Ponte da Barra do Ceará faz 25 anos entre mudanças na paisagem e na rotina local
Equipamento foi inaugurado em outubro de 1997, sob opiniões controversas da população da época
Ano 1996. Às 6h, enquanto o sol começava a aquecer as águas da Barra do Ceará, o vai e vem de barcos iniciava. De um lado a outro, crianças e adultos faziam o rio de estrada para ir à escola ou ao trabalho. “Eram poucos minutos de travessia”, relembra Júnior Matias, 44, cujas memórias de menino guardam a paisagem do bairro ainda sem ponte.
Há 25 anos, porém, o cenário e a rotina mudaram. Em 11 de outubro de 1997, após 20 meses de obras, a Ponte José Martins Rodrigues – ou Ponte da Barra, como é conhecida – foi inaugurada, interligando as cidades de Fortaleza e Caucaia, na Região Metropolitana (RM).
A obra foi executada pela Prefeitura de Fortaleza em convênio com a Prefeitura de Caucaia, e custou cerca de R$ 17 milhões, como mostram registros da época.
Antes, os cerca de 634 metros de trajeto eram percorridos pela água. Para transitar entre Iparana, onde mora, e a capital, onde estudava; Júnior e os amigos subiam no “barco do Totó, tradicional pra quem queria vir pro outro lado”, como relembra o policial militar.
“Era tranquilo, era o meio de transporte da população. Usavam pra tudo”, acrescenta, destacando, por outro lado, que a ideia da construção da ponte foi aceita “de bom grado” pela população, que economizaria tempo de deslocamento e veria o bairro valorizado.
Além disso, os barcos tinham hora para deixar de circular. Em teoria. Quando uma mulher entrava em trabalho de parto após as 22h, precisava embarcar numa das canoas de forma clandestina, sob a Lua, como narraram moradores a uma reportagem do Diário do Nordeste da década de 1990.
Nos finais de semana de sol, cerca de 25 mil pessoas fazem a travessia do Rio Ceará, pagando R$ 0,40 de passagem.
A construção da ponte, aliás, foi uma proposta da Associação dos Moradores do Conjunto Planalto da Barra, feita em outubro de 1991, como mostra outra reportagem do Diário resgatada pelo Núcleo de Pesquisa do Sistema Verdes Mares.
Apesar disso, outras matérias registram que a implantação da Ponte da Barra foi soterrada por divergências, principalmente por parte dos barqueiros que atuavam na região.
O registro histórico é atestado por Alberto de Souza, que mora no bairro há 60 dos 62 anos de vida. Dono de um dos restaurantes mais tradicionais da Barra do Ceará, ele faz questão de dizer: não tem “nada contra o progresso”, mas a ponte “não foi uma coisa boa”.
Alberto relata que o equipamento afetou a natureza e as pessoas do lugar. “A travessia de barco pro outro lado era o ganha-pão dos ribeirinhos. Antes, tinha 60 barcos, e a ponte interferiu nesse meio de vida. Hoje só tem 5, fazendo passeios”, lamenta.
Mudou tudo. Aqui nesse entorno, mudou tudo, mas não pra melhor. A ponte não trouxe uma compensação pra Barra do Ceará.
O morador comenta que se a urbanização prometida para o entorno da ponte houvesse acontecido, o bairro teria tido potencial para atrair turismo, mitigando os prejuízos do enfraquecimento da atividade dos barqueiros.
“A ponte virou um cartão-postal, com o pôr do sol mais lindo. Mas isso não foi explorado, porque não revitalizaram a Barra antes. Isso aqui é o amor da vida da gente, com o rio belíssimo, que podemos trabalhar os passeios náuticos. É lindo, mas condição não tem.”
O arquiteto Romeu Duarte, professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), pontua que a necessidade de interligar Fortaleza a Caucaia era “imperiosa”, mas avalia que a ponte não foi um bom projeto em termos técnicos e arquitetônicos.
“Ela interfere tremendamente na paisagem, a vibração da passagem dos carros prejudica os peixes, há criação de bancos de areia nos pilares, dificultando a navegação, e o desenho dela é destituído de beleza”, lista.
Se houvesse uma ponte estaiada, teríamos uma obra de arte muito mais interessante. Mas prevaleceu um desenho duro, mal resolvido. Poderia ser um grande cartão postal, no trecho de praia mais bonito da cidade.
O urbanista avalia, por outro lado, que a paisagem mais bonita da Barra do Ceará é a cultural. “Tem o Forte de Santiago, a pesca artesanal, o encontro do Rio Ceará com o mar, uma série de elementos que caracterizam aquele lugar pra além da arquitetura”, cita.
“Temos elementos que somados constroem uma paisagem admirável, que poderia ter sido valorizada quando se fez o projeto”, adiciona Romeu.
Urbanização da Barra do Ceará
A paisagem do bairro tem passado por modificações desde 2020, quando foi iniciado o Projeto Beira Rio, de urbanização da orla oeste da cidade – da Av. Ulisses Guimarães (Ponte) até a Rua José Roberto Sales.
De acordo com a Prefeitura de Fortaleza, “as obras estão em andamento na região com os serviços de execução dos quiosques, calçadão e posicionamento dos mobiliários urbanos, como bancos e lixeiras”.
A previsão é de que a urbanização seja finalizada e entregue pela Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf) ainda neste semestre, como informou a gestão municipal em nota ao Diário do Nordeste.
A Pasta lista ainda intervenções que integrarão o cenário da Barra do Ceará, ao fim das obras:
- Boxes para empreendedoras;
- Quadras poliesportivas;
- Novos calçadão e iluminação;
- Academia ao ar livre;
- Chuveirões na praia;
- Bicicletários;
- Vagas para estacionamento;
- Posto de guarda-vidas.
A Prefeitura reforça que o projeto “será integrado à região do Vila do Mar, permitindo a criação de uma ampla área de lazer que irá fomentar o turismo e o comércio local”, demanda antiga dos moradores da região.
“As obras estão com 90% de execução e têm previsão de entrega total para o segundo semestre de 2022”, complementa a nota.