Música nos hospitais auxilia na luta de cearenses contra a Covid; “passei a crer que iria pra casa”

Canções tocadas por profissionais de saúde ajudam a tornar mais leves ambientes dominados por dores e incertezas

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br

A melhor música para ouvir enquanto se lê este texto é “We are the champions”, da banda Queen. A sugestão é do aposentado Jaime Batista, 68, inspirado por todos os que viu e ouviu durante os 15 dias de internação hospitalar para se recuperar da Covid-19, em Fortaleza.

O ex-guitarrista de uma banda de rock foi um dos pacientes que tiveram a rotina angustiante de luta contra o coronavírus aliviada pelas canções tocadas por profissionais de saúde da UPA de Messejana, prática cada dia mais comum em hospitais do Ceará.

Quando a enfermeira colocou a música, minha mente foi pra década de 70. Fui cantando e chorando, lembrei de tudo muito emocionado.
Jaime Batista
68 anos, recuperado da Covid

Em vídeo, a equipe de saúde registrou o momento em que, ainda com a respiração debilitada e agarrado à mão de uma profissional de enfermagem, Jaime cantou os versos de “She made me cry”, da banda Pholhas – a preferida dele.

“Foi quando foi anunciado que eu ia receber alta. Ali eu passei a acreditar, a crer que ia voltar pra casa. E consegui chegar em casa e estou me recuperando, depois de perder 20 kg em duas semanas”, relata.

Melodias como remédio

Se de um lado as dores físicas exigem tubos e seringas, do outro são as seis cordas do violão os instrumentos utilizados por Luciana Pereira, 46, para amenizar os sintomas emocionais dos pacientes internados com Covid nos Hospitais Geral Waldemar de Alcântara (HGWA) e do Coração de Messejana (HM).

Técnica de enfermagem toca violão para pacientes com Covid no Ceará
Legenda: Técnica de enfermagem, Luciana toca violão para pacientes com Covid em dois hospitais públicos de Fortaleza
Foto: Divulgação/HGWA

Técnica de enfermagem há 27 anos, a profissional já adotou o violão como objeto comum ao ambiente hospitalar há seis, um trabalho que “se intensificou e se tornou quase diário na pandemia”.

“Ano passado, testei positivo, fiquei isolada, e o violão foi meu grande aliado, como sempre. Quem canta ora duas vezes. E na pandemia vemos essa necessidade com mais frequência”, pontua.

Segundo ela, as reações de alegria, esperança e alívio são lidas de imediato nos olhos dos pacientes quando a música chega aos ouvidos.

Eles ficam deprimidos no leito, angustiados, sem contato com a família. A música leva conforto e sorrisos.
Luciana Pereira
Técnica de enfermagem

Além dos pacientes, os próprios profissionais tiram toneladas de tensão dos ombros ao ouvir as canções nos corredores. “É uma alimentação diária, e a gente, que também precisa ser cuidado, se fortalece. A música tem um poder de transformar vidas”, defende Luciana.

Em tempos de Covid, “quando as pessoas não sabem o que esperar do dia seguinte, porque podem instabilizar a qualquer momento”, há uma canção que, como ela recomenda, nunca falta na playlist.

"É ‘Deus enviou’, que diz: ‘porque Ele vive, posso crer no amanhã’."

Musicoterapia melhora quadro clínico

Ouvir uma canção favorita, que desperte boas lembranças, pode aliviar, além da mente, o coração, como explica Camila Machado, diretora de Gestão e Atendimento das UPAs de Fortaleza gerenciadas pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH).

"Percebemos que a saturação e a frequência cardíaca melhoram. Tem uma liberação muito alta de endorfina, uma sensação de prazer. Tiramos o paciente e a equipe de um ar de tensão e levamos ao encantamento", pontua.

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Por iniciativa de uma profissional de enfermagem, surgiu, na pandemia, o Projeto Vitrola, em que pacientes internados em UPAs escolhem, todas as tardes, uma música para escutar – ora reproduzidas em caixinhas de som, ora tocadas pelos próprios profissionais de saúde.

“Como as unidades são isoladas, e o ambiente Covid é muito insalubre, tanto os profissionais como os pacientes ficam muito tristes, ansiosos, melancólicos. A musicoterapia muda isso, leva bem estar ao local”, avalia Camila.

Nos leitos ou corredores, durante internações ou altas dos pacientes, acordes e refrões têm soado para contaminar com boas energias os ares tão assolados por mais de um ano de pandemia no Ceará.

Além das unidades mencionadas aqui, as iniciativas musicais já foram registradas em outras unidades de saúde públicas e privadas do Estado, como Hospital Regional do Cariri (HRC), Hospital Estadual Leonardo Da Vinci (HELV), Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), entre outros.

Música no SUS é política nacional de saúde

A musicoterapia, como define o Ministério da Saúde, é uma “prática que utiliza som, ritmo, melodia e harmonia para promover objetivos terapêuticos relevantes, alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas dos pacientes”. 

A estratégia, além de partir da sensibilidade de profissionais de saúde da linha de frente de doenças múltiplas, como a Covid, foi incluída na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Portaria 145/2017.

Junto à musicoterapia, outros exemplos de práticas inseridas como políticas públicas de saúde são a arteterapia, sessões de meditação, de reiki e a naturopatia (uso de métodos e recursos naturais para recuperação do corpo). O custo previsto é de R$ 0 e não há contraindicação de gênero nem idade.

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