De vacina a testagem: como o Ceará avançou em pesquisas e tratamentos da Covid em 2 anos de pandemia
Profissionais e pesquisadores da Saúde apontam que mudanças durante a crise sanitária foram profundas e ficam como legado à população
15 de março de 2020. Três primeiros casos de Covid-19 são confirmados no Ceará, em meio a incertezas, falta de testes, de estrutura e de noção de como enfrentar uma crise nessa magnitude. Hoje, dois anos depois, a pandemia de coronavírus persiste – mas esbarra num Estado muito mais preparado para lidar com ela.
O Diário do Nordeste pediu a profissionais e pesquisadores da área da saúde que respondessem, entre outras, a pergunta básica: quais as contribuições mais importantes do Ceará em pesquisas e tratamentos sobre Covid, ao longo de 2020 e 2021?
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De melhora nas testagens moleculares, passando pelo capacete que ajuda pacientes a respirar, e chegando até o estudo de uma vacina feita na Universidade Estadual, a Uece, são muitas as formas que gestores e pesquisadores cearenses têm ajudado no combate à pandemia.
“Quando tem investimento, a gente é capaz de responder”
Para Keny Colares, médico infectologista e consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), a pandemia “nos pegou num momento difícil, de alta dependência tecnológica de outros países”, consequência da histórica falta de investimento na ciência.
A falta de estrutura se expressou, então, na falta de máscaras, respiradores, medicamentos e, depois, de vacinas que pudessem conter o avanço do coronavírus. O Ceará, então, aos poucos, superou dificuldades que já afetavam a saúde local muito antes da Covid.
“O Ceará tinha uma rede de diagnóstico de doença viral muito deficitária. O diagnóstico de PCR tinha utilização muito restrita. Hoje, com a expansão da rede, temos uma capacidade muito maior”, avalia.
de testes RT-PCR foram realizados no Ceará, desde o início da pandemia, dos quais quase 680 mil deram positivo, de acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).
Em relação a tratamento, o médico destaca um dos equipamentos mais importantes e reconhecidos no salvamento de pacientes com Covid grave: o capacete Elmo, desenvolvido e produzido por instituições cearenses.
“Houve a produção do Elmo, um equipamento para facilitar o tratamento não invasivo de pacientes que precisavam de ajuda pra respirar, sem precisar intubar, mantendo a pessoa acordada, reduzindo as complicações. Salvou muitas vidas”, pondera Keny.
Diante de uma doença sem medicamento eficaz para combatê-la, o pesquisador frisa também que “vários hospitais do Ceará participaram de estudos para testar medicamentos, envolvidos em protocolos internacionais”, e destaca o papel da Uece na produção de uma vacina própria.
Novo tipo de teste de Covid
O avanço no diagnóstico da Covid, crucial em todas as fases da pandemia, é citado por Fábio Miyajima, pesquisador da Rede Genômica da Fiocruz Ceará, como um dos pontos mais importantes nos quais o Estado evoluiu, nos últimos dois anos.
Em março de 2020, destaca Miyajima, o Ceará estruturou um Laboratório de Diagnóstico Molecular para o atendimento de demandas do SUS, a fim de que os resultados dos exames de Covid saíssem mais rápido, agilizando a notificação e o tratamento. O equipamento foi feito em parceria com o Hemoce.
“Além de Pesquisadores da Fiocruz, a equipe era originalmente constituída por jovens voluntários, a maioria profissionais pós-graduandos dos programas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Fiocruz”, pontua o cientista.
É na área de testagem uma das maiores contribuições dos pesquisadores no Ceará. “Uma equipe desenvolveu e pilotou um inovador sistema de coleta de amostras de saliva de baixo custo, uma alternativa aos swabs nasofaríngeos”, revela Miyajima.
O novo tipo de teste permite autocoleta por parte do paciente, sendo “mais confortável” a quem realiza o exame. O pesquisador da Fiocruz Ceará afirma que “o projeto está em fase de escalonamento para futura implementação no sistema de saúde e na retomada escolar”.
Assim como Keny Colares, Fábio Miyajima lamenta o baixo investimento em ciência e tecnologia amargado pelo Brasil e, consequentemente, pelo Ceará; mas salienta que as medidas sanitárias adotadas no Estado foram importantes.
Além das vacinas, destacam-se, por exemplo, as medidas de distanciamento social, de restrição de mobilidade, de melhores fluxos para testagem de amostras de diagnóstico e o uso obrigatório de equipamento de proteção individual, como máscaras.
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"Isso não pode parar, e só não para se manter aquele recurso vivo"
A epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Caroline Gurgel, comenta que para os pesquisadores do Estado, o destaque que a área científica ganhou nesse período de pandemia funcionou como “ver uma luz” quando estavam no fundo do poço.
Ela destaca que o Ceará evoluiu em vários outros aspectos da ciência. Desde invenções, como o Elmo, passando por parcerias importantes, como a entre Uece e Fiocruz, para a confecção de uma vacina cearense contra a Covid, até mesmo na evolução do acompanhamento epidemiológico das doenças.
O que não pode faltar são os recursos para grupos de pesquisa que já existem. Tem grupos avaliando vários desfechos diferente em relação a Covid. E isso não pode parar, e só não para se manter aquele recurso vivo
Para manter a evolução na área científica cearense, para além da pandemia e pensando em eventos futuros, a professora destaca que é necessário recurso financeiro, material e humano.
“A pandemia é uma doença emergente agora e estamos conhecendo cada vez mais como lidar com ela. No entanto, daqui a pouco pode vir outra doença emergente também. Então é interessante que a gente já esteja pronto, já tenha algo pré-pronto ali, para conseguir combater qualquer coisa que venha”, finaliza.
A reportagem questionou à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) quantos projetos sobre Covid foram financiados pelo Estado e quantos serão, neste ano, e aguarda resposta da entidade.