6 em cada 10 projetos de concessões e PPPs no Ceará estão paralisados ou cancelados

Corpo técnico capacitado, falta de priorização e fatores macroeconômicos explicam cenário

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Legenda: Projetos no segmento de água e esgoto são maioria no Ceará
Foto: Saulo Roberto

O entendimento de que o setor privado é mais eficiente na prestação de determinados serviços impulsionou o número de projetos de concessões e parcerias público-privadas, as chamadas PPPs, no Brasil.

A exemplo da tendência nacional, o Ceará tem proposto mais iniciativas desse tipo. No entanto, dos 112 projetos identificados no Estado, quase 60% deles estão paralisados ou cancelados - 6 em cada 10.

Os dados são da Radar PPP, empresa que organiza a informação pública disponível sobre o mercado nacional de PPPs e concessões. Segundo o levantamento, são 46 projetos parados e 20 cancelados. Do total, apenas 16 já estão com o contrato iniciado.

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Confira o estágio dos projetos:

O sócio da Radar PPP, Guilherme Naves, acredita que o grande volume de iniciativas paralisadas e canceladas se deve à falta de priorização desses projetos. Um exemplo dessa falta de priorização, segundo ele, é que a Prefeitura de Fortaleza tornou pública e oficial 20 projetos de concessões e PPPs.

"Desses 20 projetos, conseguiram converter em contrato o Polo Gastronômico e o Mercado dos Peixes, que são contratos modestos e com potencial de impacto mais restrito em relação ao que PPPs e concessão costumam proporcionar, sobretudo se comparado a setores de competência municipal como iluminação pública, educação infantil, atenção primária à saúde, etc", afirma.

Ele pontua que recuperar os projetos que ficaram pelo caminho é uma alternativa, mas ressalta que talvez seja melhor inaugurar uma nova carteira de projetos que efetivamente sejam candidatos a se converterem em contratos.

Pressão inflacionária

Já o membro dos comitês de saneamento e de ética e compliance da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, indica que um dos motivos para o alto volume de projetos paralisados e cancelados é a inflação e o consequente aumento de custos, especialmente durante a pandemia e a guerra na Ucrânia.

"O avanço da inflação gerou um problema em escala mundial no custo dos insumos, como aço, cimento, PVC, que são usados em qualquer projeto de infraestrutura. Esse novo cenário paralisa projetos que foram modelados antes desse aumento. É uma realidade que não é exclusiva do Ceará, mas de todo o País", esclarece.

Superadas as influências que estão provocando o forte aumento de preços, Graziano acredita que parte desses projetos devem passar por ajustes e serem retomados, especialmente passado o contexto político das eleições, quando os agentes privados ficam mais cautelosos a investimentos.

Outros entraves

Além da falta de priorização e do contexto econômico mundial e nacional, Naves ressalta que outro componente que reduz os benefícios que as concessões e as PPPs poderiam gerar é o imediatismo que domina os governos.

"PPP e Concessão, necessariamente, combinam com governos que são capazes de pensar no longo prazo. Enquanto o pensamento 'curtoprazista' dominar a máquina pública, não há sequer razão para priorizar PPPs e concessões. E, assim, fica mais fácil entender a dimensão do desafio", alerta.

"Estamos, literalmente, falando de Governos que, ao invés de se preocuparem em colher resultados imediatos a qualquer custo, investem no planejamento e na composição de uma arquitetura institucional interna para desenhar bons projetos e gerir bons contratos, pensando em melhorar a qualidade do gasto público e o retorno social, por gerações e gerações", acrescenta o executivo da Radar PPP.

Conforme o especialista, quatro aspectos são necessários para que iniciativas envolvendo serviços públicos e o setor privado precisam ter para serem bem sucedidas:

  1. Apoio político;
  2. Corpo técnico competente; 
  3. Priorização de iniciativas; 
  4. Convencimento de que contratos público-privados de longo prazo efetivamente podem trazer mais benefício para sociedade e para o governo

Dentre as necessidades elencadas por Naves, Graziano destaca o domínio técnico do processo. Segundo ele, a modelação dos projetos exige conhecimento técnico apropriado que são determinantes para o sucesso da iniciativa.

Tendo em vista que a maior parcela dos projetos estão concentrados no âmbito municipal, que costuma ter um corpo técnico reduzido, essa dificuldade ganha espaço.

Diante disso, a colaboração com os próprios entes privados ou com outras instituições públicas é fundamental para a concretização dos planos.

"A abertura maior para o PMI (procedimento de manifestação de interesse) aponta para uma colaboração mais substanciosa da iniciativa privada na sugestão de projetos. O PMI é uma autorização ao setor privado para que ele estude e proponham soluções, incluindo sugestões da minuta de edital e contrato", revela.

Nesse sentido, ele lembra da parceria da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que resultou em um projeto para a ampliação da rede de esgoto em 23 municípios cearenses a ser executado por empresas privadas.

Perda de oportunidades

Como comprovação das dificuldades, Naves recorda que o Estado vem enfrentando problemas em contratos de PPP que chegaram a ser celebrados, como a Ponte Estaiada sobre o Rio Cocó e o Hospital Regional Metropolitano.

"O caminho para tornar o programa de PPP/Concessão uma política pública de sucesso não é trivial, é muito sensível a ciclos eleitorais e à dificuldade de retenção de talentos na administração pública. Em geral, as Prefeituras cearenses e o Governo do Estado precisam fazer diferente, nesse sentido, se quiserem estar em um patamar de destaque nacional na matéria", alerta.

Apesar dos gargalos a serem superados ainda, o executivo da Radar PPP ressalta que o Governo do Estado possui algumas experiências "emblemáticas" de PPPs recém-assinadas, como a Planta de Dessalinização da Água Marinha, e a própria licitação da Cagece para os serviços de esgotamento sanitário impostos pelo novo marco do setor.

Naves ainda indica que, considerando que o Ceará é referência em inovação em gestão pública, a assinatura de 11 contratos de PPP/Concessão nos últimos 8 anos, sendo alguns já rescindidos, é decepcionante.

"Olhar literalmente pro lado e ver o Piauí, com um PIB quase 3 vezes menor e um estoque de contratos de PPPs e concessões com Aeroportos, Rodovias Estaduais, Zoológico, Centro de Convenções, usinas solares, rede de transporte de dados, Ceasa, saneamento básico, etc, chama a atenção. Entretanto, isso não significa, necessariamente, que há menos investimento proporcional por parte do Ceará nessas áreas", esclarece.

"Apenas significa que as PPPs e concessões não alcançaram um nível de prioridade para as administrações públicas cearenses recentes a ponto de entregarem esses resultados. Se essa for uma escolha consciente dos gestores públicos, que preferem outras alternativas de investimento a PPPs e concessões, não vejo problema. Mas se for por outra razão, qualquer que seja, é realmente uma pena", acrescenta o especialista.

Diferença entre concessão e PPP

O associado da ABCE, Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, explica que a PPP é uma forma de concessão. A diferença é que, na concessão, a prestação do serviço é financiada pelos usuários através de uma tarifa cobrada pelo acesso. No caso da PPP, o governo está incluído parcial ou totalmente no pagamento dessa conta.

Quando o usuário ainda paga um valor pelo serviço, que não é suficiente para a cobertura de todos os custos, o poder público complementa a conta. Assim, a PPP é classificada como patrocinada.

Já quando não é possível cobrar do usuário nenhuma tarifa ou o serviço seja indireto, são acionadas as PPPs administrativas, na qual a administração pública fica a cargo de todos os custos. Nesse caso, o usuário continua financiando a operação, mas através do pagamento de impostos.

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