Moradores de Messejana não aceitam mudança em nome de rua e devolvem placas antigas ao local
Um abaixo-assinado com mais de 300 nomes foi elaborado para desfazer medida aprovada em setembro
No muro azul de uma das vias do bairro Messejana, em Fortaleza, estão duas placas: Rua João Chaves de Lima e Rua Guilherme Pessoa. A primeira foi colocada na última quarta-feira (25), após uma mudança repentina que deixou a população confusa. Já a segunda, nome pelo qual o lugar é conhecido há mais de 50 anos conforme os moradores, foi devolvida.
A alteração de nome foi aprovada em setembro deste ano, por meio do Decreto Legislativo N° 1.118, recebido na Câmara Municipal de Fortaleza, por iniciativa de um vereador, para homenagear um comerciante do bairro com o apoio de 32 moradores. O autor do texto, inclusive, contextualizou que a rua era apenas conhecida como Guilherme Pessoa, mas não tinha um nome oficial.
No entanto, os moradores reclamam da falta de consulta pública e dos prejuízos decorrentes da medida. Por isso, mais de 300 assinaturas foram reunidas num abaixo-assinado que tenta reverter a decisão, de acordo com uma liderança ouvida pela reportagem.
Veja também
Entre a Rua Frei Henrique, próxima à Lagoa da Messejana, a via possui uma extensão curta até a Avenida Washington Soares. Por lá, a vizinhança está com problemas para o recebimento de entregas e para solicitar corridas de aplicativo de transporte, conforme informações repassadas ao Diário do Nordeste.
Neste domingo (29), os moradores fizeram uma reunião com Renan Colares (PDT), vereador responsável pelo decreto, que criou um Projeto de Decreto Legislativo nesta terça-feira (31) para revogar a decisão.
"O projeto seguiu todo o trâmite regular da legislação da Câmara, passou 3 anos tramitando, e houve o diálogo, mas não com 100% da rua. Hoje eu reconheço a minha falha, junto com a minha assessoria, de ser uma parte pequena", admite Renan.
Apesar disso, não é possível estimar quando a rua voltará a ser Guilherme Pessoa. “Eu me comprometi com os moradores, que foram muito organizados, mas não tenho como dizer o prazo. Vamos fazer um trabalho, já conversei com alguns vereadores, por ser um projeto meu que estou desfazendo, para ser algo rápido”, completa.
Já nesta terça-feira (31), um Projeto de Decreto Legislativo, de mesma autoria, solicita a revogação da mudança de nome. O texto ainda precisa ser analisado pela Câmara e não há um prazo definido para isso.
O empresário e morador José Lucas Gualberto Gomes, de 26 anos, avalia que a situação causou estresse na população que precisou se articular para reverter a medida por uma questão histórica e também burocrática.
“Os motoristas de aplicativo não estavam mais aceitando corridas aqui para nossa rua porque o endereço não estava mais batendo e quem tem empresa aberta está com problema para trocar toda a documentação para a nova designação”, reforça.
A população revoltada começou a tirar as placas novas, com o novo nome da rua, e começou a colocar as placas antigas que haviam recuperado por realmente se sentir lesada
A insatisfação da vizinhança é ampliada no contexto em que a rua não está em boas condições estruturais, como acrescenta.
"A população ficou revoltada pelo fato de não ter tido um aviso prévio da mudança, não houve uma captação da opinião dos moradores da rua e outra questão é que a rua não tem saneamento básico, está cheia de buracos, tem ocorridos muitos assaltos”, completa José Lucas.
Ao debater o assunto, a vizinhança descobriu que a iniciativa para a mudança de nome aconteceu para homenagear um morador antigo. Ainda assim, o desejo da maioria é pelo retorno do nome oficial.
"O nosso abaixo-assinado já está passando de 300 assinaturas, com certeza daqui para o fim do dia eu vou enviar uma cópia para o escritório do vereador para ele iniciar a mudança do nome da rua", conclui José Lucas.
Aluísio Moraes dos Santos, de 88 anos, está entre as pessoas que não aprovaram a retirada do nome histórico. Há 35 anos, quando chegou, o local já tinha esse nome. "Nessa época eu trabalhava numa firma e eu vinha com a carreta e descia pra cá a pé porque não passava nada", lembra.
Tantos anos depois, a permanência do nome é algo que Aluísio espera ter. "Eu não concordei porque quando uma rua traz o nome de uma pessoa é porque ela foi muito importante e, com o passar do tempo, não dá para tirar e colocar o nome de outra”, avalia.
Não há detalhes sobre a biografia de Guilherme Pessoa disponível nos decretos e nem nos bancos de informações sobre as personalidades de Fortaleza.
A Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) informou à reportagem que a responsabilidade da Pasta é "atualizar o banco de dados de logradouros, solicitar dos Correios a atualização da nomenclatura para o devido CEP e atualizar as placas com a nova denominação do logradouro". Na Rua João Chaves de Lima foram alocadas 36 placas - todas no dia 25 de setembro.
Como aconteceu a mudança
O Projeto de Decreto Legislativo N° 0028/2020 foi recebido pela Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa no dia 22 de julho de 2020 e pela Coordenadoria das Comissões Técnicas Permanentes no dia 5 de agosto de 2020.
Em abril de 2023 foi solicitada à Secretaria da Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) o croqui oficial da rua, como é chamado o desenho técnico da via. Já em agosto deste ano, foi enviado um ofício também para a Seuma com a mudança de nome.
Esse ofício declara "que a rua Guilherme Pessoa não tem denominação oficial, sendo conhecida popularmente por essa nomenclatura". Entre os anexos do documento, existe um abaixo-assinado para a mudança de nome com 32 pessoas na lista.
Em setembro de 2023, o Decreto Legislativo N° 1.118, alterou a denominação oficial da Rua Guilherme Pessoa para Rua João Chaves de Lima. O decreto entrou em vigor naquele mesmo dia após assinatura do presidente da Câmara Municipal de Fortaleza.
Quem é o homenageado?
João Chaves de Lima nasceu em julho de 1947, sendo morador durante toda a vida do bairro Messejana, como detalha o projeto de decreto legislativo. O texto afirma que o homenageado passou a morar na Rua Guilherme Pessoa, na esquina com a Avenida Mem de Sá, dos 24 anos até o fim da vida, em agosto de 2016, quando tinha 69 anos.
João foi atendente de enfermagem no Hospital Mental de Messejana, taxista e teve um comércio na própria casa conhecido como "Mercearia O Joãozinho".
O projeto detalha, inclusive, que o ponto comercial era conhecido por moradores antigos e jovens, especialmente, pela venda de pirarucu, queijo e carne do sol, por exemplo. O proprietário foi apelidado de "Joãozinho da Munda", em referência à mãe Raimunda.
Como o nome de uma rua é alterado
A Câmara Municipal de Fortaleza é responsável pela aprovação da mudança de nomes oficiais ou tradicionais de bairros, praças, ruas e outros logradouros públicos a partir de um Projeto de Decreto Legislativo. A população pode solicitar a alteração com apoio dos parlamentares.
O Código da Cidade é a legislação que trata e prevê dois tipos de tramitação, conforme a Câmara de Fortaleza.
Caso o local não tenha nome tradicional ou oficial, o vereador apenas precisa protocolar o Projeto de Decreto Legislativo no Departamento Legislativo da Câmara. Para isso é necessário o croqui de localização elaborado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA) para que a tramitação seja iniciada.
Quando o espaço já possui um nome, deve ser feita uma audiência pública convocada pela Câmara para manifestação dos munícipes ou por meio de autorização por escrito, no mínimo, de 2/3 da população diretamente interessada.
O Código da Cidade permite que os logradouros públicos recebam:
- Nomes de pessoas
- Datas ou fatos históricos que representem, efetivamente, passagens de notória e indiscutível relevância
- Nomes que envolvam acontecimentos cívicos, culturais e desportivos
- Nomes de obras literárias, musicais, pictóricas, esculturais e arquitetônicos consagradas
- Nomes de personagens religiosos ou do folclore
- Nomes de acidentes geográficos
- Nomes de países, estados, cidades ou localidades e nomes que se relacione com a flora e a fauna nacionais
Não é possível a denominação dos espaços com nomes de pessoas vivas ou com nomes e eventos incompatíveis com o espírito de fraternidade universal e de unidade e objetivos nacionais.