123milhas cancela viagem de família cearense para Europa, e prejuízos passam de R$ 35 mil

Trecho entre Fortaleza e Lisboa seria feito em outubro, e todas as despesas já estavam pagas antecipadamente

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém o movimento no Aeroporto Internacional Pinto Martins
Legenda: Passagens da linha "Promo" da 123milhas com data prevista para serem realizadas entre setembro e dezembro deste ano estão canceladas
Foto: Kid Júnior

Uma viagem em família com tudo planejado com pelo menos um ano de antecedência para conhecer as principais cidades da Europa. Esse era o roteiro idealizado pelo advogado cearense Anderson Fernandes com os parentes, que viram o sonho do passeio desaparecer de repente com o cancelamento inesperado das passagens pela 123milhas.

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Foi por meio da empresa, que vende passagens aéreas, pacotes de viagem e realiza reservas de hospedagens em todo o mundo, que Anderson e mais quatro familiares compraram os bilhetes partindo de Fortaleza com destino à Lisboa, capital de Portugal

Ida e volta estavam previstas para os dias 3 e 20 de outubro. Nesse período, as cinco pessoas iriam visitar, além da capital portuguesa, Amsterdã (Países Baixos), Barcelona (Espanha), Bruxelas (Bélgica) e Paris (França). Tudo transcorria conforme o planejado, até a última sexta-feira (18).

A 123 Milhas informou que deixaria de emitir as passagens com datas flexíveis, da linha “Promo”, previstas para datas entre setembro e dezembro de 2023. Além do advogado, viajariam juntos mãe, pai, irmã e namorada do advogado.

“Frustrante você ver um sonho, acredito que não só nosso, mas de muitos brasileiros, de conhecer outros países. Um sonho planejado e organizado por um ano inteiro por cinco pessoas ser interrompido em virtude de uma decisão de uma empresa que não vende só passagens, hospedagens, mas que vendem sonhos e simplesmente não se importaram em nenhum momento com os clientes”, lamenta Anderson Fernandes.

O investimento realizado apenas na compra das passagens pela 123milhas pela família do advogado foi de cerca de R$ 14,8 mil, mas com demais deslocamentos no continente europeu e hospedagens, o valor chega a R$ 35,7 mil, valor do prejuízo da família.

Cálculo do rombo

De acordo com Anderson, os prejuízos podem ser minimizados, pois os hotéis reservados na Europa “têm cancelamento gratuito”. As perdas com as passagens no continente europeu, entretanto, não podem ser ressarcidas.

Com a compra dos cinco bilhetes pela 123milhas de Fortaleza para Lisboa ida e volta, a família tratou de comprar as demais passagens entre as cidades europeias diretamente com as companhias. Os deslocamentos seriam feitos de avião, ônibus e trem.

O prejuízo indireto causado pelo cancelamento das passagens pela empresa brasileira, somente em transportes na Europa, ultrapassa a marca dos R$ 8 mil.  

  1. Lisboa — Amsterdã: R$ 1.926 para 5 pessoas de avião;
  2. Amsterdã — Bruxelas: R$ 725 para 5 pessoas de trem;
  3. Bruxelas — Paris: R$ 445 para 5 pessoas de ônibus;
  4. Paris — Barcelona: R$ 1.629 para 5 pessoas de avião;
  5. Barcelona — Lisboa: R$ 1.346 para 5 pessoas de avião.
  • TOTAL DO PREJUÍZO INDIRETO COM PASSAGENS NA EUROPA: R$ 6.071

A viagem seria ainda a primeira vez em que a família estaria em continente europeu. Conforme Anderson, os parentes ainda não decidiram o que fazer diante do cancelamento inesperado.

“Com exceção da minha irmã, que já conhece, seria a primeira vez dos demais. No caso da minha namorada, primeira viagem internacional. Meu pai (está) sem saber o que fazer. É uma mistura de surpresa com frustração”, define o advogado.

Anderson Fernandes explica que, assim como feito com os demais clientes, a única solução dada pela 123milhas foi o ressarcimento através de vouchers para serem utilizados em compras na própria empresa.

O advogado, no entanto, quer outros meios para minimizar os prejuízos causados pelo cancelamento. A família dele desistiu de pedir “o cumprimento forçado da oferta por questão do tempo, que pode não ser hábil”, e foca agora em ação judicial.

Segundo ele, caso as cinco passagens fossem compradas agora, faltando pouco mais de um mês para a data anteriormente marcada para a viagem, a família teria que desembolsar quase R$ 50 mil em vez dos R$ 14,8 mil, 236% a mais do que o preço pago inicialmente pelos parentes do advogado.

Vou ingressar com ação judicial requerendo em danos materiais tanto das passagens da 123milhas por quebra de contrato unilateral, assim como das passagens internas da Europa, já que o prejuízo decorre desta decisão deles e não por outro motivo. E danos morais.
Anderson Fernandes
Advogado e vítima do cancelamento
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Encontro familiar adiado

Diversas famílias foram prejudicadas com o cancelamento pela 123milhas. Além dos parentes de Anderson Fernandes, a empresária Luciana Uchôa teve de adiar o encontro com a irmã após dois anos distantes.

A familiar da empresária é natural de Fortaleza, mas mora em São Paulo com o marido e os dois filhos. Desde 2021, ela e os quatro não se encontravam, o que deveria acontecer ao fim deste ano.

Luciana efetuou a compra das passagens para os quatro parentes em pagamento à vista. O trecho São Paulo-Fortaleza seria feito no dia 15 de dezembro deste ano, em viagem prevista para durar até 15 de janeiro de 2024, contando com as festas de Natal e Réveillon. Tudo mudou de uma hora para a outra.

“Minha irmã mora em São Paulo, comprou 30 dias para o final do ano para vir para Fortaleza. Vinha em 15/12 e cancelaram, ela ficou arrasada ao ponto de ter de ir ao hospital, não conseguia falar com a empresa na sexta-feira. A dor de cabeça e a raiva são grandes”, reclama a empresária.

O prejuízo total com os quatro bilhetes comprados chega a R$ 2,6 mil. A irmã de Luciana já registrou reclamação no Procon de São Paulo, mas a empresária vê como remotas as chances de reaver o dinheiro gasto.

“Ela entrou no Procon, mas não acho que vão devolver nada. Eles estão tristes, principalmente o meu sobrinho. Ele não vem aqui há dois anos, é goleiro do sub-15 do Palmeiras e é a única data que ele está de férias pelo clube”, afirma.

A reportagem pesquisou os preços das passagens aéreas no mesmo período da viagem dos familiares de Luciana Uchôa. Caso elas fossem compradas nesta quarta-feira (23), o valor desembolsado para quatro pessoas seria de R$ 8,5 mil, 227% a mais em comparação com os bilhetes anteriormente pagos.

O que diz a 123milhas?

Procurada pela reportagem, a empresa manteve o posicionamento de que o cancelamento atinge somente as passagens da linha Promo. Os demais produtos da 123milhas seguem com comercialização normal.

A única opção dada pela empresa aos clientes prejudicados foi o recebimento de voucher para ser utilizado no site da própria 123milhas.

“Os valores pagos pelos clientes que adquiriram produtos da linha PROMO com embarque previsto para setembro, outubro, novembro e dezembro de 2023 serão integralmente devolvidos em vouchers, com correção monetária de 150% do CDI - acima da inflação e dos juros de mercado. Os vouchers podem ser usados por qualquer pessoa para compra de outros produtos da 123milhas”, delimitou a empresa.

Foto que contém movimentação Aeroporto Internacional de Fortaleza
Legenda: Consumidores prejudicados podem, de acordo com a 123milhas, serem ressarcidos mediante vouchers
Foto: Kid Júnior

A 123milhas acrescentou ainda que o valor dos vouchers foi dividido para dar “maior flexibilidade e liberdade de escolha do que com um só voucher no valor total”.

Mas nas determinações do ressarcimento, esse voucher não é cumulativo, isto é, não pode ser utilizado pelo cliente para comprar o mesmo trecho em outra modalidade no site da própria empresa.

Denúncias disparam no Ceará

Os casos de Anderson Fernandes e Luciana Uchôa são apenas dois diante de dezenas de reclamações que chegaram ao Procon Fortaleza e ao Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon-CE), do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) contra a 123milhas.

Segundo o órgão municipal, até esta quarta-feira, 61 reclamações foram registradas: “Consumidores relatam prejuízos de até R$ 95 mil na compra de novas passagens, além de danos em hospedagens e compromissos já firmados”, revela o Procon em nota.

Segundo Eneylândia Rabelo, presidente do órgão, a 123milhas tem dez dias para prestar esclarecimentos sobre o cancelamento das passagens da linha Promo.

Ela ainda reforça que a empresa poderá pagar multa de mais de R$ 16 milhões, caso não cumpra as normas que protegem os consumidores.

Eneylândia rechaça a condição imposta pela companhia. A presidente do Procon Fortaleza defende o que está disposto no artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que garante ao consumidor a escolha sobre como quer ser ressarcido em caso de eventuais problemas com o produto ou serviço.

“O consumidor tem direito ao cumprimento forçado da oferta (preferencialmente), troca do produto ou crédito correspondente e, ainda, a devolução da quantia paga devidamente corrigida, sem prejuízo da eventual reparação de danos material e moral, estes no Poder Judiciário”, elenca.

Já o Decon-CE recebeu, até o início da tarde da última terça-feira (22), 20 reclamações contra a 123milhas. O órgão estadual “reforça que vem adotando as medidas cabíveis para tratar o problema em âmbito coletivo”.

Percepção antiga e violação do CDC

Os baixos preços praticados pela linha Promo da 123milhas são reclamações recorrentes de especialistas em direito do consumidor.

Para o presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor (Acedecon), Thiago Fujita, o caso da empresa fica ainda mais flagrante pelas ofertas em valores muito abaixo dos praticados pelo mercado.

Os órgãos de defesa do consumidor precisam investigar o caso e estarem sempre atentos ao mercado. Tem um ditado popular que diz: 'quando a esmola é muita, o santo desconfia'. Essa empresa trouxe valores bem abaixo dos valores de mercado e é muito importante que os órgãos de defesa do consumidor fiscalizem para evitar que outras pessoas sofram esse tipo de golpe.
Thiago Fujita
Presidente da Acedecon

Com a crise que acomete 123milhas, Thiago Fujita acredita que é preciso haver rapidez por parte dos órgãos públicos antes que a situação que a empresa enfrenta fique insustentável a ponto de não ter caixa para pagar os ressarcimentos.

“Essa situação da 123milhas está em uma insegurança bastante elevada por conta de não sabermos se a empresa vai cumprir realmente os acordos observando esse movimento de deixar de cumprir certas obrigações. É importante que haja celeridade para evitar que haja maiores prejuízos, como a falência da empresa”, declara.

No caso dos prejuízos indiretos, causados pelo não cumprimento do compromisso assumido, Thiago Fujita ressalta que a empresa deve mostrar eficiência em minimizar os danos ao consumidor. 

"Alguns já têm hotéis reservados, passeios, então tudo isso a empresa deve atender de uma forma eficiente bem como saber que vão existir ações judiciais para ser verificada a possibilidade de ressarcimento de outros gastos que o consumidor teve por conta desse cancelamento”, destaca o presidente da Acedecon.

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