Variantes da raiva encontradas em saguis são identificadas em morcegos no Ceará; entenda

Estudo científico identificou a presença inédita do agente infeccioso do primata em espécies de quiróptero

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(Atualizado às 14:54)
Morcego. Pela primeira vez, variantes do vírus da raiva de saguis foram encontradas em morcegos no Ceará, diz estudo científico
Foto: Shutterstock

Pela primeira vez, um estudo científico identificou morcegos infectados com variantes do vírus da raiva semelhantes às encontradas em saguis — conhecidos popularmente como sonhins. A descoberta pioneira, realizada em animais recolhidos no Ceará, reforça o alerta para o risco de transmissão da doença — fatal em humanos — em caso de contato com esses mamíferos silvestres, comuns em diversas áreas do Brasil, e às vezes tratados como bichos de estimação.

A médica veterinária Larissa Sousa, responsável pelo diagnóstico da virose no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen-CE), esclareceu, em entrevista ao Diário do Nordeste nesta sexta-feira (22), que qualquer mamífero pode contrair a patologia, mas isso não significa que todos estão infectados. A novidade indica que a população deve redobrar os cuidados de contato com essas espécies silvestres, já que pode haver uma circulação do vírus nelas. 

"A raiva existe em várias variantes genéticas e cada uma delas é adaptada a uma determinada espécie. Porém, qualquer mamífero é suscetível à raiva. O que foi identificado é que algumas variantes que circulam em morcegos são similares as que circulam em saguis, e isso foi detectado pela primeira vez — a questão da evolução do ponto de vista genético, que identificou essa similaridade", detalha. 

Culturalmente, no Ceará, a população procura proximidade com esses animais silvestres, principalmente com sagui. Muitos adotam, criam em casa. Então, há o risco desses animais estarem transmitindo raiva para as pessoas".
Larissa Sousa
Médica veterinária e servidora do Lacen-CE

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Em maio deste ano, o Estado registrou um óbito provocado pela virose, após sete anos sem casos do tipo. Na ocasião, um agricultor, de 36 anos, faleceu após ser atacado por um sagui, em Cariús, e demorar a procurar ajuda médica. 

"O sonhim se encontrava doente, apresentava uma paralisia, e [o homem] foi ajudar o animal, mas ele o mordeu. Depois, o agricultor não procurou um posto de saúde, não procurou tomar vacina e nem o soro, e assim esse animal transmitiu raiva para ele e, 45 dias após, o homem foi a óbito", detalhou. 

Sequenciamento e descoberta inédita

A pesquisa analisou 144 amostras de tecido do cérebro de morcegos, pertencente a 15 espécies distintas, que chegaram ao Lacen-CE entre janeiro e julho de 2022. Esses animais foram encontrados mortos ou com sintomas de raiva e recolhidos por profissionais da saúde, no âmbito do programa nacional de vigilância epidemiológica, conforme informações da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que apoiou a análise científica. 

Os resultados do estudo, coordenado pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), foram publicados no periódico especializado Journal of Medical Virology, em agosto deste ano. 

As amostras de RNA extraídas dos animais foram sequenciadas e comparadas com outras disponíveis em bancos de dados públicos. Enquanto o primeiro grupo foi compatível com variantes da raiva identificadas, no ano de 2010, em duas espécies de morcegos da região Sudeste do Brasil; o outro apresentou, pela primeira vez, relação evolutiva próxima ao vírus da raiva detectado em saguis-de-tufo-branco, típicos do Nordeste do País.

Sagui-de-tufo-branco, típico da região Nordeste do Brasil. Pesquisa identifica variantes da raiva encontrados no sagui-de-tufo-branco em morcegos, no Ceará
Legenda: Primata silvestre às vezes é retirado da natureza irregularmente e mantido como animal de estimação
Foto: Shutterstock

Prevenção e respeito

Em humanos, a raiva é transmitida pela saliva de animais domésticos ou silvestres infectados, após mordida, arranhão ou lambida. Cães, gatos, saguis, raposas e morcegos são os transmissores mais comuns. A doença possui alta letalidade, provocada pelo vírus, que, geralmente, migra para o sistema nervoso central e causa inflamação no cérebro, segundo frisa o Ministério da Saúde.

Atualmente, com as campanhas de vacinação de espécies domésticas, a maioria dos casos são provocados por bichos selvagens, mas Larissa Sousa destaca que a prevenção da virose não deve se transforma em uma caça predatória contra eles. 

Os animais silvestres vivem no habitat deles, então a gente recomenda que haja um respeito. Quando esses animais aparecerem próximos das residências e apresentem mudança de comportamento, como, por exemplo, o morcego, um animal de hábito noturno, aparece de dia e com dificuldade de locomoção, a gente indica que a população entre em contato com os serviços de vigilância do município".
Larissa Sousa
Médica veterinária e servidora do Lacen-CE
 

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Caso uma pessoa seja mordida, arranhada ou lambida por um animal não vacinado ou desconhecido, deve imediatamente lavar o local da ferida com água e sabão e buscar a Unidade Básica de Saúde mais próxima, conforme orienta a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).

As principais formas de prevenção da raiva humana são vacinar cachorros e gatos, além de evitar contato com mamíferos desconhecidos ou silvestres. "Todo contato que a população tiver com esses animais, direto ou indireto, [deve] procurar o sistema de saúde, um posto de saúde, para, no caso de necessidade, tomar soro ou vacina, por conta que é uma doença fatal", reforça a especialista. 

Em Fortaleza, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) orienta que em casos de suspeita de zoonoses em algum animal a orientação é procurar o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), ou ligar para o número 156. A Pasta ainda aconselha não mexer no animal, se não tiver conhecimento técnico para tal fim, já que é necessário o uso de equipamento de proteção individual (EPI). Na Capital, todos os postos de saúde realizam atendimento antirrábico humano e vacinação.

Sinais e sintomas da raiva humana

Entre as manifestações da doença em pessoas que a contraem, estão:

  • Dificuldade de engolir (alimento, água ou saliva); 
  • Sensibilidade à luz (fotofobia); 
  • Tremores involuntários; 
  • Salivação excessiva. Em animais domésticos, como cães e gatos, também ocorre salivação em excesso associada à agressividade ou à mudança comportamental.

Em animais domésticos, como gatos e cachorros, o vírus causa agressividade ou mudança comportamental, associada também à salivação excessiva.

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