, o contribuinte precisa pagar mais metade do tempo que faltava para a aposentadoria, ou seja, os dois anos mais um. Essa regra não tem restrição de idade, mas traz a desvantagem de utilizar o fator previdenciário, que reduz o valor pago na aposentadoria.
Pedágio de 100%
Nessa regra, o contribuinte deve pagar pedágio igual ao período que faltava para a aposentadoria. Por exemplo, se faltavam 2 anos para ter direito ao benefício, é preciso contribuir por mais 4.
Para entrar nessa regra é preciso ter no mínimo 57 anos (se mulher) e 60 anos (se homem). A vantagem é que não há nenhum redutor do salário: ele será 100% da média de todos os seus salários a partir de 07/1994.
Regra da idade mínima
Essa regra é voltada para quem possui pouco tempo de contribuição, no mínimo 15 anos. Ela é voltada sobretudo para mulheres, que tiveram a idade mínima para aposentadoria aumentada de 60 para 62 anos com a Reforma da Previdência.
A transição funciona da seguinte forma:
- 2019: idade mínima de 60 anos
- 2020: idade mínima de 60 anos e 6 meses
- 2021: idade mínima de 61 anos
- 2022: idade mínima de 61 anos e 6 meses
- 2023 em diante: idade mínima de 62 anos
Regra por idade progressiva
Essa regra funciona de maneira semelhante à da idade mínima, adicionando 6 meses por ano para homens e mulheres, até que se atinja a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. É necessário ter 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 anos para homens para entrar na regra.
Nesse caso, para se aposentar em 2022 é preciso:
- Mulheres: 57 anos e seis meses e 30 anos de contribuição
- Homens: 62 anos e seis meses e 35 anos de contribuição