Piratas na Barra do Ceará? Entenda confrontos no litoral de Fortaleza ocorridos há mais de 400 anos

Presença de estrangeiros no mar do Ceará contrariava os interesses econômicos de colonizadores portugueses

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Legenda: Ilustração do Forte de São Sebastião, construído na Barra do Ceará em 1612.
Foto: Arquivo Nirez

Tapa-olho, bandeira de caveira e papagaio no ombro formam o imaginário popular sobre piratas, muito por causa de peças da cultura pop, como livros, filmes e desenhos animados. Mas os piratas da vida real, inclusive aqueles que atuaram no litoral do Ceará no início do século XVII, tinham uma imagem bem menos fascinante.

Embarcações francesas e holandesas que desbravaram zonas próximas da zona equatorial das Américas, algumas vezes, visitavam a costa do atual estado do Ceará, durante os séculos XVI e XVII. 

Tripulantes desses navios vinham à costa à procura de produtos como pedras preciosas e especiarias e, para isso, entravam em contato os indígenas. As informações são do artigo “Bem-vindo ao Mucuripe”, escrito pelo bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece),  Jônatas Gomes.

Indígenas e europeus realizavam comércio de escambo, trocando produtos nativos (madeiras, animais exóticos e algodão, por exemplo) por “produtos do Velho Mundo” (manufaturas, ferramentas de metal e outros).

No entanto, essa relação extra-oficial interferia diretamente nos planos de Portugal, que havia reclamado as terras correspondentes ao atual estado do Ceará como parte de seu território colonial mediante o tratado de Tordesilhas.

Assim, a Coroa portuguesa qualificou o comércio de franceses e holandeses como “pirataria e saqueamento” das reservas de suas colônias e, assim, iniciou esforços para reprimi-lo.

Em relação aos piratas, na verdade essa é uma ideia antiga. Eles eram comerciantes da França ou Holanda que aportavam no Mucuripe e em outros portos naturais do Ceará para comercializar produtos da terra.
Jônatas Gomes
Geógrafo

Conforme o pesquisador, em entrevista ao Diário do Nordeste, como a presença portuguesa no Ceará ainda era insípida no decorrer do século XVI e início do XVII, a costa cearense recebia muitas visitas dessas duas nacionalidades. Em sua maior parte, amistosas.

“A violência vai se instalar no Ceará quando os portugueses tomam o forte dos Reis Magos e quando tem início a bandeira de Pero Coelho”, detalha Jônatas.

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A construção mencionada por ele foi construída em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1598. Em 1633, a fortaleza foi invadida pelos holandeses. Anos mais tarde, os portugueses conseguiram retomar a cidade e o forte, de acordo com o Memorial Legislativo de Natal.

Já a bandeira de Pero Coelho de Sousa, tida como o marco de colonização do Ceará, começou em 1603. A capitania do Siará havia sido cedida pelo rei D. João III ao português Antônio Cardoso de Barros, em 1535, mas a região formada por Rio Grande, Ceará e Maranhão não lhe despertou interesse. 

Lutas por décadas

Na expedição, Pero Coelho se instalou às margens do rio Pirangi (atualmente Barra do Ceará)  e construiu o Forte de São Tiago. Por três anos, a expedição observou o comércio "ilegal" de algodão, pimenta malagueta, papagaios, bugios, saguis e madeira.

O local acabou sendo destruído por “piratas” franceses. Após seguir campanha, no rio Jaguaribe, Pero ergueu o Forte de São Lourenço. Mas, em 1607, uma seca assolou a região e o colonizador decidiu abandonar a capitania.

Após anos em que Portugal viu crescer a influência francesa no Nordeste, em 1612, foi a vez da chegada do português Martim Soares Moreno, considerado o fundador do Ceará. Ele também se instalou na Barra do Ceará, criando o Forte de São Sebastião. 

Essa nova tentativa de colonização teve como obstáculos a oposição das tribos indígenas e mais invasões de piratas europeus, aos quais ele reprimia violentamente, como narram escritos seus recuperados pelo historiador Raimundo Girão:

Ali no dito ano (1612), degolei mais de duzentos franceses e flamengos piratas e lhe tomei 3 embarcações, donde uma delas veio a Sua Majestade a esta Cidade toda a proa e papa douradas.

No ano seguinte, Martim é ordenado a descobrir e conquistar áreas do Maranhão.

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Uma das principais investidas francesas documentadas contra o domínio português no Ceará ocorreu em junho de 1614. Soldados de um navio sob o comando de Du Prat desembarcam no Mucuripe para tomar o forte do Siará. Porém, os combatentes foram reprimidos graças à articulação do padre Baltazar João Correia.

Em outubro de 1637, a região foi invadida por holandeses liderados por Joris Garstman a mando de Maurício de Nassau, que tomaram o Forte de São Sebastião. Segundo artigos do Instituto do Ceará, o objetivo era explorar as salinas da área. Porém, essa expedição também foi destruída por ataques indígenas. 

Legenda: Antigo Forte de Schoonenborch, em cujo entorno se desenvolveu a vila e depois a cidade de Fortaleza.
Foto: Arquivo Nirez

Os holandeses retornaram em 1649, numa empreitada de Matias Beck - desta vez, buscando minas de ouro e prata. O grupo se fixou próximo ao riacho Pajéu, onde construíram o Forte Schoonenborch. 

Em 1654, com a derrota dos holandeses em Pernambuco, o local foi tomado por portugueses e renomeado de Forte de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. 

Em seu entorno, se desenvolveu a segunda vila do Ceará: a vila do Forte ou Fortaleza. A primeira reconhecida foi a vila de Aquiraz. Em 1726, a vila de Fortaleza passou a ser oficialmente a capital do Ceará.

Hoje, resquícios do antigo Forte podem ser visitados no sítio histórico do Comando da 10ª Região Militar do Exército Brasileiro, no Centro da cidade. O passeio é gratuito, de segunda a sexta-feira, de 9h às 12h e de 13h às 16h; e aos sábados, domingos e feriados, de 9h às 12h.

Apesar da derrocada inicial, ataques de piratas franceses ainda são registrados em documentos e cartas referentes à Capitania do Ceará nos anos de 1799 e 1800, disponíveis no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa.

Legenda: Área do Rio Ceará atualmente.
Foto: Kid Júnior

Ainda existem piratas?

Embora as informações daquela época fossem tomadas pela visão do lado português, hoje já existem instrumentos jurídicos internacionais que avaliam a tipificação e o combate à pirataria marítima.

Em estudo de leis e normas sobre o tema, a Marinha do Brasil descreve que a pirataria estava quase extinta até ressurgir no cenário mundial, a partir da década de 1980, sobretudo na Somália e no Golfo da Guiné, associados ao roubo de carga de navios petroleiros. 

Essas ações chegaram a tal ponto que poderiam representar uma ameaça ao transporte marítimo internacional e causar prejuízos ao comércio exterior das nações.

A pirataria é entendida como ato ilícito praticado pela tripulação, de uma embarcação contra outra embarcação, sua carga ou seus tripulantes, quando esta se encontrar em águas internacionais ou na zona econômica exclusiva de algum Estado, segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).

Porém, a Marinha ressalta que a falta de tipificação desse crime no Código Penal Brasileiro (CPB) e na legislação penal de diversos Estados dificulta seu enquadramento, sendo uma das principais razões “para que cerca de 90 % dos suspeitos de pirataria detidos sejam liberados”.

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