'A peleja é grande': o drama de pessoas que precisam do INSS e aguardam na fila de espera

A carência de mão de obra nas agências do INSS é um dos obstáculos relacionados à fila de espera

Escrito por Redação ,
INSS
Legenda: Fila de espera do INSS vem aumentando desde 2020
Foto: Fabiane de Paula

Cada mês que passa sem uma definição para a aposentadoria do filho Joatan Barroso, de 28 anos, Lucivânia Barroso (52) se sente desamparada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). 

Na sexta-feira (26 de abril), ela se encontrava sentada nos bancos da sede do INSS, no Centro de Fortaleza, esperando o filho acordar no banco ao lado.

 

É sempre muito difícil chegar aqui com o meu filho. Ele tem uma série de problemas: bipolaridade, depressão severa, distúrbios mentais, entre outros. Eu sempre tenho que vir renovar os exames dele para que ele possa receber o benefício. Agora, só posso ir para casa quando ele acordar”.
Lucivânia Barroso
Dona de casa

Acontece que o agendamento da perícia médica, para receber o Auxílio-Doença do INSS, de Joatan estava marcada para aquela semana, mas, ao chegar no local, a mãe descobriu que o atendimento havia sido remarcado para 30 de junho.  

Lucivânia Barroso
Legenda: Lucivânia luta pela aposentadoria do filho de 28 anos, que possui problemas cognitivos
Foto: Fabiane de Paula

A remarcação da perícia do filho de Lucivânia acontece por conta do início da greve dos peritos, que naquela sexta-feira chegou a 31 dias. Com isso, cerca de 320 mil agendamentos foram postergados até então, segundo dados da Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP).

Além disso, desde 2016, Lucivânia busca a aposentadoria para o filho. Enquanto não recebe retorno da solicitação, a saída é renovar o Auxílio-Doença e realizar perícia médica a cada 2 meses, sob pena de ter o benefício cortado. 

“Vejo a hora deixá-lo sozinho, desamparado e sem dinheiro, se eu me for. Ainda não consegui aposentar ele, dizem que está em uma fila, mas não termina nunca. A peleja é grande para renovar o que temos, sempre corta e ficamos sem receber”, conta. 

Joatan é mais um na enorme fila de 942.925 mil pessoas, no Nordeste, que aguardam pelo reconhecimento de algum direito do INSS, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Trabalho Previdencia Social no Estado do Ceará (Sinprece). Não foram divulgados números por estado.

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No fim do mês passado, o Governo Federal editou uma medida provisória com ações para reduzir as filas de análise de benefícios e das perícias médicas do INSS.

Entre as mudanças, a partir de 1º de maio, cada funcionário do INSS pode receber R$ 57,50 para cada processo previdenciário extra analisado, caso se inscreva no processo de gestão e aceite as regras estabelecidas, entre elas: a realização de horas extras ilimitadas.

O servidor tem que analisar até 90 por mês. Além disso, o órgão espera conseguir a contratação de mais 7.830 funcionários.

Inclusive, um dos obstáculos relacionados à fila do INSS diz respeito à grande carência de mão de obra nas agências do INSS, segundo Paulo Bacelar, advogado especializado em direito previdenciário e coordenador estadual do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

"A autarquia vem observando um grande número de aposentadorias e exonerações, sem previsão de reposição do quadro de servidores. A contratação seria o ideal. O INSS Digital facilitou a vida dos segurados, mas não tem como suprir a grande demanda", explica.

"Cada dia sem receber o benefício é uma coisa que acaba dentro de casa"

Marcos Felix
Legenda: Marcos teve que contar com a ajuda da filha para manter o lar durante o impasse para o recebimento do auxílio-doença
Foto: Fabiane de Paula

Em janeiro deste ano, o motorista de caminhão, Marcos Felix, começou a sentir fortes dores no joelho esquerdo. Imediatamente, procurou assistência médica, realizou uma ressonância magnética e o resultado saiu em algumas horas: luxação patelar

O tratamento da luxação começa pela recolocação do osso da patela, que fica localizado na frente do joelho, e imobilização temporária com a perna esticada. Por isso, Marcos recebeu a indicação médica para afastamento temporário da função profissional. 

Foi preciso, então, começar a organizar a papelada para dar entrada no Auxílio-Doença do INSS para custear o tempo de afastamento inicial indicado pelo médico, de 90 dias

A primeira adversidade encontrada por Marcos foi a marcação da perícia médica. Ainda em janeiro, o prazo mais próximo era o dia 29 de março

Fiquei preocupado com o que eu faria para custear a minha casa durante os 60 dias que ainda faltavam para o agendamento. Minha filha precisou assumir as contas e sempre aparecia um amigo, um parente que ajudava nas despesas do dia a dia"
Marcos Felix
Motorista de caminhão

No dia do agendamento, o motorista realizou o procedimento normalmente. Mas, o segundo problema apareceu. Até a semana passada, dia 27 de abril, o resultado da perícia médica ainda não foi disponibilizado para Marcos e, consequentemente, o pagamento também não. 

"Cada dia sem receber o benefício, que eu tenho direito, é uma coisa que acaba dentro de casa. Eu preciso receber o retroativo e tenho medo que dê algum problema durante esse mês que demoraram para me entregar o resultado", relata.

O caso de Marcos Felix soma-se aos mais de 1 milhão de trabalhadores que aguardam a realização da perícia médica, de acordo com o Ministério do Trabalho e Previdência. 

Inclusive, segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, o tempo médio de espera para o agendamento de perícia médica, conforme ocorreu com Marcos, é o padrão atual, podendo chegar até 66 dias de espera.

"Eu vou voltar aqui quantas vezes forem necessárias"

Marlene Sousa
Legenda: Marlene precisa retornar frequentemente ao INSS para entregar novos exames
Foto: Fabiane de Paula

Dois anos. Este é o tempo que Marlene Sousa, de 48 anos, aguarda para receber o Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência (BPC/LOAS).  

Mesmo com uma lesão no olho esquerdo desde os 5 anos de idade, Marlene trabalhava como doméstica e, assim, conseguia manter as despesas do lar. No entanto, os novos problemas de saúde a impediram de voltar ao mercado de trabalho

Agora eu tenho asma severa, dermatite utópica e minha visão do olho esquerdo agravou muito. Não consigo mais trabalhar nas casas de família e entrei na maior luta da minha vida”.
Marlene Sousa
Desempregada
 

A luta mencionada por Marlene tem como oponente o INSS. Isso acontece porque, segundo ela, os procedimentos para dar entrada e receber o BPC estão cada vez mais demorados

“Eu juro para você que já visitei quase todas as sedes do INSS: seja Messejana, Parquelândia, Centro. Eu só quero receber o benefício que é meu por direito. Eu vou voltar aqui quantas vezes forem necessárias, mas vou receber”, relata. 

A quantidade de documento solicitado também tem deixado Marlene cada vez mais incomodada. “Minha lesão ocular não é aparente e graças a Deus. Mas, está aqui, tenho inúmeros laudos e com médicos diferentes”, explica. 

INSS
Legenda: A quantidade de documento solicitado também tem deixado Marlene cada vez mais incomodada
Foto: Fabiane de Paula

Demanda represada na Região Nordeste

Das mais de 942 mil pessoas na fila de espera por direitos, no Nordeste, cerca de 215 mil aguardam apenas o Seguro Defeso. Este benefício é pago pelo Governo Federal no valor de um salário mínimo mensal durante período de defeso, isto é, enquanto a atividade pesqueira é proibida para a preservação da espécie.

Inclusive, pescadores artesanais da cidade de Icapuí, no Litoral Norte do Ceará, denunciam atraso de quatro meses no pagamento do seguro defeso.

Em segundo lugar na fila de espera nordestina, fica o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS). Salário maternidade (91.796) e revisão de benefícios (79.815) ficam em terceiro e quarto lugar, respectivamente.

Já a aposentadoria rural figura em quinto lugar com 73.204 pessoas esperando na fila. Em seguida, Benefícios por incapacidade temporária (49.398), aposentadoria urbana (39.228) e pensões urbanas (25.842). Os dados são do Sinprece.

Além disso, por conta da greve dos peritos do INSS, as análises de benefícios tiveram uma forte redução em março. Enquanto cerca de 330 mil processos foram solicitados, no Nordeste, apenas 191 mil foram concluídos. Essa defasagem soma-se aos 60.353 mil que não foram atendidos em fevereiro. 

Ainda de acordo com os dados disponibilizados pelo Sinprece, há mais de 295 mil pessoas que aguardam há 30 dias por direitos do INSS. Outros 115 mil estão na fila há 360 dias. Veja a faixa de pendências, em dias, abaixo.

Faixa de Pendências em dias Quantidade
Até 30 dias 295.962
Entre 30 e 45 dias 142.998
Entre 45 e 60 dias 72.973
Entre 60 e 90 dias 93.262
Entre 90 e 180 dias 113.109
Entre 180 e 360 dias 109.055
Com mais de 360 dias 115.566

O segurado pode entrar na Justiça

Uma alternativa mencionada por Paulo Bacelar, advogado especializado em direito previdenciário, é procurar a Justiça após o vencimento do prazo de requerimento

A saída mais iminente que o segurado deve fazer é buscar a justiça para analisar o seu caso. Mas, é preciso ter atenção aos prazos. Em média, se não for atendido em até 90 dias, já pode entrar com a ação na esfera judicial".
Paulo Bacelar,
Advogado especializado em direito previdenciário e coordenador estadual do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP)

Em boa parte de 2021, o estoque de solicitações ficou acima de 1,8 milhão. No entanto, em novembro do ano passado, o novo presidente do INSS, José Carlos Oliveira, planejou zerar a fila em oito meses. 

A promessa também fazia parte dos planos do antecessor, Leonardo Rolim, destituído do cargo por não cumprir este objetivo. Inclusive, a fila chegou a 2,3 milhões sob a gestão de Rolim no fim de 2019. 

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