Excesso de exigências trava acesso a crédito emergencial para empresas

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br

Criado pelo Governo Federal para minimizar os efeitos da crise do novo coronavírus e ajudar na manutenção de empregos, o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese) disponibiliza linha de financiamento para bancar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas. Ao todo, são R$ 40 bilhões que devem garantir os salários de funcionários por dois meses no Brasil. Apesar da iniciativa, o acesso ao crédito não tem sido fácil para os cearenses e a ferramenta é apontada como frágil e paliativa.

Até o último dia 13 de maio - dados disponíveis mais recentes -, 940 empresas no Ceará já tinham recebido R$ 25 milhões em recursos, beneficiando 20,9 mil trabalhadores, segundo indica o monitoramento realizado pelo Banco Central (BC).

Os números são repassados por Bancoob, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, Itaú, Santander, Sicredi, Sistema Ailos ao BC.

Dentre os setores da atividade econômica mapeados pelo no Ceará, o de serviços é o que mais tem utilizado o financiamento disponível para folha de pagamento, com 246 empresas, seguido de saúde, saneamento e educação (143), mídia e lazer (128), construção, madeira e móveis (104) e têxtil e couros (60).

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Entraves nos Serviços

Apesar das estatísticas apontarem os serviços como de maior tomada de crédito no Estado, o segmento de alimentação fora de casa relata dificuldades e entraves no acesso ao financiamento. O diretor executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Ceará, Taiene Righetto, aponta que os poucos a procurar o recurso revelaram requisitos rígidos para a tomada do crédito, como adimplência e garantias.

"São grandes exigências num momento em que o empresário está fragilizado, com dívidas para pagar, com fornecedores cobrando e até protestando o nome de estabelecimentos que estão fechados", ressalta.

Demonstrando que o recurso não tem chegado às empresas, Righetto lembra que apenas o segmento de bares e restaurantes no Ceará soma 20 mil empresas, enquanto apenas 246 foram beneficiadas em todo o setor de serviços. "Mostra que o acesso a esse crédito não é algo tão simples e que realmente não veio a beneficiar tanto assim", afirma.

Confirmando os gargalos enfrentados, o presidente do Sindicato de Restaurantes, Bares, Barracas de praia, Buffets e similares do Estado de Ceará (Sindirest-CE), Dorivam Rocha, estima que menos de 5% de todo o setor no Brasil conseguiu acessar o financiamento.

"Mesmo assim, os prazos são curtos, a carência é pequena, isso torna um crédito de risco. O Pese não foi suficiente para que nossas empresas do setor de alimentação fora do lar conseguissem acesso ao crédito para enfrentar esse momento de pandemia", ressalta Rocha.

'Garantias de mercado'

Para tentar melhorar o acesso, a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) - braço nacional do sindicato - tem tentado com os ministérios da Economia e do Turismo desburocratizar o processo, trocando as garantias financeiras solicitadas por geração de emprego.

"Em vez de patrimônio físico, a sugestão é que as empresas gerem garantias de mercado, como geração de emprego", detalha Rocha.

Amparo na articulação

As empresas que possuem setores de contabilidade consolidados têm mais facilmente acesso aos recursos, segundo o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio-CE), Maurício Filizola. Conforme aponta, a equipe facilita a interlocução com as instituições bancárias, preparando a documentação necessária.

"É uma ferramenta assertiva e tem sido um grande suporte para essa manutenção de empregos. Para as pequenas empresas fica realmente um pouco mais difícil. A Federação tem reunido todas as iniciativas dos governos Federal, Estadual e Municipal que beneficiam nossa base para orientar os associados".

De acordo com Filizola, o mecanismo tem sido utilizado, mas não consegue precisar por quantas empresas. "Cada um sabe qual o recurso mais apropriado, seja o benefício sobre a folha de pagamento, a redução de jornada e salário, suspensão de contratos ou mesmo a demissão".

Auxílio paliativo

O professor do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, avalia o Pese como um paliativo e cuja adesão não tem como ser massiva. "Esse financiamento vai ter que ser pago. Teremos juros, embora com taxas pequenas. Nem todas as empresas vão suportar mais um encargo. Depende do tamanho dela, a estatística, já que a capacidade de suporte das empresas daqui não é tão grande", argumenta o docente.

O Ceará é apenas o terceiro estado do Nordeste em valor de repasses, atrás de Pernambuco (R$ 32,12 milhões) e da Bahia (R$ 51,28 milhões), e o décimo primeiro do Brasil. São Paulo é a unidade federada que mais recebeu recursos através do programa, concentrando R$ 599,49 milhões.

Oliveira ainda destaca o prazo de financiamento da linha, que banca os salários dos funcionários por apenas dois meses. "Depois de dois meses, como vai ser? É um paliativo muito frágil. Tem seus aspectos positivos, garante a renda por dois meses, mas nada está garantido depois. Tudo indica que isso vai durar por mais que dois meses. Sem falar que as empresas estão fechadas, s estão pagando a folha, mas não estão agregando nada, apenas dívida futura".

Recursos na indústria

A Indústria cearense também tem apresentado dificuldades para se beneficiar com o programa. Apesar de reconhecer a importância da iniciativa, o assessor econômico da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Lauro Chaves Neto, admite que os recursos não chegaram na ponta.

"Dos R$ 40 bilhões disponibilizados, menos de 2 bilhões foram liberados. O temor de agravamento da recessão e a possível necessidade futura de redução do quadro, quando existe a contrapartida de não demissão para o acesso ao crédito, é um dos principais gargalos existentes".

Já o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará (Sinduscon-CE), Patriolino Dias, aponta que o programa não condiz com a realidade da Construção Civil, tendo em vista a alta rotatividade de funcionários natural da atividade. "Eles pedem a contrapartida de não demitir por dois meses, mas, em uma obra, eu tenho a etapa da estrutura de concreto com profissionais especializados. Terminada essa fase, infelizmente eu tenho que demitir e contratar outros profissionais, de modo que a gente não tem como garantir essa manutenção prolongada", pontua.

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