O que é a tarifa aprovada pelo Governo do Ceará para usar águas do São Francisco
No início do mês, uma lei aprovada na Assembleia estabeleceu a Tarifa de Segurança Hídrica em relação às águas provenientes do Velho Chico. A tarifa - que detém discussões - não está vigor no Ceará e atinge demais estados beneficiados pela obra da transposição
A lei estadual 18.558/2023 aprovada, esse mês, na Assembleia Legislativa do Ceará na qual é estabelecida a “Tarifa de Segurança Hídrica” para as águas da transposição do Rio São Francisco tem gerado debates e alegações sobre um suposto repasse do Governo Federal do custo para os consumidores da água. Mas, na realidade, a criação da norma segue uma orientação estabelecida para todos os estados receptores das águas (além do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco) e as discussões sobre o custeio da operação já ocorrem entre eles e o Governo Federal desde 2005, antes do início da obra em 2007.
Além disso, a tarifa não está em vigor no Estado e, quando for aplicada, afirma o Governo, indicidirá sobre quem faz uso da água bruta - não tratada - como a indústria e as empresas de saneamento. A aprovação da lei é um passo no cumprimento do pacto feito entre os estados com a União de até março de 2024 dar início à operação comercial do projeto. Então, o que, de fato, essa lei estabelece?
O Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), a chamada transposição, teve a obra iniciada em 2007 - no segundo governo Lula - e se estende por 477 km, sendo o maior empreendimento hídrico do Brasil. No Ceará, as águas chegaram pela primeira vez em junho de 2020, pela barragem de Jati (na cidade de mesmo nome) no Cariri, durante o Governo Bolsonaro, após 12 anos de espera.
Veja também
Em julho de 2023, o Estado voltou a receber os recursos provenientes do Velho Chico após uma interrupção em novembro de 2022, por conta de serviços de manutenção no conjunto de bombas da Estação de Bombeamento EBI-3
No Estado, quando necessário, as águas do Velho Chico percorrem o trecho emergencial do Cinturão das Águas até o Riacho Seco (em Missão Velha), depois seguem para o Rio Salgado e o Rio Jaguaribe e alcançam o Açude Castanhão. Do maior reservatório do Estado seguem, via Eixão das Águas, para a Região Metropolitana de Fortaleza.
Mas, por que o uso desse recurso hídrico é cobrado e como funcionará no caso dessa nova tarifa?
Um primeiro ponto é que a discussão sobre o pagamento das águas garantidas pela transposição não é recente. Pelo menos desde 2005 - portanto, antes do início das obras - os estados beneficiados - Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba - e o Governo Federal debatem o custeio do funcionamento da transposição.
Discussão ocorre desde 2005
Naquela época, foi firmado um Termo de Compromisso entre os entes envolvidos no qual ficou acordado que caberia à União arcar com os custos de implantação do sistema e aos estados os custos de operação e manutenção.
No decorrer dos anos, inúmeras foram as discussões, e, em abril de 2021, após tratativas no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) da Advocacia Geral da União (AGU) foi assinado o Termo de Pré-acordo entre o Governo Federal e os estados.
Segundo o documento, cabe aos estados “implantar a cobrança de tarifas dos serviços de operação e manutenção e a cobrança de direito de uso no âmbito dos estados [...]”. Logo, o que está sendo feito no Ceará com aprovação da lei 18.558/2023 é cumprimento de compromissos firmados ainda na gestão passada.
“O que estão sendo feitos são os compromissos assinados na gestão passada, em um pré-acordo, assinado pelo ex-ministro do MDR Rogério Marinho e pelo então governador [do Ceará] Camilo Santana e pelos demais governadores, com a AGU (Advocacia-Geral da União)".
De acordo com ele, a ideia é que “se defina uma tarifa que deverá ser diluída no máximo possível de usuários e, a depender dos valores, o estado pode entrar com algum subsídio. Mas tudo isso ainda é pauta de discussões, nenhuma tarifa foi cobrada e nem tem previsão de cobrança”, esclareceu.
Criação de leis
Esse ano, em agosto, em um acordo interfederativo entre o Governo Federal e os estados receptores das águas, as gestões estaduais se comprometeram a firmar os contratos até março de 2024 para dar início à operação comercial do projeto.
Conforme o pacto, os estados deverão arcar com as tarifas relativas à prestação do serviço de adução (captação e transporte) de água bruta do PISF estabelecidas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).Os recursos para o pagamento devem estar previstos nos orçamentos estaduais a partir de 2024.
No caso da Lei aprovada no Ceará, já há o estabelecimento desse compromisso de fixar na Lei Orçamentária Anual uma dotação específica que possa, eventualmente, completar os recursos arrecadados pela tarifa de segurança hídrica, caso a arrecadação não seja suficiente para pagar a fatura expedida pela União.
O que diz a lei cearense?
Na prática, a lei aprovada no Ceará estabelece que a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) e a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh) serão responsáveis pela gestão operacional e financeira do PISF no Estado.
Sobre a Tarifa de Segurança Hídrica, a norma diz que ela se baseará nos valores definidos pela ANA. A cobrança, aponta o texto, "ocorrerá de forma proporcional ao consumo de cada usuário". A União, através da ANA, “irá cobrar da operadora estadual, no caso a Cogerh, e ela vai cobrar dos usuários de água bruta”, diz o texto.
O texto fala em usuários de água bruta. Sem definição específica de quem são esses usuários. No Brasil, quem faz uso de água bruta são pessoas físicas ou jurídicas e, em geral, indústrias, mineradoras, agronegócio e empresas de saneamento básico. No Estado, o representante da SRH diz que é direcionada ao “pessoal do saneamento e das indústrias”.
“O segmento da agricultura não vai pagar por essa água, pois essa água não é para ser usada na agricultura, e sim para abastecimento humano. Além disso, essa tarifa deve respeitar também os custos sociais, as tarifas sociais que tem isenção. Porém, nada disso se encontra definido. Ainda existe uma discussão sobre o tema”.
Os estados já pagam pela água?
As tarifas a serem pagas pelos estados são de dois tipos:
- De consumo: cobrada proporcionalmente ao volume de água fornecido às operadoras estaduais nos pontos de entrega. O valor é para cobrir os custos variáveis do empreendimento, como a energia elétrica utilizada para o bombeamento da água;.
- De disponibilidade: referente à cobrança Codevasf junto às operadoras estaduais para cobrir a parcela fixa dos custos decorrentes da operação, como: manutenção da infraestrutura, cobrança pelo uso de recursos hídricos da bacia e gastos fixos com energia elétrica.
A soma dos dois critérios gera a cobrança total pela água. Mas, na prática, os estados ainda não pagam esses valores à União. Logo, a cobrança só será iniciada após a assinatura do contrato entre a operadora federal - a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) - e os estados receptores, ou seja, quando o PISF entrar em operação comercial.
Contudo, por atribuição, desde 2018, a ANA elabora e publica sob a forma de resolução o desenho dos cálculos das tarifas a serem cobradas. Para 2023 o previsto foi:
- R$0,322/m³ referente a disponibilidade;
- R$0,204/m³ referente ao consumo.
No recente acordo, os governos estaduais também são obrigados a arcar com os custos de operação e manutenção de canais e adutoras conectados aos Eixos Norte e Leste do PISF e que beneficiem apenas um estado.
Quando estiver em vigor, a cobrança, explica a ANA, será realizada pela operadora federal que cobrará dos estados receptores. Estes devem definir “como ou se farão a cobrança dessa água dos seus usuários finais, ou seja, aos usuários a quem eles entregarem essa água”, diz a ANA.
Cobrança pelo uso é previsto em lei
Essa cobrança mencionada se refere à operação e manutenção da transposição. Outro custo é o do uso da água em si. Esse é previsto na Lei Federal 9.433 de 1997, chamada Lei das Águas e é um dos instrumentos de gestão da Política Nacional de Recursos Hídricos, e existe desde 1997.
Essa arrecadação não tem o objetivo de custear a construção da obra em si ou algum tipo de ressarcimento pela estruturação do empreendimento. A Lei Federal 9.433/97 indica que a cobrança pelo uso de recursos hídricos existe para:
- Dar ao usuário uma indicação do real valor da água;
- Incentivar o uso racional da água;
- Obter recursos financeiros para recuperação das bacias hidrográficas do país.
O dinheiro oriundo da cobrança do uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e devem ser usados:
- No financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;
- No pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
O secretário executivo de Recursos Hídricos do Ceará, Ramon Rodrigues esclarece que, no caso da outorga das águas do São Francisco, emitida pela ANA, “é definido que essa operação e manutenção deveria ser incluída nos custos dos estados receptores”. Ele acrescenta que o dinheiro cobrado deve ser usado “somente para manutenção e operação. Nada de custeio de obras”.