Estudo pretende combater disfunção erétil com veneno de aranha encontrada no Brasil

Pesquisa com toxina de aracnídeo resultou em molécula sintética cuja ação pode favorecer a ereção

Legenda: Efeito colateral do veneno do animal pode provocar priapismo — ereções que duram horas
Foto: Shutterstock

A aranha armadeira ou "da bananeira" (Phoneutria nigriventer), pertencente à família dos ctenídeos, é considerada um dos aracnídeos mais perigosos devido à potência de seu veneno. O que não se sabia é que, em homens, além da mordida, causar dor e inflamação extremas, pode levar a ereções que duram horas (o "priapismo"). Tendo este fator como base, cientistas estão se preparando para lançar os últimos ensaios clínicos para testar se o veneno tem condições de ser utilizado como um novo tratamento para a disfunção erétil.

Os participantes dos testes, no entanto, não irão receber o veneno diretamente, mas sim um único componente que os estudiosos acreditam ser responsável por seu efeito colateral. A aranha utilizada como base da pesquisa é encontrado em países da América do Sul, entre os quais, o Brasil.

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Como funciona

Ao buscar compreender, do ponto de vista farmacológico, os mecanismos que geram o priapismo ocasionado pelo veneno da aranha armadeira, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveram em laboratório uma molécula sintética com propriedades promissoras para o desenvolvimento de fármaco inovador e seguro para tratar a impotência sexual. Até o momento, o peptídeo, batizado de BZ371A, já gerou 22 patentes internacionais e nove aplicadas.

O candidato a fármaco para impotência sexual, aprovado recentemente na fase 1 de testes, tem o potencial de atender a homens com disfunção erétil que, por diferentes motivos, não podem recorrer aos medicamentos hoje disponíveis no mercado. Autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a primeira etapa de testes clínicos já provou que o composto não é tóxico para humanos. Em teste-piloto, realizado em homens e mulheres, os pesquisadores observaram que a aplicação tópica do BZ371A resulta na vasodilatação e no aumento do fluxo sanguíneo local, independentemente de qualquer outro estímulo, facilitando a ereção peniana.

Atualmente, os remédios orais disponíveis para tratar a condição — entre os quais, os conhecidos Viagra e Cialis — pertencem a uma classe de medicamentos que funciona para 70% dos pacientes. Os outros 30%, como homens hipertensos ou com diabete grave, têm alguma contraindicação para o uso desses remédios, por conta de seus riscos e efeitos colaterais — como hipotensão, desmaio e dor de cabeça — provenientes de exposição sistêmica. Agora, a Biozeus Biopharmaceutical, empresa que adquiriu a patente do potencial fármaco, prepara-se para dar início aos ensaios clínicos da fase 2, em que o BZ371A será testado em homens prostatectomizados com disfunção erétil. 

Origens do estudo

A professora voluntária na UFMG, docente e pesquisadora da Faculdade de Saúde da Santa Casa de Belo Horizonte, Maria Elena de Lima explica que, inicialmente, o estudo focou em uma molécula extraída do veneno purificada por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed). Liderada pelo professor Carlos Diniz, orientador de mestrado de Maria Elena na UFMG, a equipe já estudava, há longo tempo, o veneno da aranha armadeira.

Maria Elena conta que o trabalho com a toxina de aranha, que resultou posteriormente nesse candidato a fármaco, teve início na tese de doutorado da pesquisadora Kenia Pedrosa Nunes, defendida, em 2008, no Programa de Pós-graduação em Fisiologia e Farmacologia.

Um dos objetivos dos ensaios científicos é testar o componente em homens que passaram por remoção cirúrgica da próstata devido ao câncer, pacientes que geralmente sofrem por problemas de disfunção erétil resultante da cirurgia. Os pesquisadores da universidade mineira também esperam examinar se o BZ371A poderá ser usado por mulheres com disfunção sexual. Até o momento, não há comprovações científicas.