‘Bafo da jiboia’: cobra tem voz individual e usa som para afastar predadores, aponta estudo no CE
Animais contribuem para o equilíbrio do ecossistema e atuam no controle de pragas
Com a boca aberta e o corpo em contrações, o bafo da jiboia – como é conhecido popularmente o som feito pela espécie da família Boidae – pode facilmente assustar. Contudo, um grupo corajoso de pesquisadores descobriu que a cobra emite um ruído branco e que possui uma “voz” individual, durante um estudo que passou pelo Ceará.
O chiado acontece quando os animais se sentem ameaçados e o ruído branco é um som de frequência oscilante e indefinida. A hipótese dos cientistas é que essa seja a forma das jiboias de intimidar predadores que escutam em variadas frequências, como aves e mamíferos.
As descobertas científicas foram reunidas no estudo "Revelando o repertório acústico das jiboias: assobios que se assemelham ao ruído branco e indicam identidade individual", publicado na revista internacional Behaviour, em outubro deste ano.
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Para a elaboração do estudo, foram reunidas oito gravações de seis animais de Rio de Janeiro, no Ceará, em Brasília e em Pernambuco com extração de medições acústicas dos sons de assobios.
“O estudo começou há dois anos, partindo de uma ideia que tivemos para tentar identificar porque a jiboia faz esse chiado, um comportamento bastante recorrente”, contextualiza Nathalie Citeli, doutora em Zoologia e uma das autoras da publicação.
A gente percebeu que esse som é um ruído branco, não tem uma frequência definida, é parecido com um chiado mesmo. Então, a nossa hipótese inicial é que ela fazia esse som para tentar afastar diferentes predadores, como aves de rapina, corujas e gaviões
Os cientistas também examinaram o potencial das medições para codificar a identidade individual usando análise de função discriminante e correlacionando isso com o comprimento corporal.
No artigo, o grupo explica que cada assobio geralmente tem duas partes: a mais alta e a mais suave. São ruídos brancos separados por um curto intervalo silencioso. A primeira parte do assobio apresenta mais modulações de frequência e largura de banda mais estreita do que a segunda parte.
Durante os testes, os assobios foram atribuídos corretamente aos respectivos indivíduos – mostrando as características de cada "voz". As cobras produzem de quatro a 12 assobios por minutos quando expostas a um estímulo negativo e estímulo visual de aproximação.
“A gente identificou que cada indivíduo tem uma voz, quando fizemos a análise era similar a uma impressão digital, algo como a nossa voz humana. Foi um resultado surpreendente”, frisa Nathalie.
Outra observação da pesquisa é que traços como dimorfismo sexual e variações ontogenéticas podem influenciar os parâmetros sonoros. Também há uma tendência de indivíduos maiores produzirem assobios de frequência mais baixa. O grupo avalia que estudos futuros podem investigar esses aspectos em detalhes, incluindo a anatomia da laringe da cobra.
Também participam do estudo os pesquisadores Edvaldo Silva, Afonso Meneses, Maria Laura Santos, Rodrigo Gonzalez, Anna Rodrigues, Mariana de Carvalho, Ednilza Maranhão, Reuber Brandão e Pedro Diniz.
Os autores estão ligados a instituições como Universidade Católica de Brasília, Universidade de Brasília, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Museu de História Natural do Ceará e Universidade Estadual do Ceará.
Conservação
A espécie Jiboia Constritora (Boa constrictor) pertence à classe dos répteis, especificamente da família Boidae. Em geral, as fêmeas são maiores e os machos têm cauda maior. As informações são da Secretaria de Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Esses animais vivíparos (embriões se desenvolvem dentro do corpo materno), podendo nascer até 55 filhotes de uma vez. Os filhotes podem nascer com até 60 cm de comprimento, completamente formados.
Uma das principais características das jiboias é que elas possuem os ossos do crânio e da mandíbula móveis e, por isso, conseguem capturar grandes presas.
As jiboias não são venenosas e se alimentam de mamíferos, como roedores e pequenos primatas, lagartos, aves, dentre outros. Para matar as presas, é usado o processo de constrição ao envolver-se no animal.
Isso é feito com uma força tão intensa capaz de interromper o fluxo sanguíneo, impedindo a chegada de oxigênio aos órgãos.
Nathalie explica que as jiboias contribuem para o funcionamento dos ecossistemas e para a saúde de biomas como Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.
"As serpentes atuam como predadores, se alimentam de outros animais, controlam populações de presas como roedores, aves, anfíbios, outras serpentes, aranhas... As serpentes também servem de alimento para outros animais como canídeos, cachorro do mato, corujas e gaviões", destaca.