Apesar de avanço, Imposto de Renda ainda amplia a desigualdade de gênero; entenda

No 3º episódio desta série, o Diário do Nordeste discute como o IR amplia a desigualdade entre homens e mulheres no Brasil

Há menos de seis meses, a pensão alimentícia ainda era deduzida integralmente do Imposto de Renda (IR) do pagador, mas os tributos sobre o valor eram cobrados só de quem o recebia. Essa distorção foi corrigida em outubro de 2022, quando finalmente o Supremo Tribunal Federal (STF) a reconheceu como inconstitucional

Antes da decisão, portanto, as declarantes (as mulheres são as principais responsáveis pela guarda dos filhos no Brasil) precisavam incluir a pensão à renda, aumentando a sua carga tributária. Do outro lado, os homens poderiam abater essa mesma quantia na declaração, pagando menos impostos. 

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Revisitar esse passado recente é fundamental para dimensionar como as pessoas do gênero feminino estiveram e ainda estão em desvantagem no sistema fiscal brasileiro. 

A procuradora da Fazenda Nacional, doutora pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Comitê Executivo do “Tributos a elas”, Adriana Reis de Albuquerque, explica que essa assimetria surgiu na metade da década de 1990, com objetivo de estimular os homens a honrarem a dívida financeira com os filhos. 

Naquela época, a lei nº 9.250/95, artigo 8º, deu o aval para o valor ser integralmente deduzido da base de cálculo de quem paga. Albuquerque pondera, no entanto, haver a possibilidade de a pensão ser gerida por um homem. Todavia, na maioria dos casos, a realidade é diferente. 

Para se ter ideia, atualmente, metade das casas brasileiras é chefiada por mulheres, totalizando 34,4 milhões de domicílios. “Embora a legislação não considere o gênero, quando ela foi pensada para ser remodelada, a nossa estrutura social tinha a mulher como gestora”, diz Albuquerque. 

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Para a especialista, além de discutir os vieses implícitos na tributação brasileira, deve-se considerar o elemento do gênero para ter um respaldo constitutivo para construir políticas públicas via benefícios fiscais. 

“Quando olhamos para a concessão de incentivos fiscais, visualizamos que eles estão, majoritariamente, concedidos numa perspectiva masculina. Para trazer um exemplo em relação ao Imposto de Renda, há a isenção de dividendos e lucros”, aponta. No Brasil, esses rendimentos não são taxados. 

Mas quem tem mais penetração no mercado financeiro?

Segundo dados do TradeMap, apenas 14,5% das mulheres assumem cargos executivos, diretoria e conselho de administração das empresas de capital aberto no Brasil.

Dados do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da Universidade de São Paulo (Made/USP), também mostram que o 1% de homens brancos (eles são 705 mil) no topo da pirâmide recebem mais que todas as 32,7 milhões de mulheres negras no Brasil. A pesquisa é de 2021, mas compila números de 2018 e 2019. 

A advogada Isabelle Rocha, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e autora do livro Tributação e gênero: “Como o imposto de renda da pessoa física afeta as desigualdades entre homens e mulheres” (Dialética, 2021), sublinha que o Brasil é um dos poucos países a não cobrar impostos na distribuição de resultados, além da Letônia e da Estônia.  

Nesse contexto, amplia-se a carga tributária para a população feminina. “As mulheres não são as sócias das grandes empresas e são poucas as investidoras da Bolsa. Elas recebem poucos lucros de dividendos, portanto, têm pouco acesso a essa renda não tributada e acabam sendo mais oneradas”, diz.

“Se uma mulher ganhar R$ 40 mil de salário, pagará Imposto de Renda sobre essa quantia. Agora, se um homem dono de uma empresa ou um acionista ganha R$ 40 mil de lucro, ele não paga tributo”, exemplifica. 

Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que, neste ano, as pessoas com renda de até R$ 2.640 estão liberadas da contribuição do IR. Até então, o teto estava fixado em R$ 1.903,99, valor desatualizado desde 2015.

A meta do presidente é elevar a isenção para R$ 5 mil até o fim do mandato. Apesar de mitigar a regressividade para essa população, a medida não é o suficiente para corrigir as demais questões de gênero e de cor ou raça no Imposto de Renda. 

Curiosidade 

Quando o STF considerou inconstitucional a cobrança do Imposto de Renda sobre quem recebe a pensão alimentícia, manteve o incentivo fiscal para quem paga. A situação cria outro problema fiscal: agora, o governo não arrecada mais tributos sobre esse recurso.

Portanto, gera uma diminuição da receita que poderia ser direcionada para pautas prioritárias, incluindo medidas para reduzir as desvantagens das mulheres no sistema tributário. 

Calcule como ficaria seu Imposto de Renda após a reforma tributária

O Instituto Justiça Fiscal (IJF) elaborou uma calculadora para verificar como fica a contribuição da população se uma proposta de reforma tributária que para tributasse os super-ricos fosse aprovada.

Para calcular, clique neste link e informe seus rendimentos.