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O envolvimento, a participação e a dedicação aos processos de aprendizagem nas salas de aula nem sempre vêm inicialmente por meio das disciplinas e conteúdos convencionais. No semiárido cearense, na cidade de Irauçuba, as práticas esportivas apreciadas por parte dos jovens na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Dilma Bastos Ferreira têm sido ferramentas mobilizadas para atraí-los e envolvê-los para as demais dimensões do conhecimento na vida escolar.

Na cidade do interior, cujo interesse pelo esporte é uma tradição, a escola de 61 anos foi a 1º da rede pública estadual a ter a jornada ampliada no município. Com uma delegação de ouro em competições escolares, a unidade que se destaca no esporte tem buscado unir o bom desempenho nessas atividades à melhoria dos resultados em todas as áreas pedagógicas. 

Nos Jogos Escolares de 2023, a Escola Dilma Bastos, que está em plena implementação do tempo integral, com o início da jornada ampliada em 2020 (em meio à pandemia de Covid) , destacou-se tanto em modalidades coletivas, como em individuais.

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Na competição participam unidades das redes pública e privada de ensino fundamental e médio dos municípios que se inscreverem e seguem as seguintes etapas: 

  • Interclasse (responsabilidade da escola);
  • Etapa municipal (responsabilidade do município);
  • Etapa CREDE (composta pelos municípios integrantes das 20 Coordenadorias Regional de Desenvolvimento da Educação - CREDEs);
  • Etapa macrorregional (composta pelo campeão e vice-campeão da etapa CREDE, dividida em 7 macros regiões do Estado);
  • Etapa estadual (composta pelo campeão de cada macrorregional);
  • Etapa nacional (responsabilidade da Confederação Brasileira do Desporto Escolar (12 a 14 anos), Comitê Olímpico do Brasil (15 a 17 anos) e Comitê Paralímpico Brasileiro (paralimpíadas)).

Os alunos da Escola Dilma Bastos, em 2023, asseguraram na etapa estadual medalhas de ouro no futsal feminino; no salto triplo masculino e feminino; na corrida de 3 mil metros masculino; no lançamento de dardo masculino, além da prata no lançamento de dardo feminino e do bronze nos 200 metros masculino

Esta matéria faz parte da segunda edição da série de reportagens especiais, "Terra de Sabidos - escola de todos os tempos", que conta a história de estudantes, professores e gestores de unidades estaduais do tempo integral, discutindo o impacto desse modelo de ensino na vida dos alunos e de toda a comunidade escolar, assim como de cidades inteiras.

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Legenda: Futsal feminino, handball e futsal masculino são alguns dos esportes coletivos praticados na escola
Foto: Thiago Gadelha

Esporte no tempo integral

O diretor da escola, André Fernandes Teixeira, está à frente da unidade desde 2021. Ele conta que por ser a única escola de Ensino Médio na sede do município, a instituição “recebe alunos de todas as localidades”. Hoje, são cerca de 500 matrículas no tempo integral e 300 no ensino médio regular ofertado à noite.

Com o tempo integral, melhorou bastante por isso. O aluno está mais tempo na escola, fortalece a questão dos esportes. Quando vêm os recursos, tentamos não deixar faltar nada. Principalmente quando tem uma potencialidade. Muitos alunos querem, claro, aprender. Mas uma grande parte não quer estar só em sala de aula estudando. Quer praticar esporte, fazer algo que seja diferente.
André Fernandes Teixeira
Diretor da escola

Sobre os esportes, ele ressalta que os estudantes têm “muitas habilidades”, assim como na cultura e na arte. No formato regular, avalia ele: “praticamente a gente não tinha esse tempo. Tinha base comum. Saía da escola e já ia para a casa. Não tinha como voltar no contraturno”. 

O professor de educação física Walmon Freitas ressalta os incentivos e as conexões entre as atividades físicas que atraem parte dos estudantes e o potencial de aprendizagem. “Muitas vezes, as pessoas não veem que o esporte tem um poder muito grande de socialização e reintegração de pessoas, de jovens que são desacreditados. Então, o esporte dentro da escola tem fundamental importância para a formação integral do aluno”, argumenta. 

Com a jornada ampliada, ele pondera que é possível fazer um trabalho mais acentuado tanto na parte acadêmica quanto na esportiva. Nós temos um projeto escolar chamado Aluno Atleta que já funciona há muito tempo, e nós conseguimos fazer a parte pedagógica ser tão eficiente quanto a parte esportiva”, afirma. 

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Legenda: Atlestas do time de handball. 2.Professor de educação física, Kaio Fernandes. 3 Atividades na quadra
Foto: Thiago Gadelha

“A gente sabe que talentos os meninos já têm. Talento a gente vai trabalhando, vai lapidando, vai fazendo o acompanhamento, mas a parte pedagógica que é um ponto determinante dentro da escola e é um papel fundamental para nós,  temos que fazer essa junção. Fazer com que o aluno queira praticar o esporte, mas não esquecendo da parte pedagógica”. 

Reformas necessárias

Com a implantação do tempo integral, a escola precisou passar por uma série de reformas, pois é um dos prédios que a Secretaria de Educação (Seduc), dada a necessidade, optou pela reestruturação física gradual ao invés da derrubada por completo e entrega de um nova sede.  

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Legenda: Salas de aula da escola
Foto: Thiago Gadelha

“O nosso prédio não tinha estrutura. É uma escola bastante antiga. Essa escola foi sendo ampliada à medida que havia necessidade”, explica o diretor. Até o momento, a unidade já teve reforma na cantina e nos banheiros; passou por construção de vestiários e teve a climatização implementada. Atualmente, dois pontos demandam estruturação: a construção de um refeitório e a reforma da quadra. 

“Embora tenhamos limitações de estrutura, nossa escola é tratada como uma escola completa porque a gente não treina os alunos somente para avaliações externas. A gente vê o aluno como alguém que vai sair daqui e ter uma vida independente dos resultados. Um aluno que possa querer entrar na universidade, mas que pode também querer ser um atleta de qualidade. E a gente não exclui.”, ressalta André.

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Escola que alcança sonhos

Na unidade, a professora de Matemática Germana Mota, que é também formada em Educação Física, em 2023 viu se tornar realidade um grande desejo seu e das alunas: treinou o time de futsal feminino da escola e conquistou a medalha de ouro na etapa estadual. 

Minha relação com as meninas é de muitos anos porque eu sou técnica da seleção de futsal feminino de Irauçuba. Há 10 anos eu já desenvolvo um trabalho no município. Esse ano eu pedi oportunidade ao diretor, ao coordenador, de treinar as meninas e levá-las para os Jogos Escolares, porque eu já tinha uma bagagem de conhecimento que me credenciava para esse trabalho.
Germana Mota
Professora de Matemática e treinadora do time de futsal feminino

A preparação teve início em fevereiro. E o time feminino foi vencendo etapa por etapa. Em junho, passou invicto pela etapa estadual, ganhando a final por 1 a 0 das adversárias. Medalha, troféu e certificado conquistados no Centro de Formação Olímpica em Fortaleza foram levados à Irauçuba junto ao orgulho e ao sentimento de realização. 

As atletas, conta Germana, alunas do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio são, em maioria, de dois bairros da cidade (Cruzeiro e Gil Bastos) nos quais há muitos projetos voluntários de incentivo ao esporte. 

“A maioria tem o sonho de ser atleta profissional. Hoje, o futsal feminino está em ascensão. Nossa tristeza é que o Comitê Olímpico Brasileiro tirou o futsal dos jogos nacionais da Juventude. O objetivo era ir para a fase nacional. O futsal é o esporte mais praticado e mais desenvolvido dentro das escolas. É uma ferramenta de socialização, de disciplina, de integração”, defende a professora.

Para o grupo, Germana reitera aquilo que gestores e professores seguem reforçando na instituição: “antes de você ser atleta, você tem que ser aluna da escola e nosso foco é esse. Formar alunos atletas, obter resultados não só na quadra, mas também na escola e na vida. Porque nosso objetivo é formar cidadãos que saiam prontos para viver em sociedade”. 

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Legenda: 1. Aluna Kailane dos Santos 2. Aluna Adelaide de Souza 3. Professora Germana Mota
Foto: Thiago Gadelha

Uma das alunas atletas que compartilhou o sonho com a professora é Kailane Santos, 16 anos, aluna do 1º ano. Ela, além de jogar futsal e handball, também participa das modalidades de atletismo. No time de ouro do futsal em 2023, Kailane é goleira. 

É totalmente diferente porque a escola integral ajuda a gente a ficar conectada. Os professores são excelentes e é muito gratificante ter eles aqui. São eles que me orientam sobre como vai ser. Gosto muito de praticar esporte, mas eu quero ter uma profissão e tentar equilibrar os dois.
Kailane Santos
Estudante e jogadora de futsal

No percurso de aluna, a atleta Kailane defende que um dos aprendizados que vale para as quadras e também para as avaliações é ter confiança.

“Eu acho que a gente tinha muita confiança. As meninas passam confiança umas pras outras. A nossa treinadora, principalmente. A escola, porque o núcleo gestor dá muito apoio. Ele incentiva muito e eu acho que quando se tem confiança, é impossível não querer, não se dedicar, não focar. E a gente tem um apoio enorme”. 

O time tem ainda Adelaide de Souza, de 15 anos, e estudante do 1 º ano, como atacante. Ela conta que desde os 8 anos pratica esporte, e o hábito “vem de família”.

No trajeto, relembra, já perdeu as contas de quantas competições disputou. Na escola, quando o assunto é currículo comum, ela destaca que gosta de português e matemática. Sobre o que ainda virá: diz querer “ser uma grande jogadora e dar um futuro melhor para a minha mãe”. 

Perfis e modalidades

Na escola, reforça o professor de educação física Kaio Fernandes, a abordagem que une as práticas esportivas às atividades pedagógicas é uma motivação. “É uma das formas que a gente utiliza, já que, como eles gostam muito de esporte, eles se destacam, a gente junta o útil ao agradável. Temos uma escola que é viva no esporte e dá suporte para os alunos praticarem, ao mesmo tempo, em que estudam”, enfatiza. 

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Legenda: 1. Time de futsal feminino 2. Aluno Yhan Soares Andrade 3. Diretor André Fernandes
Foto: Thiago Gadelha

Na escola, em meio às diversas modalidades, ele explica que os professores de educação física fazem um trabalho de observar os desempenhos e apresentar modalidades que podem potencializar ainda mais os estudantes. É o caso de Yhan Soares Andrade, de 17 anos e aluno do 2º ano. 

Eu comecei a praticar esportes com 6 anos. Comecei a me destacar na escola. Mas foi quando eu cheguei na minha escola atual que eu me destaquei e fui reconhecido ainda mais”, conta. Nas demais aulas, relata Yhan, uma das dificuldades já detectadas é aprender rápido. Mas, afirma ele, “os professores percebem as nossas limitações e vão conversando, ajudando.
Yhan Soares Andrade
Estudante

Para os professores, a prática esportiva é uma motivação a mais para que os estudantes possam desenvolver também aspectos cognitivo nas salas de aula. "A gente já sabe que eles têm esse desempenho no esporte. E essa abordagem é usada para que eles evoluam nas outras disciplinas da grade curricular", acrescenta o professor Kaio. 

Nos Jogos Escolares de 2023, o estudante Yhan Soares participou do futsal, do salto a distância, do salto triplo, do arremesso de dardos e do handebol, sendo medalhista de ouro no salto triplo e no lançamento. 

O auxílio, diz o estudante, ajuda a percorrer o caminho cujo horizonte é seguir praticando esportes, mas com uma formação conquistada: tornar-se educador físico.