Aos 17 anos, filha de agricultor usa biologia computacional em estudo no CE para combater a Covid

Moradora de Iracema, na Região do Vale do Jaguaribe, Vitória Emanuelly, desde o início da pandemia se inquietou com a tragédia e decidiu ajudar por meio da pesquisa científica

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Vitória Emanuelly Lopes Bandeira
Legenda: Na pesquisa iniciada no ano passado, Vitória Emanuelly utilizou ferramentas da biologia computacional para encontrar microRNAs.
Foto: Thiago Gadelha

Em meio à pandemia de Covid, com a transmissão contínua da doença, atividades paralisadas, escolas fechadas e isolamentos a cada nova onda, uma iniciativa, ainda 2021, vinda da cidade de Iracema, na Região do Vale do Jaguaribe, no Ceará, ajudou a incrementar o conhecimento juvenil sobre o vasto mundo do coronavírus

A ação da estudante Vitória Emanuelly Lopes Bandeira tem contribuído para aprimorar a conexão entre o saber produzido em escolas públicas do Estado e o uso da ciência em favor da sociedade. 

Em 2021, Vitória Emanuelly, que desde 2020 se inquietava com da tragédia da crise sanitária, decidiu agir. A intenção era contribuir com a pesquisa científica de forma mais concreta e aplicada a partir daquilo que ela já tem um certo domínio. 

Para isso, Vitória que reside em uma cidade de pequeno porte no interior do Ceará, cuja base é a agricultura, utilizou caminhos já percorridos na escola e investiu nas próprias competências e afinidades: trabalhou com biologia computacional para produzir estudos sobre o vírus causador da pandemia. 

Esta matéria integra a série “Terra de Sabidos”, publicada pelo Diário do Nordeste com patrocínio da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, cujo foco é contar histórias de estudantes da rede pública estadual do Ceará  e da rede municipal de Fortaleza, que, via educação, tiveram as trajetórias alteradas, conquistando oportunidades, e reconhecimentos local, estadual e nacional. 

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Vitória hoje tem 17 anos e cursa o 3º ano do Ensino Médio na Escola de Tempo Integral Deputado Joaquim de Figueiredo Correia, da rede estadual. Filha de um agricultor e de uma merendeira de escola pública, ela relata, que em 2021 “pensando basicamente em tentar melhorar a situação (da pandemia)” começou a desenvolver um projeto científico que envolve moléculas do vírus causador da Covid. 

O que é a pesquisa?

Na pesquisa iniciada no ano passado, a estudante utilizou ferramentas da biologia computacional para encontrar microRNAs, um tipo de fragmento biológico utilizado em novas vacinas, para que possam interagir com proteínas que estão relacionadas à transmissão do coronavírus.

Em termos práticos, o objetivo da análise feita pela estudante é, via biologia computacional, encontrar microRNAs que possam ser “novos candidatos” à inibição do mecanismo molecular do vírus causador da Covid, o SARS-CoV-2, e com isso ajudar a evidenciar possíveis “caminhos” para fortalecer as vacinas e enfrentar o vírus. 

Vitória Emanuelly Lopes Bandeira
Foto: Thiago Gadelha

O plano é que a investigação, que até o momento tem estratégias  computacionais, caminhe para estudos moleculares propriamente ditos. Com a ideia, Vitória relata que foi encaminhada pelo diretor da escola para um contato com pesquisadores da UFC. 

Nesse trajeto, sob a orientação de dois pesquisadores  da UFC - Roberta Jeane Bezerra Jorge e Helyson Lucas Bezerra - ela realizou um estágio remoto não remunerado em um laboratório da Universidade para desenvolver a pesquisa proposta.

Foram 2 meses de estágio, conta a estudante. Posteriormente, passou a receber também o apoio da professora da própria escola, Sebastiana Vicente Bezerra.

“Eu fazia de forma virtual. Eu usava programas e softwares para encontrar os microRNas. Esses programas foram ensinados pelos professores, mas também li artigos e pesquisei no Youtube”. 
Vitória Emanuelly
Estudante da rede pública

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Adversidades no percurso

O percurso, apesar da proatividade e do empenho de Vitória, guardou diversos obstáculos. Evidências que sem estrutura e recursos, o possível caminho de produção de conhecimento se torna desmedidamente mais difícil. 

Vitória Emanuelly Lopes Bandeira
Foto: Thiago Gadelha

“No início eu não tinha computador. Eu usava do meu irmão. Era bem limitado, eu usava bastante nos horários em que ele não estava em casa. Depois eu pude comprar um pra mim. E só depois  troquei com o dinheiro que recebi da bolsa do CNPQ”, diz ela. 

A bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) - órgão de fomento à pesquisa no Brasil ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações -  foi conquistada por Vitória também com essa pesquisa após ser medalhista em uma competição científica em 2021.

O recurso, que estimula a iniciação científica de jovens que ainda estão na escola, garantiu a Vitória 100 reais por mês durante 10 meses. O recurso que serve para ajudar a estudante a desenvolver e aprimorar a própria pesquisa, foi economizado por ela para adquirir um novo computador. 

Com a pesquisa, Vitória foi premiada em feiras de ciências como: a Infomatrix Brasil, concurso de projetos científicos organizado pela Sociedade Latinoamericana de Ciência e Tecnologia, no qual ela obteve a medalha de bronze em 2021; a Mostra Internacional de Ciências Tecnologia (Mostratec), em que ele foi o  3° lugar em Ciências Biológicas, em  2021; e na Feira Brasileira de Ciências e Engenharias (Febrace), com o 3° lugar em Ciências da Saúde, em 2022. 

Estrutura escolar

Na escola que há 2 anos aderiu ao tempo integral e Vitória pode cursar o ensino médio nessa modalidade, ela relata que “encontrou apoio e acolhimento”. Mas, completa: “ainda faltam investimentos de outros órgãos, para a melhoria da  pesquisa científica do ensino médio”.

Vitória Emanuelly Lopes Bandeira
Foto: Thiago Gadelha

Dentre outros gargalos, cita: carência de internet para os alunos e funcionamento do laboratório de informática, mais recursos para o laboratório de Ciências, biblioteca com espaço para os pesquisadores, a garantia de uma auditório. 

“A escola sempre teve tradição e vem devolvendo pesquisas de alto impacto. Realmente foi um grande desafio fazer o trabalho com pouco recurso, e ainda em uma época de pandemia”.
Vitória Emanuelly
Estudante da rede pública

A pesquisa de Vitória foi realizada em meio à pandemia e com todos os limites impostos por ela. Em diversos momentos, a celebrada participação em eventos científicos teve que ocorrer de modo virtual. 

“Fico muito feliz por ter essas oportunidades de participar das feiras. Sem a escola eu não conseguiria participar. É uma coisa bastante significante para mim. Eu pretendo levar esse trabalho adiante. É muito importante para a sociedade. Se eu conseguir desenvolver vai ser uma grande felicidade”.  
Vitória Emanuelly
Estudante da rede pública

Vitória elegeu a biologia como disciplina preferida. Nos planos de futuro, o sonho de cursar medicina já foi o carro chefe. Mas, com o avançar e o reconhecimento do trajeto, deu lugar à formação em Farmácia. A pretensão é cursar tal graduação em uma universidade pública. Tal qual foi todo o ensino fundamental e médio. 

Na educação, Vitória não conheceu outro tipo de instituição. A rede pública foi a única experimentada. Não sem consciência dos limites dessa rede, Vitória a valoriza e sabe que quando há oportunidade e incentivo dentro das instituições públicas, somados a sua própria curiosidade, empenho e disposição, a chance de prosperar, no seu caso,  é elevada.