7 em cada 10 municípios do Ceará têm gestão fiscal crítica ou em dificuldade, diz estudo
Indicadores melhoram em âmbito geral, mas liquidez ainda compromete resultados de cidades cearenses
A divulgação do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) de 2023, apesar de trazer melhorias em relação aos anos anteriores, trouxe dados preocupantes acerca das contas públicas dos municípios cearenses. Cerca de 70% das Prefeituras do Ceará - 128 cidades - estão classificadas como críticas ou em dificuldade quando o assunto é administração dos recursos governamentais.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) para comentar os dados dos municípios cearenses, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
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O IFGF varia de 0 a 1. Entre 0 e 0,4, estão inseridos os municípios em situação crítica; 0,4 e 0,6, aqueles em dificuldade de administração fiscal. Já as Prefeituras entre 0,6 e 0,8 têm boa gestão dos recursos públicos; e os que estão entre 0,8 e 1, são considerados de excelência.
Com essa classificação, o Ceará tem 44 municípios em situação crítica, 84 em dificuldade, 51 com boa gestão e apenas cinco com excelência. Os resultados são melhores do que em 2021, no entanto, ainda longe do ideal. (Veja abaixo a nota de todos os municípios do Ceará)
MARACANAÚ TEM MELHOR IFGF NO CEARÁ
Se em 2022, São Gonçalo do Amarante foi o município mais bem avaliado do estado nos componentes do índice, a liderança do ranking no IFGF 2023 foi de Maracanaú. Com nota 0,9179, a cidade da RMF continua melhorando gradualmente o desempenho na média.
O cenário, no entanto, se transformou em nota excelente há apenas dois anos. Com êxito principalmente na autonomia e na liquidez do município, através principalmente da elevação da poupança corrente. As informações são de Gerson Cecchini, secretário de Gestão, Orçamento e Finanças de Maracanaú.
“Um dos focos centrais da gestão foi a elevação da poupança corrente, com vistas para obtenção de nota de classificação à realização de operações de crédito. Com o objetivo em mente, a gestão municipal envidou esforços em duas frentes: monitoramento e controle das despesas correntes, inclusive dos gastos com pessoal e melhoria da receita. No tocante à melhoria da receita, pode-se citar a atualização da legislação tributária local, a célere adaptação aos procedimentos fiscais internos em decorrência de decisões de órgãos da União, além da busca por novas fontes de financiamento”, enumera.
A liquidez sofreu ligeira queda de um ano para o outro, situação minimizada por Gerson Cecchini. O gestor público atribui à eficiência municipal em entregar obras estruturantes, com alta rotatividade no fluxo de caixa.
“Na verdade, a redução nesta metodologia traduz a aceleração nas entregas de bens e serviços, especialmente de investimentos estruturantes, em decorrência das disponibilidades de recursos e o cronograma de entrega de projetos em andamento, resultando em aumento dos Restos a Pagar. Em outra perspectiva, vale considerar que a liquidez deve ter um patamar que equilibre sustentabilidade fiscal financeira, mas também atendimento das demandas públicas, haja vista que não é razoável ter elevado superávit financeiro enquanto há demandas a serem atendidas”, frisa.
O secretário de Maracanaú evidencia ainda a questão do federalismo fiscal e as maneiras de aumentar a arrecadação tributária dos municípios, principalmente em um contexto de desoneração de produtos, como combustíveis, e aponta fatores que podem contribuir para a excelente gestão fiscal.
“A chave é manter o controle de gastos, especialmente despesas com pessoal, avaliando prioridades e metas a serem atingidas tanto na receita quanto na despesa. Continuar empreendendo na melhoria de processos, novas tecnologias, qualidade da informação, equipes técnicas capacitadas e motivadas. Na vertente externa, (…) de maneira geral, a União ao ajustar suas contas públicas, buscando seu equilíbrio fiscal e/ou o aperfeiçoamento de programas públicos federais, tende a interferir nas finanças locais, quer reduzindo receitas, quer criando ou ampliando obrigações financeiras”, finaliza.
FAVORÁVEL, MAS NEM TANTO
Quando o IFGF é comparado entre 2021 e 2022 nos municípios do Ceará, a melhora é perceptível. Há dois anos, 82,5% das Prefeituras do Estado estavam em situação crítica ou em dificuldade, e somente quatro tinham excelência na gestão fiscal.
Se em 2021 o número de cidades em estado crítico na administração dos recursos públicos era 97, o número caiu mais da metade, enquanto os municípios com boa gestão subiu de 28 para 51.
A melhoria foi percebida pelos analistas da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), como Nayara Freire, especialista em Estudos Econômicos da instituição, que elenca os motivos que contribuíram para esse cenário.
“Os municípios da média apresentaram uma flutuação fiscal menos negativa. Apesar de ainda apresentarem dificuldade, estão melhores do que em 2021. Podem explicar isso o crescimento do PIB e da inflação, aumento de preços e mais recursos públicos disponíveis. Isso aconteceu na média do Brasil também porque tivemos um contexto econômico favorável”, pontua.
No caso específico do Ceará, o principal ponto positivo esteve nos investimentos. Nayara pondera que, mesmo em um cenário pós-pandemia, com redução de receitas e aumento das despesas, os municípios continuaram destinando recursos para o setor.
“Indicador de melhor desempenho foi o indicador dos investimentos, que mostra que os municípios do Ceará, apesar dos contextos, conseguiram destinar parcela dos recursos para os investimentos públicos. (…) Mesmo com esse cenário, é grande a dificuldade de os municípios se sustentarem e uma grande rigidez orçamentária, as despesas obrigatórias (folha do funcionalismo público e também gastos com previdência)”, salienta.
Essa dificuldade, segundo Nayara, ficou agravada nos últimos anos, e é o principal indicativo de que, embora haja melhorias nos indicadores do IFGF, eles não devem se manter para 2023, com piora em indicadores como autonomia e gastos com pessoal.
A gente ainda tem um quadro de municípios em uma classe estrutural difícil porque temos uma dificuldade estrutural. Temos um nível crítico de autonomia, ainda somos muito dependentes do Governo Federal para poder financiar os custos mínimos de despesas, com um quadro de pouca flexibilidade orçamentária, porque parcela significativa do orçamento está comprometido com despesas obrigatórias. Tivemos ainda uma piora do planejamento financeiro, uma maior dificuldade dos municípios em cumprir com as obrigações financeiras a curto prazo.
FORTALEZA TEM A PIOR AVALIAÇÃO DESDE CRIAÇÃO DO ÍNDICE
Na contramão dos municípios da Região Metropolitana (RMF), Fortaleza vem sendo destaque negativo em relação às demais capitais do Brasil. Com nota 0,6786, a cidade conquistou a pior avaliação do IFGF desde 2012, ano de criação do índice.
O resultado vai de encontro ao Ranking da Qualidade da Informação Contábil e Fiscal, do STN, no qual Fortaleza ficou na primeira colocação nacional, atingindo nota máxima na classificação. Isso indica que a cidade tem a melhor transparência do País na gestão dos recursos públicos.
As informações cadastradas pela Prefeitura da capital no STN são utilizadas para o IFGF. Das 27 capitais brasileiras, Fortaleza aparece na 20ª posição. Salvador (BA) lidera, com nota 0,9823, ficando na segunda posição nacional dentre todos os 5.240 municípios analisados pelo índice. Mata de São João, também na Bahia, foi a única cidade a atingir nota 1, sendo a líder do ranking em 2022.
Apesar de a nota de Fortaleza ainda ser considerada como de boa gestão, os componentes do índice, com exceção da autonomia, mostram que a capital cearense está em dificuldade para administrar corretamente a questão fiscal.
A cidade teve dificuldades, no ano passado, conforme o IFGF, para lidar com os gastos com pessoal, liquidez e investimentos. Em relação aos investimentos, o município atingiu a pior nota desde 2018.
“(É uma situação) Mais preocupante do que o restante do País. Um município pode declarar os dados com transparência, mas os dados declarados podem mostrar uma situação fiscal que não seja confortável”, ressalta Nayara Freire.
Para João Mário de França, professor de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), a alta dependência dos municípios do Poder Público Federal pode criar um cenário de desequilíbrio fiscal.
“O principal motivo que explica essa situação crítica de 70% dos municípios cearenses é a baixa capacidade de autonomia financeira (praticamente não tem arrecadação própria) e em segundo lugar uma boa gestão financeira com razoável previsibilidade de receitas e adequado controle de gastos. Esses municípios ficam muito dependentes das transferências da União e do Estado e qualquer choque na economia ou mudanças tributárias podem impactar muito esses municípios”, reflete.
A especialista em Estudos Econômicos da Firjan destaca uma série de medidas que podem auxiliar Fortaleza e demais municípios do Ceará e do Brasil a melhorarem a gestão fiscal, como a urgência na aprovação das Reformas Tributária e Administrativa no Congresso Nacional.
“A gente precisa do comprometimento de todos os entes e poderes. O caminho está necessariamente por meio de uma agenda que rediscutam a agenda federativa do Brasil, com redistribuição de receitas, com o Fundo de Tributação dos Municípios, aprovar a Reforma Administrativa, para os municípios alocarem seus dados de forma mais eficiente e que eles coloquem em prática a Reforma Previdenciária, criar e fundir municípios e que a Lei de Responsabilidade Fiscal seja de fato aplicada. Temos um quadro de gestores que não são punidos com o rigor da lei”, explicita a especialista.
A reportagem procurou a Secretaria de Finanças de Fortaleza (Sefin) e aguarda o retorno da Pasta.
COMO É COMPOSTO O ÍNDICE FIRJAN
O IFGF utiliza como base para cálculo os dados de praticamente todos os municípios do Brasil nos documentos entregues à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). No caso do Ceará, foram analisadas as informações de todas as 184 Prefeituras, com exceção de Penaforte, na divisa com Pernambuco, que não disponibilizou a tempo os resultados contábeis e fiscais de 2022. A metodologia do índice é uma média simples entre quatro componentes:
- Autonomia: se as receitas que vêm da economia municipal são suficientes para manter a Prefeitura (Poder Executivo) e a Câmara dos Vereadores (Poder Legislativo);
- Gastos com pessoal: evidencia quanto é gasto em cada município com o pagamento de servidores, públicos e terceirizados, em relação ao total da Receita Corrente Líquida;
- Liquidez: traça paralelo entre o total de restos a pagar acumulados no ano e os recursos disponíveis nos cofres públicos para cobri-los no ano seguinte;
- Investimentos: diz respeito à parte da Receita Total destinada para investimentos nos municípios.
Veja o ranking do IFGF dos municípios cearenses (da maior para menor nota):